Crime sem castigo

Polícia Civil coleta 3,8 depoimentos para cada crime investigado

Reportagem: Bruna Maestri Walter, José Marcos Lopes, Rogério Galindo e Rosana Félix

Os jurados que compareceram ao Tribunal do Júri em 5 de julho deste ano não precisaram decidir se o réu era ou não culpado de um assassinato. O próprio promotor de Justiça disse que, naquele caso, não era possível pedir a condenação do suspeito. Segundo o promotor Marcelo Balzer Correia, que há dez anos atua na 1.ª Vara do Júri de Curitiba, não havia provas. Tudo o que o inquérito tinha contra o indiciado era um único depoimento. A testemunha, porém, admitia que sabia pouco sobre o crime. A juíza Mychelle Pacheco Cintra concordou com Correia e o caso foi encerrado, somando-se aos milhares de homicídios em Curitiba que seguem sem solução.

São comuns os casos em que a polícia ouve poucas testemunhas para elucidar um homicídio. Levantamento da Gazeta do Povo feito com base em inquéritos de mil assassinatos revela que em 595 casos foram colhidos depoimentos de três testemunhas ou menos. Existem até mesmo inquéritos em que ninguém foi interrogado. O levantamento também apontou que há fatores que levam a investigação a ser mais bem feita, como a repercussão do crime.

Parentes

De acordo com Correia, além de o número ser baixo, há uma distinção a ser feita. “A maior parte das pessoas ouvidas não são testemunhas de fato do crime. Não estavam no local nem viram o que aconteceu. São o que chamamos de informantes”, diz. Os informantes são pessoas da família ou amigos que comentam o caráter da vítima: se tinha envolvimento com drogas, bebia ou tinha alguma rixa.

“Ouvem o pai e a mãe para saber se alguém brigou com a vítima, a esposa, o vizinho e encerram por aí. Feito isso, não se constata indício de autoria. E mandam para o Ministério Público na maior “cara de pau’. Testemunha é a pessoa que esteve presente ou que presenciou de alguma maneira os fatos relacionados ao crime”, afirma José Vicente da Silva Filho, consultor de segurança pública e professor do Centro de Altos Estudos de Segurança da Polícia Militar de São Paulo.

Não faltam exemplos do gênero. No inquérito da morte de J.G.M., assassinado em outubro de 2010, por exemplo, a única informante ouvida foi sua mãe, que disse não saber nada. Outra investigação semelhante é a de N.R.S.. Vendedor de carros usados, ele foi morto em novembro de 2010. A única testemunha foi um irmão dele que, no depoimento, falou que convivia pouco com a vítima.

Diferenças

O levantamento também permite ver que há relação clara entre a quantidade de testemunhas ouvidas e o resultado da investigação. Os inquéritos analisados que já contavam com o indiciamento de um suspeito tinham quase o dobro de depoimentos: eram sete testemunhas por caso, em média.

A reportagem também leu os inquéritos que resultaram em condenações judiciais dos réus. O resultado é semelhante. Dos crimes de homicídio cometidos em Curitiba em 2003, a Justiça condenou alguém à cadeia em 25 casos. Desses, a Gazeta teve acesso a 12 inquéritos. A média de testemunhas ouvidas antes que esses casos chegassem ao Judiciário é de 7,2 testemunhas: ou seja, quase o dobro da média geral dos inquéritos policiais.

“O homicídio é um dos crimes mais fáceis de serem elucidados, porque normalmente envolve conflitos de pessoas que se conhecem. Tem testemunhas, seja do fato em si ou do problema que havia. São raros os casos de homicídio onde não existem testemunhas”, diz Arthur Trindade Maranhão, coordenador do Núcleo de Estudos sobre Violência e Segurança da Universidade de Brasília.

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