A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal decidiu por unanimidade, no último dia 6 de maio, que o “Ministério Público não tem competência para promover inquérito administrativo em relação à conduta de servidores públicos nem competência para produzir inquérito policial sob argumento de que tenha possibilidade de expedir notificações nos procedimentos administrativos, e pode propor ação penal sem inquérito policial, desde que disponha de elementos suficientes. Mas os elementos suficientes não podem ser auto-produzidos pelo MP, instaurando ele inquérito policial”.
A decisão está causando polêmica no Paraná, já que somente este ano a Promotoria de Investigação Criminal (PIC) realizou muitos trabalhos que resultaram na prisão de policiais. Ontem havia 11 policiais recolhidos na carceragem especial da Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos, a maioria presa após investigações realizadas pelos promotores criminais.
A insatisfação maior é dos próprios policiais civis, que se sentem usurpados em suas funções. Já o Ministério Público defende a continuação das investigações.
Competências
A delegada Valéria Padovanni de Souza, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia (Sidepol), afirma que existe inconstitucionalidade nas investigações realizadas pela PIC. “Até que enfim o Supremo reconheceu a ilegalidade. A função de investigação é típica da Polícia Civil e da Polícia Federal. Jamais um órgão acusatório pode colher as provas. Isto gera a nulidade de todo o processo”, argumenta a delegada. “Que independência o Ministério Público vai ter para formar a opinião e decidir se denúncia ou não o réu, que ele próprio investigou?”, pergunta Valéria, que defende sua opinião baseada no artigo 144 da Constituição, o qual aponta de quem é a competência quanto a apuração de crimes.
O assessor criminal do gabinete da Procuradoria Geral de Justiça, promotor Rodrigo Regnier Chemim Guimarães, afirmou que a decisão do Supremo Tribunal Federal é isolada. “Dos 11 ministros somente três decidiram. Não é uma decisão unânime e contraria o próprio pensamento do Tribunal”, enfatizou Guimarães.
Ele cita o artigo 129 da Constituição Federal, que diz respeito as atribuições do Ministério Público: entre elas a de promover, privativamente, a ação penal pública e a de promover ação de inconstitucionalidade para fins de intervenção da União e dos Estados. “Se posso oferecer denúncia preciso ter indício de autoridade e materialidade o crime. A polícia é quem faz este trabalho, mas quem decide é o Ministério Público. Para isto é preciso estar calcado em elementos de investigação. Porque o MP não pode investigar, se pode dar uma ordem à polícia?”, indaga Guimarães.
A delegada Valéria cita que o mesmo artigo não autoriza o Ministério Público a fazer investigação. “A nulidade destes procedimentos não se refere somente as investigações contra policiais, mas contra qualquer cidadão”.
Ministro defende a inconstitucionalidade
O relator do recurso do Supremo Tribunal Federal, ministro Nelson Jobim, ao defender a inconstitucionalidade das investigações do Ministério Público, fez uma regressão histórica e citou um caso de 1936, quando o então ministro da Justiça Vicente Rao, tentou implantar no sistema processual brasileiro o Juizado de Instrução. A tese não deu certo e ficou decidida a manutenção do inquérito policial. Jobim destacou na decisão de inconstitucionalidade que “a polícia judiciária deverá ser exercida pelas autoridades policiais com fim de apurar as infrações penais e sua autoria, e o inquérito policial é o instrumento de investigação penal da polícia. É um procedimento administrativo destinado a subsidiar o Ministério Público na instauração da ação penal”, frisou o ministro.
Interpretação
O promotor Chemim Guimarães destacou, ao analisar a situação, que a interpretação do Ministro é muito restrita quanto ao papel do Ministério Público. “Não serve para o momento constitucional. Esta é um tendência mundial e evita um sistema inquisitório, na imensa maioria dos países”, justifica o procurador. “A polícia é um órgão auxiliador do Ministério Público, que tem conhecimento técnico. E quem tem que sustentar a prova é o promotor. A visão do Ministro é equivocada”.
Já a delegada Valéria Padovanni de Souza,do sindicato dos delegados da Polícia Civil, discorda da opinião de Guimarães. “O delegado de polícia e o promotor de Justiça possuem a mesma formação, o mesmo curso de Direito. Também tem o mesmo conhecimento técnico”, lembra a policial.
“Investigações ineficientes”
O promotor Rodrigo Regnier Chemin Guimarães garante que os promotores não querem ocupar o lugar da Polícia Civil. Ele afirmou que os promotores só trabalham em alguns tipos de infrações penais, especialmente as que dizem respeito ao crime organizado, sonegação fiscal e cometidos por policiais. “O problema é que as vezes as investigações realizadas pela polícia são ineficientes. Quando o processo chega em juízo as testemunhas desmentem o que já falaram. Estamos cansados disso”, argumentou.
“A Polícia Civil está umbilicada ao Poder Executivo e uma boa parcela é corrupta. Em algumas situações não investiga porque é influenciada pelo poder político, em outras porque não tem interesse. Os policiais deixam de investigar casos em que são pagas propinas”, acusa o promotor Rodrigo Regnier Chemim Guimarães. (VB)
Adepol quer incentivo à polícia
O presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Paraná (Adepol), Fauze Salmen, defendeu sua instituiçaio dizendo que não se pode generalizar a corrupção na polícia. Ele admite que há problemas dentro da Polícia Civil que precisam ser resolvidos com urgência. “Se tivéssemos uma Corregedoria e um Conselho da Polícia Civil fortes, poderiam ser punidos aqueles policiais que têm desvio de conduta. Mas não podemos esquecer que há homens bons, competentes e honestos na polícia”, argumentou Fauze.
O delegado relata que hoje a criminalidade no Paraná tem índices alarmantes, mas que podem ser resolvidos em curto espaço de tempo.