Um dos policiais envolvidos na morte do estudante Anderson Froese de Oliveira, 18 anos, já responde inquérito por tortura e abuso de autoridade, no 2.º Distrito Policial (Rebouças). O cabo Afonso Odair Konkel, 26 anos, foi indiciado junto com os policiais militares Fábio Augusto Trevisan Barbosa e Carlos Roberto Gabosa Domingues Filho, todos lotados no 13.º Batalhão da PM. Na madrugada do dia 9 de maio, o mecânico Éder Ribeiro, 19 anos, foi entregue no distrito com várias lesões pelo corpo, provocadas segundo ele, por mais de 30 PMs, que o teriam agredido com socos, chutes, golpes de cassetete, choque elétrico e jato de mangueira de pressão no rosto. Éder denunciou na época que o motivo da agressão foi uma pedra arremessada contra o portão da casa de um policial militar, morador no Parolin, e o ato foi atribuído a ele. “Fiquei sabendo através da imprensa que um dos policiais envolvidos na morte do estudante é o mesmo que fez tudo aquilo contra mim. Talvez se tivesse sido punido, o garoto estaria vivo”, disse Éder ao ser procurado pela reportagem da Tribuna. Recuperado, ele mostrou as marcas de choque elétrico nos pulsos. “Eu tenho sorte porque estou vivo. Não quero mais saber de polícia na minha vida. Estou trabalhando, tenho minha família, não uso mais drogas. Nunca mais quero cair nas mãos da polícia”, argumentou.

Pedra

Ele garante que não atirou pedra na casa do policial. Éder lembrou que voltava da casa de sua namorada quando foi abordado na Rua Professor José Farani Mansur Guérios, na favela do Parolin, pelo dono do portão danificado, Fábio e outras duas pessoas, que seriam Carlos e Konkel, chamaram reforço e vieram outras duas viaturas. Éder relatou que foi levado a um matagal no bairro da Fazendinha, onde havia mais policiais, que o espancaram. “Foi uma experiência horrível. Jamais vou esquecer. Acredito que eles deveriam ter sido punidos, para evitar que acontecesse com outras pessoas, mas pelo jeito não foram e continuam trabalhando. O jeito é levar a minha vida. Não quero encrenca com este pessoal”, afirmou o rapaz, que respondia inquérito por furto.

PM

O coronel José Paulo Betes, comandante do 13.º Batalhão, informou que na época foi instaurado inquérito policial militar e a conclusão é que havia indícios de tortura e abuso de autoridade. Ele disse que o inquérito foi concluído no prazo, 40 dias, e enviado à Auditoria Militar. Explicou que o cabo Konkel, assim como os outros dois acusados, continuam trabalhando porque ainda não foram julgados. “No caso do Anderson, que é mais grave, o cabo Konkel e o soldado Nilton Hasse estão prestando serviços administrativos até que o inquérito seja concluído”, afirmou o coronel.

Pais falam de sua tristeza

O lenço na mão não deixa dúvida quanto ao tamanho do sofrimento da dona de casa Agnes Froese de Oliveira, 56 anos. Vez por outra ela enxuga teimosas lágrimas que rolam pelo rosto desde a madrugada de 2 de novembro, quando soube que seu filho havia sido morto com um tiro na nuca, por policiais militares. Mãe do estudante Anderson Froese de Oliveira, 18 anos, Agnes revela, com um português carregado por sotaque alemão herdado dos pais e dos avós, que já não consegue mais dormir e está vivendo sob efeito de calmantes.

A fala compassada e as mãos trêmulas indicam que o motorista de caminhão Raymundo Barreto de Oliveira, 60 anos, pensa muito antes de expressar o que está sentindo. Ele procura manter o controle emocional, porém o tom da voz denuncia sua angústia, seu inconformismo com a morte prematura do único filho homem. Com o olhar distante, Raymundo assegura que sua vida mudou completamente e que sua dor tem proporções antes inimagináveis.

Coletiva

Os pais do jovem Anderson conversaram com a imprensa ontem à tarde, no escritório do advogado Osmann de Oliveira, contratado para acompanhar o caso tanto no âmbito da Polícia Civil quanto no da Polícia Militar. Eles repetiram o que já haviam dito em outras ocasiões: “Nós queremos justiça. Queremos que os policiais que mataram nosso filho sejam punidos severamente”, diz o casal.

Além da dor de ter tido o filho morto durante uma desastrada ação de dois PMs que estavam à paisana e com um carro descaracterizado, os pais ainda sofrem com o que chamam de “armação” feita pelos milicianos para incriminar a própria vítima. Os PMs alegam que estavam procurando assaltantes, no bairro do Parolin, quando avistaram o estudante e seus amigos. Ao se aproximar disseram que foram recebidos a bala e revidaram, matando o rapaz com um tiro na nuca.

Exames

Os exames feitos no Instituto Médico Legal desmentem a versão da polícia, para alívio dos pais, que garantem que Anderson nunca usou uma arma. Um exame de parafina feito nas mãos da vítima demonstrou que ela não usou uma arma de fogo pois não existiam pontos de nitrato em suas mãos. E o exame no cadáver mostrou que o disparo foi feito a curta distância, quase colado no pescoço do estudante, deixando marcas visíveis de pólvora na pele.

“Meu filho estava pichando muro. Era a única coisa errada que ele fazia e nós o repreendíamos por isso. Mas não poderia pagar por este erro com a própria vida. Se tivesse sido preso pelos policiais e obrigado a repintar o muro que pichou ou até pagar pelo prejuízo, nós como pais seríamos os primeiros a apoiar a atitude”, salienta Raymundo.

Apesar de participar de uma “turma de picho” (como são chamados os grupos de pichadores), Anderson era um adolescente normal, benquisto e cheio de amigos. “Vocês precisavam ver na missa de sétimo dia. Tinha muita gente e todos falavam bem dele”, recorda a mãe. O rapaz, apesar de viver em uma família humilde afirmava sempre que gostaria de ajudar crianças mais pobres do que ele e que algum dia iria conseguir um lugar para ensinar “hip-hop” (dança de rua) aos garotos menos afortunados.

Providências

O quarto de Anderson continua do mesmo jeito que ele deixou na sexta-feira, dia 1.º de novembro, antes de sair para o colégio. A mãe não tem coragem de mexer em nada, pelo menos por enquanto. Naquela noite os amigos do jovem haviam combinado um futebol, que acabou não acontecendo. Sem o jogo de bola, eles se reuniram próximo do colégio onde estudavam. Dalí saíram para umas pichações e no meio do caminho a morte o encontrou.

Mesmo em meio à tristeza a família do estudante está tomando providências para que tudo fique devidamente esclarecido. O advogado Osmann de Oliveira acompanhará os inquéritos referentes à morte (o da Delegacia de Homicídios e o inquérito policial militar), e ainda um terceiro procedimento instaurado pela Homicídios, que apura torturas contra um menor, amigo de Anderson, que testemunhou o crime. O garoto, de 16 anos, foi preso, ameaçado e obrigado num primeiro momento a confirmar a versão montada pelos PMs, chegando até a admitir que estavam armados. Posteriormente, quando ouvido na Polícia Civil, contou que o crime que haviam cometido era sujar um muro com tinta spray e que nunca, nenhum deles, havia tido contato com arma de fogo.

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