Paz, na Terra Santa, só no nome da rua

Eliseo, Michele e Marco Antônio. Três pessoas que não se conheciam, mas que tiveram em comum o mesmo destino. Foram assassinadas sobre o caminho de terra, que ironicamente é chamado de Rua da Paz, localizada numa invasão conhecida por Terra Santa, Tatuquara. Os crimes aconteceram em situações distintas, em menos de 15 dias, em uma região onde os nomes de ?batismo? em nada se assemelham à realidade.

No dia 29 de março, Eliseo Lemes de Moraes Neto, 32 anos, foi morto com um tiro na nuca. Seis dias depois, Michele Elias, 30, foi assassinada com pelo menos cinco tiros – nas costas, no peito e na mão. Por fim, em 11 de abril, Marco Antônio Motta dos Santos, 23, caiu morto com também cinco tiros – na cabeça, no braço e nas costas. Todos estariam envolvidos com o tráfico de drogas, porém a Delegacia de Homicídios ainda não elucidou nenhum dos casos. Os episódios de violência também se tornaram comuns nas ruas vizinhas à da Paz. Desde o começo do ano, pelo menos outras sete pessoas foram assassinadas na invasão em que bem caberia o nome de ?terra sem lei? ao invés de Terra Santa.

O cenário destes crimes não passa de uma região miserável, onde 1.100 famílias sobrevivem basicamente da coleta de material reciclável, ou do trabalho na Ceasa (Central de Abastecimento). As casas de madeira, construídas sobre morros e fundos de vale; as ruas sem asfalto; o emaranhado de fios elétricos (?gatos?) – que levam energia clandestina aos casebres – evidenciam a pobreza no local. Além disso, a miséria se propaga a cada dia. Ao lado da Terra Santa, uma nova invasão começa a surgir. Há oito meses, a Vila Bela Vista começou a abrigar famílias carentes, e hoje já conta com cerca de 300 barracos irregulares.

Medo

A Rua da Paz é um corredor imenso, que segue paralelo à linha do trem e que se estende por mais de um quilômetro e meio. Às suas margens vivem famílias amedrontadas, que preferem se calar, temendo a violência. À luz do dia tudo parece calmo. Os moradores passeiam pelas ruas com carrinhos de coleta, as crianças brincam descalças no chão de terra, as casas estão com as portas abertas. Mas à noite, quando a escuridão cai e a iluminação pública é falha, as ruas se esvaziam e o silêncio paira, quebrado apenas pelo latido de cães e o estampido de tiros.

Clarisse Francisco de Campos, 54 anos, é presidente da Associação de Moradores da Terra Santa, e garante que a região está abandonada pela polícia. Segundo ela, à noite, quando os tiros são ouvidos, a única segurança de ajuda que se tem, vem da amizade entre os moradores. As inúmeras tentativas em vão de acionar a Polícia Militar fez com que se construísse uma rede de solidariedade. ?Quando percebemos que está acontecendo um tiroteio perto da casa de alguém, a gente se fala por telefone para ver se está tudo bem. Já desistimos de ligar para o 190 da PM, pois sempre ficamos na espera, ouvindo uma musiquinha. Aqui mora muita gente de bem que não pode fazer nada contra os marginais. O que fazer? Fé em Deus e vamos embora?, finaliza Clarisse, que luta para levar energia elétrica regular para a invasão, com o intuito de resgatar o mínimo de cidadania à essa população tão excluída socialmente.

Luz no fim do túnel

Os registros feitos pela Companhia de Habitação Popular de Curitiba (Cohab), indicam que as primeiras ocupações na invasão Terra Santa, Tatuquara, surgiram em 1999. Desde então, o crescimento desenfreado da região originou o caos em que vivem 1.100 famílias. Os carreiros de terra viraram um labirinto de ruelas. Muitas casas estão construídas em locais de risco, podendo desabar a qualquer instante. A iluminação e o abastecimento de água é parcial. Na tentativa de solucionar o problema, a Prefeitura de Curitiba firmou um convênio com a Caixa Econômica Federal, em um programa chamado Habitar Brasil.

Segundo a Cohab, o projeto consiste em retirar 500 famílias que residem na invasão e fixá-las em um loteamento no mesmo bairro, chamado Moradias Laguna. As casas serão de alvenaria e os moradores terão infra-estrutura básica necessária. As outras 600 famílias irão continuar na invasão, que passará por um processo de urbanização e regulamentação. A Cohab acredita que as obras deverão iniciar a partir do próximo semestre.

Trens são protegidos

A violência na região da invasão Terra Santa não se restringe aos assassinatos freqüentes. Estende-se aos roubos e aos atos de vandalismo. Durante o dia, o patrulhamento de viaturas da Polícia Militar é inexistente. Paradoxalmente, o que se vê são agentes de uma empresa de segurança privada, que passam 24 horas na região.

Os homens uniformizados, vistos próximos à linha do trem, que segue paralela à Rua da Paz, pertencem a um empresa de segurança contratada pela América Latina Logística (ALL). Eles são responsáveis pelo monitoramento nos trilhos, para evitar que sejam sabotados e que as mercadorias das locomotivas sejam saqueadas. De acordo com os seguranças da empresa, há dois anos os roubos eram bastante freqüentes, quando os bandidos invadiam os vagões, ainda em movimento, e passavam a arremessar para a rua os sacos de grãos que vinham de Paranaguá. ?Eles revendiam na invasão por um preço muito abaixo ao de mercado?, contou um dos funcionários. Outro problema enfrentado pela ALL foram os danos nos trilhos. ?Muitos arrancavam as fibras óticas, responsáveis pela comunicação entre o maquinista e a central, acreditando que eram feitas de cobre para revendê-las?, contou.

Segundo os seguranças, em 2003 cerca de 200 mil quilos de grão foram saqueados, uma vez que em época de safra chegam a passar até sete trens no local. Atualmente, a presença dos seguranças parece ter intimidado a ação dos marginais.

A Polícia Militar diz que a segurança na área é feita por policiais que não usam farda, integrantes do Serviço de Inteligência da PM.

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