Conforme tinham prometido, integrantes do movimento Piedade Campo Largo promoveram um manifesto no sábado pela manhã, no centro da cidade, para pedir justiça no caso das festas envolvendo exploração sexual de menores, e também entregaram à imprensa cópias de documentos contendo graves acusações contra autoridades de Campo Largo envolvendo outros crimes.

Os integrantes do movimento dizem temer que as apurações do Tribunal de Justiça e do Ministério Público sejam abafadas, pois as denúncias envolvem pessoas do Judiciário, do poder Executivo, da Polícia Civil e empresários da cidade.

“O corporativismo não pode impedir que a verdade venha à tona. Por mais que confiemos no Ministério Público e na Justiça, temos medo que isto possa vir a acontecer”, disse o chefe da Ciretran de Campo Largo, Jaires Caldarte, um dos líderes do manifesto.

Carta denuncia autoridades

Um dos documentos divulgados pelo movimento Piedade Campo Largo é uma carta, supostamente escrita por um preso que estava na cadeia da cidade. A carta manuscrita e assinada por Lidiomar Inácio da Silva foi encaminhada, inicialmente, ao jornalista Aldo Tschoke, repórter de uma rádio de Campo Largo, em setembro deste ano. Tschoke confirmou à reportagem da Tribuna que recebeu essa carta. Dada a gravidade das denúncias – envolvendo o juiz André Taques de Macedo, policiais, uma promotora e um advogado – o jornalista decidiu encaminhar a carta para a Corregedoria do Tribunal de Justiça.

Efetivamente, na cópia entregue para a imprensa, aparece o carimbo do corregedor Antônio Domingos Ramina Junior, dando o documento como recebido em 4 de setembro passado. Ramina, porém, não confirmou o recebimento dessa carta. De acordo com ele, os procedimentos da Corregedoria do TJ correm todos em sigilo e não se pode revelar detalhes das investigações. “A Corregedoria trabalha em procedimentos de nível administrativo e apura possíveis irregularidades de servidores do poder judiciário. Todo o trabalho é sigiloso”, explicou Ramina.

O corregedor apenas confirmou que foi “instaurado expediente” para apurar possíveis irregularidades do juiz André Taques de Macedo. A reportagem da Tribuna apurou que, na mesma semana em que o desembargador Leonardo Lustosa esteve no Fórum de Campo Largo ouvindo depoimentos de pessoas ligadas ao caso das orgias, uma equipe da Corregedoria do TJ fez também uma visita ao Fórum.

Beneficiados

Na carta, Lidiomar lista 35 pessoas que, segundo ele, teriam sido beneficiadas pelo juiz Taques de Macedo. Dos citados na carta, quinze (entre eles algumas mulheres) haviam sido, de acordo com Lidiomar, presos em flagrante por tráfico de drogas pela polícia. Depois de algum tempo na cadeia, todos teriam recebido do juiz da comarca a liberdade provisória para responder aos crimes em liberdade. Os demais criminosos listados na carta – aos quais também teria sido concedida liberdade – foram presos por assalto (seis homens), seqüestro (quatro), homicídio (seis) e estupro (quatro homens). Lidiomar escreve que o advogado Bortolo Escorsim seria ligado ao juiz Taques de Macedo e é defensor de “70% das pessoas beneficiadas pelo juiz”.

A reportagem da Tribuna levou a cópia da carta ao delegado Osmar Dechiche, que respondia pela delegacia de Campo Largo até o mês passado. O delegado afirmou lembrar-se da maioria dos casos citados – entre eles, alguns criminosos que, segundo ele, “foram difíceis de prender” e exigiram muito empenho por parte da polícia. Dechiche afirmou, também, que é pessoalmente empenhado no combate ao tráfico de drogas – crime que ele considera dos mais nocivos à sociedade. “Fui o delegado que mais prendeu traficantes em Campo Largo na história da cidade”, reiterou.

“Disparate”

No entanto, Dechiche estranhou que ao final da carta Lidiomar acuse-o, e também ao superintendente Nelson Bastos, de pertencer à “máfia” do juiz André Taques de Macedo. “É um disparate pois nessa mesma carta em que me acusa, o preso lista quinze traficantes e outros vinte bandidos que prendi”, comentou. Quanto à acusação de que o juiz André Taques de Macedo mantém “esquema” com o advogado Escorsim para beneficiar criminosos, Dechiche foi lacônico. “Minha tarefa é prender bandido. Não cabe a mim comentar decisões do Judiciário”, finalizou.

O processo polêmico

O “caso do Micheletti” é como muitos moradores de Campo Largo se referem à prisão de um policial militar, pego em flagrante pela Polícia Federal, com 76 quilos de maconha, em setembro do ano passado. A história corre pela cidade como um dos casos polêmicos envolvendo o juiz André Taques de Macedo. A ocorrência é tão comentada que basta chegar ao cartório do Fórum e pedir simplesmente pelo “processo do Micheletti” – assim mesmo, sem precisar fornecer o número do processo 102/2002 nem do inquérito policial 536/2002. Após uma primeira consulta aos documentos no Fórum, a reportagem da Tribuna teve acesso a uma cópia de todo o processo, através de requerimento encaminhado ao Judiciário e devidamente autorizado.

De acordo com os autos do processo, a sentença do réu, assinada por Macedo, foi promulgada em junho deste ano. A sentença condena Claudemir Micheletti, de 30 anos, a pena alternativa, a ser cumprida em liberdade. O magistrado substituiu a pena privativa de liberdade pelo pagamento de doze prestações mensais, de R$ 200,00 cada uma – quantia destinada ao Conselho Comunitário de Segurança. E ainda – contrariando o flagrante de 76,823 quilos de maconha, devidamente documentado pela Polícia Federal, pelo inquérito policial e pela denúncia do Ministério Público – o juiz escreve que o réu foi preso com “130,9g” de entorpecente, que, de acordo com o texto, “nem pode ser considerada grande quantidade”.

Alvará de soltura

Na sentença, o magistrado ainda determina o cumprimento da pena do réu em regime aberto – e, “na falta de estabelecimento prisional adequado”, permite que Micheletti “cumpra em sua residência, devendo se recolher no período em que não estiver trabalhando e nos períodos de folga”. O alvará de soltura, encaminhado para a Cadeia Pública da comarca de Campo Largo e assinado pelo juiz André Taques de Macedo, é datado de 16 de junho de 2003.

A Tribuna procurou por Claudemir Micheletti em Campo Largo e não o encontrou. Fontes comentaram que, logo depois de receber a sentença e ganhar liberdade, o ex-PM – que foi expulso da corporação em Inquérito Policial Militar depois de ter sido preso pela Polícia Federal -” sumiu” da cidade. Ele estaria, atualmente, em Foz do Iguaçu.

Micheletti era lotado em Foz e, quando foi preso, havia sido transferido há poucos meses para Campo Largo. Ele foi flagrado pelos agentes federais quando chegava em casa, após uma viagem a Foz, onde teria ido buscar a maconha. A droga, acondicionada em 77 “tijolos” envoltos em plástico, estava no carro do policial militar.

Esclarecimento

Ontem, o advogado do juiz Macedo, Juarez Kuster, disse que todas as denúncias envolvendo o magistrado serão devidamente esclarecidas nos próximos dias. Kuster afirmou, ainda, que os documentos distribuídos pelo movimento Piedade Campo Largo não contêm provas contra o juiz.

Acompanhe na edição de amanhã a apuração de outro processo criminal polêmico, envolvendo a maior apreensão de cocaína já realizada na cidade.

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