Mulher comemora 80 anos na cadeia

Um lapso da Justiça, reparado com 12 anos de atraso, fez com que uma mulher de 80 anos comemorasse seu aniversário e as datas festivas de fim de ano atrás das grades. Isto aconteceu porque Geni Coelho foi julgada e condenada por homicídio em 1991, quando teve mandado de prisão decretado. O intrigante é que, durante todos estes anos a anciã, que nega ter cometido o crime, continuou morando no mesmo endereço e nunca foi procurada pela polícia. A Justiça só relembrou do caso em dezembro do ano passado, quando, no dia 12, Geni foi surpreendida na mesma casa, onde mora há 21 anos, por policiais que lhe deram voz de prisão. Sem forças para esboçar qualquer reação, ela apenas trocou de roupa – colocou a dentadura – e seguiu, dentro de uma viatura policial, para a cela que lhe aguardava há mais de uma década.

Detida há mais de um mês no 9.º Distrito Policial, Geni é obrigada a dividir a carceragem com outras 69 detentas, as quais lhe chamam carinhosamente de “vovozinha”. Apesar da situação que está vivendo, ela diz que o respeito e o carinho que recebe, tanto das companheiras de cela quanto dos policiais, ameniza, ao menos um pouco, a tristeza de estar dentro de um cadeia. “Todos aqui me tratam muito bem e torcem para que eu volte logo pra casa”, conta ela. O delegado Alcimar Garrett, afirma que Geni está lá apenas cumprindo o mandado de prisão, aguardando o alvará de soltura que o advogado dela solicitou à Justiça. “Ela nunca nos deu nenhum problema, tem uma conduta exemplar e até mesmo pela idade conquistou o respeito de todos”, disse o delegado.

Aniversário

No dia 26 de dezembro a “vovozinha” fez aniversário e teve que comemorar seu octagésimo ano de vida em meio às grades da prisão. Entretanto, a frieza do ambiente foi amenizada pela “festinha” preparada pelas três, das quatro filhas da senhora. “Elas trouxeram bolo, cantaram parabéns e ainda me deram presentes. Uma delas não veio porque diz que não se conforma com o que aconteceu e não quer me ver nesta situação”, contou. Neste dia, até os policiais participaram da humilde comemoração, e, quando questionada se ganhou algum presente deles, a resposta foi: “O melhor presente que tenho recebido desde quando cheguei aqui é o respeito e o bom tratamento de todos”, disse.

Já, na noite de Natal, a comemoração deu lugar às lágrimas. A vovó, que era acostumada todos os anos festejar junto com as filhas, genros e netos, teve que adaptar-se às novas companhias. “Não teve ceia nem nada de diferente. Foi muito triste para todas nós. A gente se abraçou e chorou muito”, contou. Na noite do dia 31, a tristeza se repetiu. Geni dormiu cedo e acordou apenas com o barulho dos fogos que anunciavam a chegada do próximo ano.

Crochê ajuda a passar o tempo

Para qualquer pessoa condenada a passar meses ou anos atrás das grades, é difícil enfrentar a perda da liberdade. Mas para uma mulher de 80 anos, que já desfrutou boa parte da vida, o que ela mais almeja é poder passar os anos que lhe restam no conforto de casa. “Eu não costumava sair muito, apenas para ir ao supermercado. O que eu sinto falta mesmo é das minhas coisas, da minha casa e da minha caminha”, desabafou.

Entretanto, o fato de estar presa lhe privou de viver um dos momentos de maior orgulho de sua vida. No próximo mês, a neta que Geni criou desde os dois anos de idade, irá se formar e receber o diploma de uma das mais conceituadas universidades do Paraná. “Eu acompanhei todo o crescimento dela, os anos de escola, e agora não vou poder estar lá para comemorar esta vitória tão importante”, lamentou. Quanto aos outros netos, a “vovó” diz que fez questão de que eles não fossem visitá-la. “Não quero que vejam a vovozinha deles dentro de uma cela”, disse.

Enquanto aguarda a decisão da Justiça, Geni contou que seu dia-a dia se resume em ocupar o tempo ocioso fazendo crochê e pensando no que a vida lhe reserva. “Faço joguinhos de toalha para enfeitar penteadeira, a cozinha, bicos de pano de prato e depois dou de presente a minhas filhas”, disse orgulhosa.

?A pena é de prisão perpétua?

De acordo com o advogado de Geni, Maurício Barbosa dos Santos, foi solicitado ao juiz do Tribunal do Juri a extinção da pena, devido a idade da ré, uma vez que, se ela tiver que cumprir os 12 anos que restam, a sanção pode ser considerada prisão perpetua. ?Ela já passou da idade média de vida dos brasileiros e, se a pena não for extinta, ela certamente morrerá na cadeia?, afirmou o advogado. Entretanto, como o pedido foi negado pelo juiz do Tribunal do Juri, no dia 2 de janeiro o processo foi encaminhado à Vara de Execuções Penais.

Condenada

Geni Coelho está condenada a 15 anos de reclusão pelo assassinato de Alcides Razera de Freitas, 17 anos, ocorrido no dia 13 de novembro de 1979. No dia 29 daquele mesmo mês foi presa e recolhida a Penitenciária Feminina, em Piraquara, onde ficou três anos. Em 1982 foi julgada, condenada a 1 ano e 10 meses de reclusão e liberada, já que tinha passado mais tempo do que devia na cadeia. O Ministério Público recorreu da sentença e, em 1985, Geni foi submetida a um novo julgamento, sendo condenada a 16 anos de reclusão. A defesa recorreu e só em 1991 saiu a sentença de 15 anos. O mandado de prisão foi decretado em 12 de setembro daquele ano, mas a mulher só foi procurada e encontrada pela polícia no dia 12 de dezembro de 2003.

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