Desta vez não foram os bruxos, nem os avestruzes, nem as pendências com o INSS, como há seis anos. Onaireves Nilo Rolim de Moura, presidente da Federação Paranaense de Futebol há 21 anos, foi preso ontem de manhã pela Polícia Federal e passou a noite na cadeia. De acordo com a denúncia do Ministério Público Federal (MPF), o controvertido cartola deixou de recolher mais de R$ 3 milhões em impostos enquanto comandava casas de bingo em Ponta Grossa, entre 1999 e 2004. Além de sonegação fiscal, Moura foi denunciado por falsidade ideológica e formação de quadrilha.
A ação proposta pelo MPF foi baseada em investigações da Delegacia da Receita Federal de Ponta Grossa, que duraram mais de um ano. A partir do cruzamento de dados fiscais, a Receita detectou várias pessoas com movimentação bancária incompatível com suas rendas. Na seqüência, descobriu-se que os donos das contas suspeitas eram ligados a Moura, sócio majoritário das empresas Sport House Franquias Ltda. e Bingo Campos Gerais Ltda. De acordo com a denúncia, as empresas exploravam bingos em Ponta Grossa e usavam nomes de pessoas simples – na maioria das vezes, funcionários das casas – como se fossem proprietários. Eram os chamados ?laranjas?.
Falsidade ideológica
A artimanha, detectada oito vezes e interpretada pelos procuradores como falsidade ideológica, seria também um meio de evitar problemas na obtenção da licença para exploração do jogo, já que Moura tem antecedentes criminais por sonegação fiscal. Na época, os bingos estavam liberados no Estado. A Receita levantou que durante os cinco anos de atividade das empresas houve quatro mudanças no cadastro de pessoas jurídicas (CNPJ). Uma terceira empresa, chamada Golden Bingo, também seria parte do mesmo esquema.
De acordo com o MPF, Moura e seis sócios – Marcos Antônio da Silva, Elilton Dias Coradassi, Airton José Dias Coradassi, Bento de Oliveira Bueno, Renato Assis Rolim de Moura e Jair Leite -beneficiaram-se diretamente dos lucros obtidos com a exploração das casas de bingo. O cálculo da Receita aponta a sonegação de R$ 3.289.800,70, em tributos como INSS, Cofins, ISS e Imposto de Renda, entre outros. Os demais sócios foram denunciados pelos mesmos crimes, mas responderão em liberdade.
?Transgressor?
A juíza federal Sílvia Regina Salau Brollo, titular da 1.ª Vara Federal e Juizado Especial Federal Criminal de Ponta Grossa, acatou o pedido do MPF e decretou a prisão preventiva no dia 6 de março – por causa de trâmites burocráticos, somente ontem a Polícia Federal cumpriu a ordem. Em seu despacho, a juíza relatou que o pedido foi fundamentado ?na garantia da ordem pública e da ordem econômica, ao argumento de que o acusado é contumaz transgressor de normas que protegem o patrimônio público e os interesses da coletividade?.
Para justificar a prisão, Sílvia Brollo também faz menção à ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, que proibiu as atividades da empresa Top Avestruz, da qual Onaireves seria sócio-administrador.
A juíza afirma ainda que a argumentação do MPF não deixa dúvidas de que Moura extinguia as empresas quando encontrava obstáculos no poder público e fundava outras para desenvolver as mesmas atividades – este seria o caso da Sport House, logo substituída pela Bingo Campos Gerais.
Trajetória do presidente da FPF é marcada por escândalos e casos mal contados
Uma personalidade polêmica, que está envolvida em várias histórias estranhas, mas com uma impressionante capacidade de recuperação. Pode-se resumir assim Onaireves Moura, preso ontem pela PF – é a sua segunda detenção. A primeira vez foi em 2000, quando ficou um mês na Colônia Penal Agrícola por não recolher tributos ao INSS (das rendas dos jogos) por um ano e meio.
Moura apareceu no futebol paranaense ao assumir a presidência do Atlético em 1982. Com uma administração agressiva, contando com elementos da então famosa Retaguarda Atleticana (como seu vice de futebol Valmor Zimmermann), ele montou o time bicampeão estadual, e que chegou às semifinais do Brasileiro de 1983. Na equipe, despontavam Washington e Assis e o ?Feiticeiro? Hélio Alves, que foi diretor, supervisor e até treinador.
Federação
Em 1985, Onaireves Moura candidatou-se à presidência da Federação Paranaense de Futebol. Concorreu com o então presidente Harold Alberge e com o diretor do Colorado e político Aziz Domingos. Venceu e retomou de imediato a construção do Pinheirão, que transformou-se no seu principal cavalo de batalha. Conseguiu trazer a seleção brasileira para jogar na inauguração do estádio – e, contra o Chile, Zico foi o primeiro a sofrer com os famosos buracos do Pinheirão, torcendo o joelho.
Às vésperas da Copa do Mundo de 1986, Moura foi nomeado diretor de relações públicas da CBF – um cargo que nunca existiu, segundo o relato do próprio Moura àquele período. Ele acabou envolvido no chamado ?escândalo do videoclip?, uma acusação de extorsão feita pelo publicitário Rogério Steinberg (falecido no mesmo ano), que atingia diretamente o então vice da entidade Nabi Abi Chedid. Afastado do poder nacional,
o presidente da FPF voltou-se para a política regional.
Cassação
A primeira parte da gestão de Onaireves Moura foi voltada para os clubes menores e entidades amadoras. Com a força destes no colégio eleitoral, o presidente conseguiu se reeleger, e em 1990 foi eleito deputado federal. Às vésperas do impeachment de Fernando Collor, em 92, promoveu um jantar em homenagem ao então presidente da República. Na votação, acabou optando pela saída de Collor. No ano seguinte foi cassado por quebra do decoro parlamentar – ele foi acusado de coordenar a compra de outros deputados para que ?engordassem? a sua legenda, o PSD.
Parecia que ele recebera um golpe definitivo, mas no futebol paranaense nada aconteceu. Moura seguiu presidindo a FPF, mantendo um bom relacionamento com o presidente da CBF Ricardo Teixeira – não sem alguns desentendimentos. Em 1998, entretanto, novo escândalo: ele foi destituído do cargo pela Justiça, por causa de uma dívida de R$ 1,2 milhão com a Prefeitura de Curitiba. Era falta de pagamento do IPTU.
Foram nomeados dois interventores para a Federação – um para a parte jurídica e outro para o futebol. Mas o período de afastamento durou pouco: outras irregularidades foram descobertas e os interventores também foram afastados. Onaireves Moura voltou à FPF acusando os que ocuparam seu lugar e demitindo alguns funcionários que permaneceram na entidade. Era a terceira ?ressurreição?.
?folha corrida? extensa
O nome de Onaireves Moura está ligado a várias pendengas jurídicas e problemas com o Poder Público. São diversos processos envolvendo o nome dele e também a Federação Paranaense de Futebol. Até mesmo o automóvel que está vinculado à FPF tem problemas – quase R$ 31 mil entre multas e impostos devidos, além de estar bloqueado por uma ordem judicial.
Em uma rápida pesquisa no sítio do Tribunal de Justiça do Paraná (www.tj.pr.gov.br), encontram-se, entre 1986 e 2006, 29 processos que contém o nome do presidente da Federação – não necessariamente com Moura como acusado. São ações como a de Hélio Cury, que pretendia destituir toda a diretoria da FPF, pedido indeferido pela 7.ª Câmara Cível em janeiro deste ano.
Há também ações trabalhistas de funcionários pedindo direitos, há pedidos de penhoras de rendas e verbas destinadas à FPF. Para alguns casos, foram feitas penhoras de cadeiras vitalícias do Pinheirão, o que alguns juízes não aceitam mais. Também há reclamações por conta da empresa Top Avestruz, que enfrenta processos por prejuízos causados a investidores.
Um caso peculiar é o do automóvel Mercedes-Benz que está em nome da Federação. Segundo o Denatran (Departamento Nacional de Trânsito), o veículo tem pendências na ordem de R$ 30.438,61. É quase o valor de mercado do carro. Só em multas são mais de R$ 21 mil de dívidas, todas elas vencidas – as duas mais recentes venceram ontem.
Advogado de cartola nega irregularidades
Onaireves Moura estava em sua confortável sala na sede da FPF quando agentes da PF lhe deram voz de prisão, às 11h de ontem. O presidente da Federação foi pego de surpresa, não reagiu e à tarde recebeu a visita do advogado, Vinícius Gasparin.
Moura foi levado à Superintendência da PF em Curitiba, onde ficou numa cela comum em companhia de outros presos, já que não tem direito a um cubículo individual por não ter curso superior. A PF aguarda manifestação da juíza federal Silvia Regina Salau Brollo, que tem prerrogativa de solicitar remoção do preso a Ponta Grossa para ouvi-lo. Mesmo antes do depoimento, Moura pode ser transferido a uma unidade do sistema penitenciário.
O advogado do cartola afirmou que estará hoje à tarde em Ponta Grossa, entrando com pedido de relaxamento de prisão junto à Justiça Federal. Mas a reportagem da Tribuna apurou que a situação de Moura é delicada. Além de ter antecedentes por sonegação de tributos federais, o dirigente da FPF responde a outras ações, como a ajuizada pelo Ministério Público de São Paulo pedindo o fechamento da empresa Top Avestruz. Moura só teria alguma chance de ver relaxada a prisão preventiva, que inicialmente vale por 30 dias, se parcelar o débito de quase R$ 3,3 milhões com a Receita Federal e oferecer algum bem como garantia.
Gasparin alega que seu cliente não participava das empresas que sonegavam impostos. ?Moura se desligou das empresas em 2001, e as irregularidades foram apontadas a partir de 2002?, disse. De acordo com o defensor, depois que a empresa Sport House, registrada em nome de dois filhos de Moura, transformou-se em Campos Gerais, todos os tributos foram recolhidos e o nome de Onaireves e de seus dependentes desapareceram do contrato social. ?O Ministério Público entende que Moura continuou à frente da empresa através de ?laranjas?, mas isso já foi provado que não aconteceu?, argumenta.
Em 2000, 60 dias na Colônia Penal
Após conseguir fazer de Foz do Iguaçu a concentração da seleção brasileira na Copa América de 1999, Onaireves Moura era de novo um dirigente forte em termos nacionais. No Paraná, ele não tinha adversários nas disputas pela presidência da Federação. Só que em 2000 mais um revés atingiu em cheio o dirigente. Ele foi preso pelo crime de sonegação fiscal.
A FPF deixou de recolher R$ 525 mil das taxas destinadas ao INSS nas rendas de partidas realizadas entre dezembro de 1995 e julho de 1997. Segundo a Justiça, o dinheiro teria sido usado para obras no Pinheirão. A Justiça Federal de Curitiba o condenou a quatro anos e dois meses de prisão, e Moura acabou sendo levado para a Colônia Penal Agrícola.
Ele foi libertado exatos 63 dias depois da prisão, após receber um habeas corpus por supostas falhas no andamento do processo. Em concorrida entrevista coletiva no dia de sua ?nova posse?, o presidente da FPF disse que iria emoldurar o dinheiro que conseguiu com o trabalho social na Colônia Penal.
De novo Onaireves Moura reaparecia com força. Tanta que tentou voltar à política em 2002, candidatando-se a deputado estadual. Obteve pouco mais de seis mil votos e não se elegeu. Desistiu da política e voltou-se à FPF, que preside há 21 anos – o presidente com mais tempo de mandato na Federação Paranaense, e um dos maiores ?reinados? da história do futebol brasileiro. Naquele período seu nome apareceu como um dos supostos compradores de passagens de avião roubadas da TAM.
Perguntado certa vez se sairia da entidade, Onaireves Moura falou que isto só aconteceria quando ele quisesse.