Um parecer, contendo 21 páginas, elaborado por uma junta médica – formada por especialistas em Pediatria e Medicina Legal – pretende mostrar à Justiça que um erro de necropsia colocou dois inocentes na cadeia. O documento feito a pedido dos advogados de defesa do casal Any Paula Fascolin, 29 anos, e Nilson Moacir Oliveira Cordeiro, 31, acusados de molestar sexualmente o filho de sete dias – que morreu -, aponta que a criança foi vítima de uma infecção generalizada causada por uma doença rara chamada Síndrome de Fournier. No parecer médico os especialistas excluem qualquer possibilidade de o bebê ter sofrido lesões anais, como foi afirmado no laudo expedido pelo Instituto Médico-Legal, assinado pelos médicos Marlos de Souza Coelho e Gerson Laux.
Depois de examinar o corpo da criança, os legistas do IML concluíram que ela foi vítima de uma septicemia (infecção generalizada) pós lesão anal, causada por instrumento contundente de ponta rombo-arredondada pontiaguda, de diâmetro não determinado, podendo ser um pênis humano, um ou mais dedos ou outro instrumento com as mesmas características. Este laudo resultou no indiciamento do casal por atentado violento ao pudor seguido de morte, e na prisão dele. Any está recolhida na Penitenciária Feminina, em Piraquara, e Nilson, no Complexo Médico Penal.
Porém, o esforço dos advogados Nilton Ribeiro de Souza e Luciano Nei Cesconetto, traz uma dúvida quanto à veracidade do laudo. A partir de cópias de documentos médicos extraídos do processo – como exames de ecografia e ficha hospitalar – e da análise de nove fotografias do corpo do bebê, tiradas horas antes de sua morte, a junta médica descarta qualquer possibilidade de que o casal tenha violentado o próprio filho. O parecer foi assinado por Maria Cristina Marcelo da Silveira, especialista em Pediatria; Sylvio Gilberto Avilla, em Cirurgia Pediátrica; e Silvio Machado, em Neurocirurgia Pediátrica, todos médicos do Hospital Pequeno Príncipe, que atendem crianças vítimas de abuso sexual. Também participou desta comissão um professor titular de Medicina Legal da Universidade Federal do Paraná, que preferiu não ter seu nome revelado.
Parecer
No documento, que foi entregue na terça-feira à Justiça, consta uma extensa pesquisa feita pelos médicos sobre a Gangrena Perineal Idiopática de Fournier, doença que, garantem, causou a morte do bebê. Segundo eles, a Síndrome de Fournier, como é conhecida, provoca lesões graves na genitália externa, de evolução rápida, fatal e de causa desconhecida. A partir das imagens analisadas, a conclusão é que: "A inspeção das fotos não permite afirmar que ocorreu penetração de qualquer objeto que antes tenha friccionado nas paredes laterais inter-glúteas, pois tal ato ou prática produziria escoriações na pele ou úlcera, fissura ou laceração no ânus, que nestas reproduções fotográficas estão com integridade anatômica preservada".
Para os advogados, a conclusão dos médicos não deixa dúvidas quanto à inocência do casal. Porém, para o Ministério Público, o mesmo documento não tem valor jurídico relevante, uma vez que o laudo oficial é o que foi confeccionado pelos médicos legistas do IML. Apesar das opiniões divergentes, cabe ao juiz responsável pela causa avaliar os dois documentos. De acordo com Elias Mattar Assad, presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abrac), o fato de a Medicina ser uma ciência diversa ao Direito, faz o juiz se valer da opinião de especialistas da área médica.
Para ele, a autoridade judicial não está restrita em acatar apenas o resultado do laudo oficial, uma vez que, com o avanço da Medicina e de suas especialidades, o horizonte se amplia. "Para solucionar o impasse, seria prudente que a autoridade judicial convocasse os médicos das duas partes para um esclarecimento de peritos e com isso confrontasse as opiniões. Outra hipótese seria solicitar um novo laudo a outros médicos legistas para projetar luzes nessa dúvida técnica que põe em jogo o futuro de duas pessoas, sejam elas inocentes ou não", finalizou Assad.
Criança teria saído doente do hospital
O assessor parlamentar Nilson Moacir Oliveira Cordeiro, que completa hoje 32 anos, e a esposa dele, a secretária Any Paula Fascollin, 29, tiveram suas prisões temporárias decretadas pelo juiz da Central de Inquéritos. A decisão foi tomada depois que policiais do 1.º Distrito (centro) foram comunicados, no dia 4 de julho, que um bebê recém-nascido havia dado entrada no Hospital e Maternidade Mater Dei com hematomas na região anal e com infecção.
O filho do casal nasceu no dia 30 de junho e recebeu alta dois dias depois, junto com a mãe. No dia 4, os pais retornaram com o bebê ao hospital e, depois de examiná-lo, um dos médicos que trabalha no Instituto Médico-Legal, constatou que houve introdução de um objeto no ânus do recém-nascido. A criança não resistiu aos ferimentos e morreu no dia 7 de julho. Com mandado de prisão expedido, o casal se apresentou no Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente, onde foi interrogado pela delegada Paula Brizolla. Mesmo negando as acusações, horas depois do interrogatório Nilson e Any foram levados ao Centro de Operações Policiais Especiais (Cope). Com o resultado do laudo do IML, afirmando que a criança foi vítima de atos libidinosos seguidos de morte, o inquérito policial foi concluído e o Ministério Público ofereceu denúncia. O casal, então, foi encaminhado ao sistema penitenciário.
De acordo com o parecer elaborado pela junta médica procurada pela defesa do casal, a criança já teria apresentado os primeiros sintomas da Síndrome de Fournier quando deixou o hospital. De acordo com a defesa, a mãe do bebê notou que o filho estava com as nádegas, bolsa escrotal e coxas, endurecidas, de forma anormal, assim que ambos receberam alta. Quanto retornou ao hospital, Any observou que surgiram pontos escuros próximo ao períneo do bebê, que segundo os médicos caracteriza o processo gangrenoso de rápida evolução, exatamente como descreve os sintomas da Síndrome de Fournier.