Peter Bicalho, apesar de preso quando dirigia o carro da vítima, jura inocência. Ficou um ano na cadeia e agora está no interior do Estado. |
Se, em vez de "ter ouvidos", as paredes falassem, provavelmente o mistério do quarto 302 já estaria resolvido e o culpado pelo assassinato de uma jovem estudante, de 23 anos, mãe de dois garotos, estaria atrás das grades. No entanto, o intrincado caso da morte de Carina Munhak Pelligrinello, ocorrido em 1.º de junho de 2004, num hotel de alta rotatividade – no centro de Curitiba – ainda se resume a um processo de dois volumes e dois apensos, que está transitando pelas prateleiras da 1.ª Vara do Tribunal do Júri, aguardando a vez de entrar na pauta de julgamentos.
O acusado da morte é o segurança Peter dos Santos Bicalho, que em 8 de fevereiro último completou 25 anos.
Carina, a bela e sedutora loira, teve triste fim num quarto barato de hotel. |
Ele está solto desde setembro de 2005 e nega a autoria do crime. Mas as evidências contra ele são tantas, que todos os recursos encaminhados à Justiça por seus defensores foram negados e Bicalho será levado a júri popular. "Em dubio pró societate" foi o princípio adotado pelo juiz convocado Luiz Osório Moraes Panza, relator do último recurso em sentido estrito impetrado pela defesa do suspeito.
Sendo assim, caberá à sociedade julgar Bicalho que, para tentar provar sua inocência, conta uma versão quase que inacreditável, digna de fazer parte de um romance policial. Como se não bastasse, a vida da vítima também era coroada por desencontros amorosos, traições, tentativas de suicídio e internamentos para tratamentos psiquiátricos.
Sem que seja necessário acrescentar nenhum outro ingrediente na apimentada história, o mistério do 302, como ficou conhecido o caso, estará, em breve, nas mãos de sete jurados para ser esclarecido.
O crime no hotel de ?viração?
Era fim de tarde de 1.º de junho de 2004. Carina Pelligrinello, 23, estudante de cursinho, uma bela mulher loira, de estatura pequena, seios siliconados e muito bem vestida com macacão cinza e sapatos de salto alto, entra no Hotel Rheno, na Rua Pedro Ivo, 538, centro de Curitiba. O lugar é feio, destoando não só com a beleza da mulher mas também com o belo visual do rapaz que acompanhava. Alto, forte, musculoso, usando cavanhaque e vestindo blusa azul e calça preta. Eles pedem um quarto à camareira que está substituindo o porteiro por alguns minutos. Recebem a chave do 302, no terceiro andar, de fundos. Ele paga os R$ 17,00 por duas horas de uso. Sobem imediatamente. Ela estava tranqüila. Ele parecia nervoso, segundo a camareira.
Por volta das 20h30, a camareira sobe para avisar que o horário tinha se esgotado. Bate na porta. O som está alto e ninguém responde. O porteiro tenta interfonar. Ninguém atende. A camareira abre a porta e encontra Carina morta no banheiro. Com os seios à mostra, ela está sentada no vaso sanitário. Um lençol pendurado no registro da privada e enrolado em seu pescoço faz supor que ela se enforcou. Mas bastam alguns minutos para que os peritos da Criminalística constatem que ela foi agredida e esganada e que o corpo foi colocado naquela posição para simular suicídio.
A polícia entra em cena. Não encontra documentos da mulher e nenhuma pista que leve ao homem que chegou ali com ela. Ele desapareceu sem que ninguém o visse sair. Não havia registro de entrada dos hóspedes e o cadáver foi levado ao Instituto Médico-Legal (IML).
Pista
No bolso do macacão dela a polícia encontrou uma multa do Estacionamento Regulamentado (Estar) para o Celta AKU-8812. Através do carro, os policiais chegaram até o marido de Carina, o administrador de empresas Adriano Pelligrinello, que no dia 1.º de maio passado completou 33 anos. Ele já estava procurando pela mulher, que não havia dormido em casa. Foi levado ao IML e identificou o cadáver. Chegou a figurar, a princípio, como suspeito do crime. Porém, com a ajuda dele – que relatou detalhes da vida desregrada de Carina – foi possível se chegar ao acusado, Peter dos Santos Bicalho, ou ?Peterson?, como ele costuma se apresentar.
Na casa de Bicalho, uma modesta residência de madeira no início da Estrada Bruno de Almeida, número 96, numa invasão do Tatuquara, os policiais o surpreenderam saindo com o carro de Carina. Ele recebeu voz de prisão, dois dias depois do crime, e foi autuado. Permaneceu mais de um ano preso, sempre negando a autoria, embora tenha admitido que esteve com Carina no hotel, naquela noite.
Libertado por decurso de prazo, em setembro do ano passado, Bicalho tratou de mudar de endereço. Ele e a mãe, segundo antigos vizinhos, foram morar em outra invasão, a Santa Rita. No lugar onde morou, nunca comentou a respeito do crime. ?Ele parecia um sujeito legal. A gente nunca iria imaginar que fosse capaz de matar alguém?, comentou uma ex-vizinha.
*Na edição de amanhã, o leitor vai conhecer a versão do acusado.