Matar no trânsito não leva para a cadeia

Quando o Boeing da Gol caiu, em setembro de 2006, matando 154 pessoas de uma só vez, o País todo ficou estarrecido. No entanto, este é o número de pessoas que perdem a vida todos os dias no trânsito brasileiro, atingindo a marca de 50 mil por ano. Apesar da trágica estatística, a sociedade tem a sensação de que pouca coisa tem sido feita para reverter esta situação. Dificilmente vai para a cadeia alguém que tenha sido culpado por alguma dessas tragédias. 

Segundo o titular da Delegacia de Delitos de Trânsito (Dedetran), delegado Armando Braga Neto, os dados na região de Curitiba também são alarmantes. Segundo ele, aconteceram no ano passado cerca de 550 homicídios no trânsito, número superior ao registrado por armas. Só no mês de julho deste ano, 52 pessoas perderam a vida no local do acidente e esta tem sido a média dos demais meses. Ele diz ainda que não entraram nesta estatística o número de pessoas que ficaram inválidas, numa cadeira de rodas ou mutiladas, por exemplo.

Ele explica que as causas mais comuns dos acidentes são a junção do excesso de velocidade, a imprudência e o álcool. Apesar de a legislação prever penas para todos os tipos e infração, na prática, não é bem isto que acontece. São poucos os casos que vão a julgamento por homicídio doloso, pelo chamado dolo eventual – quando se assume o risco de matar, fazendo ?racha? ou dirigindo embriagado, por exemplo.

Isto pode ser percebido pela experiência da promotora da 2.ª Vara do Tribunal do Júri, Lúcia Inês Giacometi Andrich, que desde 2002 chegou a participar de apenas 11 casos. Além disto, houve a condenação em apenas quatro processos e apenas uma pessoa está presa. É o mecânico Marco Antônio Pionkevicz, 33 anos, que foi condenado no mês passado a 18 anos e oito meses de prisão por homicídio doloso. Ele matou Olinda Drabenski, 82 anos, e Stephany Drabeski Cordeiro, 7 anos, no dia 21 de dezembro do ano passado, quando dirigia em alta velocidade na Rua Eduardo Carlos Pereira (via rápida bairro-centro), no Novo Mundo, em Curitiba.

Mas isto só aconteceu com Marco porque ele responde por outros crimes também. Caso contrário, estaria em liberdade como os demais. A legislação dá direito de recorrer da sentença e a última instância é o Supremo Tribunal Federal (STF). Pode demorar anos até que o processo chegue lá e alguns crimes chegam até a prescrever.

Dos outros setes casos, um foi absolvido e o outros seis considerados homicídio culposo, sem a intenção de matar. No entanto, num deles a promotora discordou da sentença e resolveu recorrer. Ela considerou que o motorista assumiu o risco de matar. Ele estava perseguindo uma moto, ?fazendo totó?, e o motociclista perdeu a direção, bateu num poste e morreu, junto com o carona. Mesmo tendo testemunhas, o motorista e um cobrador de ônibus, o júri não quis a condenação por homicídio doloso. Segundo Lúcia, às vezes isto acontece porque os jurados pensam que um dia também podem estar nesta situação. Na maioria das vezes, só quem sofreu a perda de uma pessoa querida é que pede a condenação mais severa.

Segundo Lúcia, a legislação tem muitas brechas e só fica preso quem não tem dinheiro para continuar recorrendo. No máximo, o processo chega ao Tribunal de Justiça do Estado. Na maioria das vezes, as pessoas conseguem se manter fora da cadeia, cumprindo penas alternativas.

Advogado sugere perda da CNH

A mesma opinião tem o especialista em trânsito Celso Alves Mariano. Ele diz que, apesar da legislação prever penas para quem comete qualquer tipo de infração, na prática, as pessoas que matam no trânsito dificilmente são presas. Por outro lado, também acha que só a prisão não resolveria o problema. ?A reclusão no nosso sistema penitenciário não regenera ninguém?, avalia.

Uma das suas sugestões é a perda do direito da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) para sempre. ?A lei é muito flexível?, comenta. Ele diz que no Japão funciona desta forma e o grau de segurança lá é dez vezes maior do que no Brasil. Além disto, se as pessoas servem bebida alcóolica num jantar e no caminho de volta para casa um convidado bate o carro, ele é considerado co-autor.

Mas essa discussão vai muito além da legislação. Mariano diz que um dos primeiros passos para resolver este problema é as pessoas se darem conta da gravidade da situação. É preciso uma mudança cultural e a educação é o caminho. (EW)

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