Uma história sórdida, envolvendo pedofilia, conivência e desinformação, veio à tona através de uma denúncia recebida pela Delegacia de Bocaiúva do Sul. Um lavrador, de 56 anos – cujo nome será mantido em sigilo para preservar a identidade das vítimas -, preso na quinta-feira, está sendo acusado de ter mantido relações sexuais durante anos com pelo menos quatro filhas, antes de elas entrarem na adolescência. Tudo sob as “vistas grossas” da mãe das meninas, suspeita de facilitar as práticas do marido – que, acredita a polícia, seria o pai de uma das netas.
A delegacia local descobriu o caso através da denúncia da filha mais nova de J.R., morador da localidade de Estiva, a cinco quilômetros do centro de Bocaiúva do Sul. Em 17 de maio, a garota procurou a Polícia Civil da cidade e contou que o pai a estuprava sistematicamente, desde os 9 e até os 13 anos de idade. Ela revelou que gritava muito durante as relações, mas nunca era socorrida. Que, ao contar o fato à mãe, ouvia que estava louca. Que, entre os 9 e 10 anos, costumava ter sangramentos na vagina, que a impediam de sentar e provocavam ardência ao urinar. E que o pai tentou manter com ela relações anais, sem conseguir. “Ela demonstrou um ódio grande, que foi extravasando ao contar o caso”, disse a delegada Delair Ribeiro Manfron, titular da delegacia de Bocaiúva.
Outras denúncias
A coragem da adolescente influenciou as quatro irmãs mais velhas – de 19, 22, 30 e 34 anos. As duas primeiras revelaram à delegada que também foram estupradas pelo pai. As histórias eram semelhantes: as primeiras conjunções ocorreram entre os 7 e 8 anos, muitas vezes com a presença da mãe, que dormia ao lado, na mesma cama, e não acordava mesmo com o barulho. Assim que as meninas chegavam aos 13 anos, o lavrador as “esquecia” e atacava a menina mais nova.
A filha de 30 anos saiu de casa aos 9. “Falou que o pai praticava carícias com ela. A fuga ocorreu antes que o estupro pudesse ser consumado”, disse Delair. A vítima tinha sete anos quando viu a mais velha das irmãs ser violentada pelo pai.
A primogênita foi ouvida ontem a tarde pela delegada e também confirmou que, assim como as irmãs, foi molestada. Ela é mãe de uma garota deficiente mental, cujo pai, suspeita a delegada, é o próprio lavrador J.R. Um exame de DNA deve ser solicitado para pôr fim às suspeitas.
O pouco acesso à informação que tiveram as meninas – a vida escolar delas foi curtíssima – ajudou o caso a passar despercebido por tanto tempo. “A de 19 e a de 22 anos achavam que era normal que os pais fizessem isso com as filhas”, disse a delegada.
Negativa
A partir das denúncias, Delair pediu à Justiça um mandado de prisão preventiva contra J.R., cumprido-o na casa do acusado. “Ele foi violento e reagiu, tentando pegar uma foice”, relatou Delair.
Para a delegada e para a reportagem da Tribuna, o lavrador negou todas as acusações. “Elas estão armando contra mim. Acho que é coisa da minha nora”, justificou. Ele disse estar com a consciência tranqüila e que, se fosse culpado, já teria fugido. “Tenho 11 filhos legítimos e um adotivo, e sempre dei tudo a eles. Mas tenho filha que nunca quis ajudar a mãe nem saber de estudo, só de namorar”, continuou.
Em depoimento oficial, porém, J.R. aventou a possibilidade de ter cometido os estupros. “Ele negou, mas disse que, se fez algo, é porque estava possuído pelo demônio”, falou Delair.
A mulher de J.R. foi ouvida e disse desconhecer os supostos estupros. Mas a delegada suspeita que ela soubesse de tudo e acobertasse os atos do marido. “Nenhuma mãe ignora os gritos de um filho ou seqüelas apresentadas por ele. Ela consentia os atos por temê-lo, achar que o perderia, ou participava ativamente dos estupros”, disse Delair, que ainda estuda se a mãe das vítimas será indiciada.
A polícia investiga também se houve algum caso de violência sexual contra crianças que freqüentavam uma igreja evangélica construída na chácara em que J.R. mora.
O lavrador foi indiciado por estupro e atentado violento ao pudor. Mas ele só pode ser responsabilizado pelos crimes supostamente praticados contra a filha que hoje tem 16 anos. As demais só poderiam formalizar denúncia até seis meses após completarem a maioridade.