Se não for pego em flagrante, quem comete violência sexual contra crianças e adolescentes tem boas chances de se livrar de uma condenação judicial. Diagnóstico da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi) aponta lacunas no Código Penal Brasileiro que dificultam responsabilizar quem comete essa modalidade de crime. Os projetos de lei que poderiam corrigir essas falhas estão emperrados no Legislativo. A discussão promete ser reascendida no próximo domingo, dia 18, quando é lembrado o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes.

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A defasagem do Código Penal, criado na década de 1940, seria uma das principais brechas para que os criminosos saiam impunes, de acordo com a Andi. Um exemplo é a necessidade de que a própria vítima ou um familiar faça a queixa para que se instaure um processo. Numa das gavetas do Legislativo adormece o projeto de lei 4.850/2005 que institui ação penal pública para todos os crimes sexuais cometidos contra crianças e adolescentes. Dessa forma, o Ministério Público poderia impetrar a ação, independente da vontade da família.

Mesmo com a acusação feita, a produção de provas é dificultada quando a criança é a única fonte de informação. A repetição do relato causa um trauma ainda maior, depois de contar o que passou em Conselho Tutelar, delegacia, serviço médico e perante um juiz. A alternativa seria o Depoimento sem Dano, projeto de lei 4.126/2004, que está no Senado. Nesse caso, já aplicado em cidades gaúchas, o depoimento é tomado numa sala com temas infantis, com o auxílio de profissionais especializados.

O risco de impunidade aumenta ainda pela possibilidade do crime prescrever antes da sentença, o que acontece após 20 anos. Segundo a Andi, com a morosidade dos processos judiciais, as chances do criminoso escapar da condenação é grande.

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A presidente em exercício da Comissão da Criança e do Adolescente na Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná (OAB-PR), Marta Tonin, concorda que, legalmente, é difícil levantar provas. ?No mínimo, 90% dos crimes sexuais não tem testemunha. Na maioria das vezes, a criança é muito nova e não consegue decifrar quando o gesto do agressor não é apenas um carinho?, disse. Se o Código Penal está defasado, ele já estava assim quando foi criado. ?Os crimes sexuais já existiam em 1940. O que não existia era a doutrina da proteção integral, que surgiu há 20 anos e hoje embasa a Constituição Federal?, explicou.

Psicológico assusta

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Embora com evidências menos claras que a violência física ou a sexual, a violência psicológica pode aparecer em famílias com uma dinâmica muito conturbada, agressiva ou opressora. Criança mais chorosa ou retraída pode ser um indício de que esteja sofrendo algum tipo de violência psicológica.

Quando o filho testemunha hostilidade ou a maneira rude de tratamento na relação pai-mãe ou entre irmãos, ele pode absorver esses aspectos de forma muito negativa, segundo a psicóloga Michele Cury.

Mais comum e traumática no ambiente familiar, a violência psicológica também surge na escola, com piadas de mau gosto e apelidos, ou na convivência social. ?A violência psicológica pode ocorrer entre os colegas, quando a criança sai de um padrão, sendo muito magra ou baixa, se usar óculos grossos ou se tiver dificuldade para aprender. Isso pode ser agravado por professoras menos preparadas que enumeram na frente de todos as dificuldades de determinado aluno. Quando a criança não responde à demanda que o social exige, também sofre discriminação, sendo rejeitada em festas e esportes?, explica a psicóloga. Essa pressão psicológica compromete a personalidade do indivíduo, que desenvolve sentimento de incapacidade e insegurança. ?Quando a violência é de forma incisiva, gera comportamentos desviantes, propícios à marginalida de, à agressão, à incitação a roubos e à entrada no mundo das drogas?, complementa Michele. Comprometi dos emocional mente, muitas vezes os pais não percebem o que estão causando aos filhos e demoram a identificar o problema. (LC)

Mais tipos de violência

Junto com a violência sexual, crimes de violência física, psicológica, negligência e abandono de crianças formaram um total de 3.569 notificações em Curitiba no ano passado, registradas pela Rede de Proteção da Secretaria Municipal da Saúde. A violência praticada pela própria família correspondeu a 85,7% do total de notificações, que teve como principal natureza a negligência, com 55,5% (mais detalhes sobre os itens na tabela ao lado).

Mas as estatísticas não chegam nem perto da realidade. Para cada caso notificado, há 20 outros casos omitidos não notificados, segundo uma estatística mundial produzida nos Estados Unidos. Aqui no Brasil, esse número pode ser até maior, de acordo com a coordenadora da Rede de Proteção para Enfrentamento à Violência contra Crianças e Adolescentes da Secretaria, Hedi Muraro. ?A denúncia pode ser feita a partir de uma simples suspeita, com a identificação de sinais precoces. Criança que não ganha peso, magra ou que aparece com marcas pode estar sendo vítima de violência?, afirmou. Desde 2003, as notificações de casos contra crianças aumentaram 54%.

Hoje, há 385 inquéritos tramitando na Vara Especializada de Crimes Contra a Criança e o Adolescente, que funciona desde fevereiro de 2007 em Curitiba e já teve 93 sentenças. Neste ano, já foram julgados 45 casos. Só no mês passado foram 12 sentenças, sendo dez condenações que, juntas, somam 117 anos e dez meses de condenação.

Fundação Abrinq

Criado pela Fundação Abrinq, o Observatório da Criança e do Adolescente (www.fundabrinq.org.br/observatoriocrianca), no ar desde abril, reúne informações sobre o monitoramento das políticas públicas de atenção a crianças e adolescentes, por estado e por região do País. Segundo o site, o número de telefonemas feitos no Paraná ao Disque-Denúncia (Disque 100), no ano passado, foi de 1.184. (LC)