Justiça ouve vítimas de grampo ilegal

Seis testemunhas de acusação do caso Délcio Razera, que apura crime de escutas telefônicas ilegais supostamente praticadas pelo policial civil e ex-assessor da Casa Civil do Estado, foram ouvidas ontem, no Fórum de Campo Largo. Cinco eram vítimas dos grampos e, a última, um técnico em telefonia que mostrou ao juiz, promotores e advogados como seria executado o crime. Os depoimentos deram conta de uma devastação na vida pessoal e profissional de pessoas comuns, que se dizem desvinculadas do governo ou da política. O processo já se aproxima do fim, segundo o juiz Gaspar Luiz de Mattos Araújo Filho, que na próxima etapa ouvirá as testemunhas convocadas pela defesa.

Razera e outros cinco envolvidos presos chegaram ao fórum por volta das 8h e entraram pela porta dos fundos. Eles foram deslocados à sala de audiências, onde acompanharam os depoimentos de todas as testemunhas. Uma delas, um empresário que preferiu não se identificar, contou que o grampo do qual foi vítima provavelmente foi encomendado por ex-sócios interessados em investigar negociações referentes à venda de sua empresa. A discórdia gerada pelas grandes quantias envolvidas culminou num processo judicial. O empresário disse que chegou a desconfiar que seu telefone estaria sendo interceptado por causa de distorções percebidas no volume do aparelho. Após alguns meses, a confirmação veio por meio da Promotoria de Investigação Criminal (PIC), à frente do caso. E como resultado da privacidade invadida, recebeu ameaças e viu a esposa ser perseguida.

A audiência resultou em lágrimas para uma das testemunhas, uma senhora que também não se identificou. Familiares estavam indignados e relataram que, depois de descobertos os grampos, telefone, internet e outros equipamentos eletrônicos foram cortados. O motivo seria o namoro do filho dela com uma pessoa do círculo de amizades de Razera, responsável por encomendar a interceptação e invadir a privacidade de toda a família.

Outra vítima ouvida ontem, a promotora de Justiça Daniele Thomé, que trabalhava em Colombo, disse que não sabia, nem mesmo desconfiava, dos grampos em seu telefone. A promotora garante que nunca atuou em qualquer ação envolvendo o governo ou processos de natureza política e que não vê em sua atuação profissional motivos para ter sido interceptada. Os grampos em seu telefone foram instalados em agosto deste ano. ?Foi uma situação muito constrangedora. Lamentável que tenha acontecido?, desabafou. Há indícios já relatados pela PIC de que os grampos contra Danielle tenham sido encomendados por João Formighieri, diretor da Imprensa Oficial do Paraná. Ele foi uma das vinte pessoas denunciadas pela promotoria no processo e já prestou depoimento.

O criminalista René Dotti, que defende a promotora na ação, mostrou-se indignado com as acusações de envolvimento de um servidor público em tantas invasões de privacidade. ?O Estado, que tem o dever de defender o cidadão, comete um crime através de um funcionário?, criticou. Para o advogado, a audiência provou o sofrimento das vítimas e seus familiares. ?Uma testemunha disse que o filho perdeu 20 quilos em função disso e está com depressão. Ela chorou muito durante a audiência?, citou. ?Mas o delito, como uma afronta à ordem pública, atinge toda a sociedade?, acredita.

Dotti confirma que não há indicação de motivações políticas no processo, uma vez que as escutas relatadas procurariam levantar dados de comprometimento pessoal. ?Mas nada impede que a continuação das investigações chegue a outras pessoas e se revelem, então, outros interesses além da violação da intimidade familiar?, ressaltou. Para o criminalista, o processo não será frustrado. ?Os critérios que orientam a Justiça Criminal não são os de leniência que podem orientar setores políticos, sociais ou onde há corrupção e prevaricação. Em outras palavras, não se faz pizza com esses processos?.

O advogado de Razera, Luiz Fernando Comegno, pediu mais uma vez a revogação da prisão do cliente. A solicitação ainda será avaliada pelo juiz. Comegno também disse que solicitará ao Instituto de Criminalística do Estado a análise das provas apresentadas pela promotoria, as quais ele acusa terem sido forjadas pela própria PIC. Segundo a defesa, 24 testemunhas devem depor a favor de Razera.

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