Nos 16 anos em que trabalhou como cobrador de ônibus, um homem, de 51 anos, foi assaltado oito vezes e levou dois tiros. Em um dos roubos, a empresa descontou em folha o valor roubado e ele teve de arcar com o prejuízo, mesmo hospitalizado. O trabalhador, por intermédio do sindicato da categoria, entrou com ação contra a empresa e, no mês passado, o Tribunal Regional do Trabalho do Paraná (TRT) determinou a ele indenização de R$ 5 mil por danos morais.
O desembargador relator do caso concluiu que a empresa foi negligente diante da notória quantidade de assaltos sofridos por ele e acrescentou que compete às empresas adotar medidas que garantam à segurança desses profissionais, como instalação de câmeras ou contratação de segurança privada nos trechos e horários de maior risco.
Porém, nenhum valor ou medida é capaz de apagar o trauma. O salário de cobrador, que hoje é R$ 941 mais R$ 300 de vale-alimentação, não compensava o medo de sofrer novos assaltos. Após se recuperar fisicamente, o cobrador largou o emprego e hoje trabalha como vigilante. Assim como ele, cobradores se veem reféns de assaltantes todos os dias.
Prejuízo
São cerca de 6 mil pessoas trabalhando no transporte coletivo em Curitiba e região metropolitana.
De dia ou de noite, os cobradores e motoristas de ônibus estão expostos ao risco de ser assaltado. Uma cobradora, de 53 anos, que trabalha na estação-tubo Carlos Gomes, revelou que, em sete meses de profissão, já foi vítima de ladrões duas vezes. Os dois roubos aconteceram entre 16h e 17h.
O último roubo foi há cerca de 20 dias. O assaltante entrou na fila e, após passar pela catraca, permaneceu ao lado dela. “Pensei que ele tinha tirado o celular do bolso, mas depois vi que era um revólver. Falei: tá brincando cara!!”, relata. Num dos assaltos, o criminoso levou R$ 900. “Depois, fiquei mais esperta e eles me levaram R$ 76”, lembra. A cobradora da estação-tubo Carlos Gomes reclama da exposição excessiva nos tubos, o que deixa os cobradores vulneráveis à ação dos marginais. “Se colocassem proteção de vidro em volta da gente já ajudaria”, sugere.
Todo cobrador é obrigado a não acumular quantia superior a 30 passagens (R$ 81) no caixa e guardar o valor excedente no cofre. Segundo o Sindicato dos Cobradores e Motoristas de ânibus de Curitiba e Região Metropolitana (Sindimoc), quando aconteceu um roubo, a empresa desconta o valor excedente do operador, conforme convenção coletiva. “Se ficar comprovado que o ladrão abriu o cofre e levou o dinheiro, nós temos que chamar a polícia e fazer boletim de ocorrência. Então não precisamos arcar com o prejuízo”, diz a cobradora do tubo Carlos Gomes.
No final do expediente, o cobrador deve retornar à empresa e preencher formulário reportando o roubo e, em seguida, comparecer à delegacia para fazer boletim de ocorrência, onde deve contar se houve o arrombamento do cofre ou se ele foi obrigado a abri-lo.
Coletiva
O Sindimoc afirma que é contra a cobrança e que essa norma é exigência do Setransp, sindicato que representa as empresas de ônibus de Curitiba e região metropolitana. A exemplo da ação ganha pelo funcionário, o presidente do Sindimoc, Anderson Teixeira, adianta que o sindicato irá entrar com ações coletivas em busca de reparos de danos morais, físicos e psicológicos sofridas pelos trabalhadores.
Allan Costa Pinto |
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No ano passado, foram 1.418 roubos a estações-tubo. |
Média de ataques chegou a sete por dia
No ano passado houve, em média, assaltos a quatro estações-tubo e a tr,ês linhas de ônibus por dia em Curitiba e região metropolitana. No total geral, foram 1.481 estações roubadas e 1.129 linhas, entre urbanas e metropolitanas. Segundo o Sindimoc, os dados são repassados pela Urbs, que gerencia o transporte público. A empresa, por sua vez, recebe as informações das empresas de ônibus, que muitas vezes não encaminham dados corretos.
Os números mais recentes de estações-tubo roubadas datam de outubro. A do Xaxim é o campeã, com 15 assaltos naquele mês dando prejuízo de R$ 5.482,65. Em seguida surgem a Passarela (na Avenida Marechal Floriano) com 14 roubos, a Coronel Luiz dos Santos (Boqueirão) com 13 e a Carlos Dietzsch (Portão) com seis assaltos.
Em maio deste ano, uma cobradora, de 33 anos, foi vítima de tentativa de estupro na estação-tubo do bairro Fanny. Era uma terça-feira, quando ela foi assaltada por um rapaz, que levou seu celular e R$ 25 do caixa. Dois dias depois, ele retornou no mesmo horário, às 5h, para tentar roubá-la novamente, mas a mulher disse que não tinha dinheiro. Revoltado, o assaltante trancou a cobradora no banheiro perto da estação e a obrigou a tirar a roupa. A vítima foi salva por um entregador de jornal que assustou o marginal. Dez dias depois, o cobrador da linha Cabral-Guarituba Osaias Caldeira da Silva, 31, foi assassinado em Colombo, numa noite de domingo, na Estrada da Ribeira.
Estresse
Os perigos da profissão levam muitos profissionais a desencadear doenças nervosas. Segundo dados Departamento de Apoio ao Trabalhador – setor do Sindicato dos Cobradores e Motoristas de ânibus de Curitiba e Região Metropolitana (Sindimoc), 18% da categoria – entre motoristas e cobradores – estão afastados por conta de estresse ou síndrome do pânico.
Quem trabalha em estações-tubo, então, está mais vulnerável a agentes nocivos, como o frio, ruídos e assaltos. A reclamação da categoria é não ter o respaldo das empresas para qual trabalham e uma das 67 reivindicações aos empresários foi o pagamento de adicional de insalubridade e periculosidade, o que ainda não foi conquistado.
GTV
Até 2010, cobradores e motoristas tinham mais segurança com a presença de policiais militares do Grupo Tático Velado (GTV) nas linhas mais visadas. Segundo o Sindimoc, a vigilância constante fez o número de crimes reduzir. Porém, após a extinção do grupo especializado da PM, os assaltos voltaram a crescer. O Sindimoc orienta que os trabalhadores sigam os conselhos da polícia: não reagir, tentar se manter calmo, entregar o que o marginal pedir e manter o volume maior de dinheiro no cofre.
Estado
A reportagem entrou em contato com o Setransp (sindicato das empresas de transporte coletivo), no entanto nenhum dos emails enviados e contatos telefônicos foram respondidos. Na época da morte do cobrador, em Colombo, o Setransp emitiu nota salientando que a “segurança pública é um dever do Estado e um direito do cidadão. As empresas fazem a sua parte no combate à violência, investindo em câmaras de segurança em terminais, instalando cofres nos ônibus para que os cobradores depositem o dinheiro excedente ao limite de segurança, além de ter uma parceria com a Polícia Militar informando dados e ocorrências para os serviços de inteligência”. Para a entidade, investir na bilhetagem eletrônica é uma das medidas para reduzir os casos de assaltos.