Rebeldes em fuga!

Jovens saem de casa para fugir de conflitos familiares

Quando saem de casa sem avisar, com medo de apanhar por conta das notas baixas, ou querendo viver uma aventura com um namorado, crianças e adolescentes sequer imaginam o desespero que causam nos pais. Na maioria das vezes,  enquanto a família esquenta a cabeça, os filhos estão bem.

A maioria das molecagens são rapidamente solucionadas. Desaparecida em dia 30 de setembro, por exemplo, uma garota de 12 anos foi encontrada pela Polícia Militar na casa da irmã do namorado na Vila Torres, Prado Velho, quatro dias depois. Em 23 de setembro, outra garota de Curitiba, de 16 anos, foi encontrada na casa de um rapaz que conheceu pela internet, em Tocantins, onde já estava há seis dias. Fugas semelhantes acontecem todos os dias.

“A primeira coisa que nos vem à cabeça quando ouvimos histórias como estas é que falta surra, castigo, quando devemos considerar que o que realmente falta nesses casos é desenvolver no adolescente a responsabilidade de tomar decisões sabendo a consequência dos seus atos”, explica a psicóloga Izabela Neves Freitas.

De acordo com ela, dar limites não é apenas dizer não ou privar os filhos de algumas coisas. Dar limites também é ensiná-los a ter responsabilidade de seguir as regras, dizer a verdade e cumprir horários, por exemplo, e ter liberdade de fazer escolhas, sabendo sempre o que cada opção pode gerar.

“É preciso aprender a ouvir os filhos, ouvir o silêncio no quarto e perceber os olhos parados na frente da tela do computador. Devemos conhecer os passos deles sem invadir, saber quem são os amigos, os gostos, as músicas. Quando olhamos para dentro de nossos filhos eles sabem que são amados e que uma atitude impensada pode levar ao grande sofrimento daqueles que o cercam”, explica a psicóloga.

Conversa

Uma relação amigável e não “ditatorial”, portanto, é capaz de criar um canal de comunicação que permite aos pais ter acesso a informações pessoais que muitos destes jovens, que preferem fugir de casa a conversar, não contariam. Assim fica mais fácil saber com quem o filho anda, o que o filho pensa e ajudá-lo a entender as responsabilidades e consequências de seus atos.

Irresponsabilidade que dá trabalho

Quando a família já procurou na casa dos amigos, em hospitais e não conseguiu descobrir onde o filho foi parar, a polícia é acionada. Além da Militar, várias delegacias fazem estas busca. Em Curitiba, o Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas (Sicride), por exemplo, é responsável por procurar pequenos, com até 12 anos. A partir desta idade, a Delegacia de vigilância e Capturas (DVC) poderá ser acionada.

Arquivo
Parte das “fujonas” volta grávida.

Seja de qual delegacia for, todos os delegados concordam em uma coisa: a maioria dos motivos pelos quais as crianças e adolescentes fogem de casa é a desestruturação familiar. Quando não se sentem amados, acolhidos ou compreendidos, a tendência é que eles fujam em busca de lugares e pessoas que os aceitem. “É natural do jovem querer se arriscar em voos maiores”, diz o delegado Hormínio de Paula Lima Neto, da DVC. Ele ainda ressalta que, entre os jovens dos 12 aos 20 anos, são raros os casos de desaparecimento. A maioria trata-se de fuga do lar e, por isto, 95% dos casos são resolvidos em no máximo uma semana. 60% dos jovens que fogem de casa são meninas, que vão atrás de namorados – conhecidos pessoalmente ou pela internet – e boa parte delas volta grávida.

Conhecimento

Hormínio concorda com a psicóloga Izabela Neves Freitas, que os pais tem que dialogar com os filhos. Eles devem passar conhecimento aos jovens, conversar sobre sexo. O jovem não quer se submeter às von,tades dos pais, que impõem comportamentos para não expô-los ao perigo. “Pais e mães devem dialogar com os filihos sobre coisas boas e ruins do mundo”, diz Hormínio.

Classe social não é regra

A maioria das fugas, aponta o delegado Horminio de Paula Lima Neto, da DVC, ocorrem entre jovens das classes média-baixa ou baixa, onde a maioria dos pais e mães desconhecem que o diálogo com os filhos é importante. Mesmo assim, isso não é uma regra. A delegada Araci Carmen Costa Vargas, do Sicride, conta que já teve casos de jovens de classes altas que fugiram de casa. O motivo é quase sempre a desestruturação familiar.

Num dos casos específicos, mostrou Araci, um garoto de 11 anos, morador num bom imóvel no Bigorrilho e estudante em uma das escolas particulares mais caras de Curitiba decidiu ir embora. Seus pais estavam se separando e as brigas entre o casal eram diárias, com bate-bocas violentos. O menino não suportou a situação e ganhou as ruas. E Araci mostra que a maioria dos casos de crianças em fuga são estas: discussões, violência doméstica, violência sexual e uso de drogas dentro do seio familiar.

Queixas

Além dos casos em que as crianças fugiram de casa, há os casos em que pais e mães dão queixa indevidamente na delegacia. Geralmente são casais em separação e um dos cônjuges some com os filhos. A outra parte vai à delegacia, dá queixa de desaparecimento das crianças apenas para que a polícia vá buscá-las, mesmo sabendo onde estão os filhos. O Sicride atende cerca de 20% destes casos, que só geram desgaste aos investigadores. Policiais deixam de atender desaparecimentos reais, enquanto o diálogo entre o casal poderia resolver tudo harmonicamente.

Pais têm sido negligentes

A delegada Araci Carmen Costa Vargas, do Sicride, alerta que, na maioria dos casos de crianças desaparecidas ou que fugiram de casa, houve negligência dos pais. Os adultos devem estar atentos aos pequenos, que podem sumir num piscar de olhos. “Agente vê nos mercados e shoppings, os pais deixam os filhos andando soltos. Tem que ficar de olho. Tem que haver diálogo, explicar os perigos. Um bom relacionamento entre pais e filhos se constrói desde pequeno. Os pais se omitem muito”, alerta Araci.

Mesmo dentro de casa, os pais devem ficar alertas. Como exemplo ela cita o caso do sumiço do menino João Rafael, em Adrianópolis. “As crianças ficam procurando uma brecha para fazerem o que querem”, diz a delegada. No caso de João Rafael, ele teve cerca de 40 minutos de brecha, tempo que os pais e avós se distraíram com afazeres domésticos.
Perigos

A residência da família é uma chácara e não possuía cerca suficiente para barrar o menino dentro do terreno. Muitos menos de bloquear o acesso dele ao rio, nos fundos da propriedade e onde a polícia já procurou incansavelmente vestígios do menino.

Araci cita outros casos de negligência dos pais, como a de um menino que saiu da van escolar em frente de sua residência, em Telêmaco Borba, e, como ninguém o esperava, não entrou em casa. Quatro horas depois, foi encontrado abusado sexualmente em um matagal.

Em outro caso, uma menina de Porto Amazonas diariamente chegava sozinha ao ponto de ônibus, numa estrada rural deserta, para ir à escola. Há também os casos das meninas Giovanna, em Quatro Barras, e da Rachel, no centro de Curitiba, ambas encontradas mortas. A primeira saiu sozinha para vender rifas da escola. A outra saiu sozinha da escola para pegar o ônibus para casa. “Sempre há a omissão dos pais”, alertou Araci.

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