Dois anos e meio. Esse foi o tempo que o estudante Juliano Baltazar Luiz, 25 anos, levou para descobrir que tinha uma condenação em seu nome por causa da acusação de roubo. Um primo que não via há muito tempo foi preso e na delegacia deu o nome de Juliano e de seus pais. O rapaz foi julgado – e reafirmou as informações que deu quando preso em juízo -, condenado e somente quando fugiu e teve sua prisão decretada a confusão veio à tona.
Luiz foi descoberto por meio de diligências feitas pelo juiz da Vara de Execuções e Penas e Medidas Alternativas, Lourival Chemim, e conseguiu provar sua inocência facilmente só porque o juiz que condenou o assaltante havia tirado fotografias da audiência. No inquérito feito pela polícia, não havia nem as impressões digitais do criminoso. O caso do estudante é incomum, porém revela uma realidade problemática da Justiça Criminal: os inquéritos policiais.
As falhas nos inquéritos policiais, que resultam não só em erros, mas também na tramitação lenta, que muitas vezes leva à prescrição dos crimes, estão tanto nas delegacias de polícia quanto no Ministério Público Estadual (MPE), que precisa analisar o inquérito para oferecer ou não a denúncia. Caso haja problemas, o Judiciário também pode pedir que sejam feitas mais diligências ou acrescentadas mais informações. Mas o volume de processos muitas vezes não permite isso.
Polícia Civil
Falta de estrutura humana. ?O volume de inquéritos que a polícia tem sob sua responsabilidade hoje é muito grande para a quantidade de pessoas que trabalham nas delegacias?, contou o delegado do 7.º Distrito Policial de Curitiba, Irineu Sebastião Portes. Segundo ele, somente no 7.º DP tramitam mais de 2 mil inquéritos para apenas três escrivãos. Em plantão de 12 horas, contou Portes, registra-se uma média de 40 procedimentos.
Quanto à identificação do preso, processo chamado de qualificação, o delegado garante que, apesar das dificuldades, este é um procedimento que não é falho. ?Se é flagrante sem documentação, coloca-se o nome que o preso falar e daí tira-se a impressão digital para futura conferência. É muito comum descobrirmos mentiras?, garantiu. Segundo ele, toda vez que alguém é preso, seja pela própria Polícia Civil seja pela Polícia Militar e independente do horário, o delegado tem que ser avisado e é responsável pela abertura do inquérito.
Cartaxo: relacionamento entre as polícias precisa melhorar
?Nós perdemos muito nos inquéritos com a saída do Instituto de Criminalística (IC) e do Instituto Médico-Legal (IML) da Polícia Civil. Estes órgãos ficaram com um orçamento difícil e por isso tiveram uma queda sensível na qualidade e na quantidade de laudos?, reclamou o chefe da divisão do interior da Polícia Civil e presidente da Associação dos Delegados de Polícia do Paraná (Adepol), Luiz Alberto Cartaxo de Moura. Os próprios IC e IML pediram o desmembramento.
Segundo Moura, antes estes dois órgãos atendiam todas as ocorrências e hoje eles determinam o que vão atender. Além disso, o presidente da Adepol afirmou que é preciso melhorar o relacionamento da Polícia Civil com a Militar para que o trabalho funcione melhor. ?Isso é uma dificuldade histórica que teve avanços no atual governo, mas ainda precisa melhorar muito?, explicou.
Aumento de efetivo e qualificação
Assim como Portes, o presidente da Adepol também defende que é preciso aumentar o efetivo da Polícia Civil. ?O principal problema é a carência de pessoal. Com a falta de delegados e escrivães não concluímos os inquéritos e temos que pedir mais prazo para o MPE, que por sua vez demora e acaba atrasando o processo. Segundo Moura, o Paraná tem cerca de 3 mil policiais na ativa, ?o que é um quadro bastante deficitário?.
?O governo já anunciou a realização de concurso. Vamos ter 1,2 mil vagas para investigador e 100 vagas para escrivão. Mas 100 não é um número suficiente. Estamos tentando transformar algumas vagas de investigador para escrivão. Mas ainda não está sendo possível. E a exigência de nível superior para todos os policiais vai fazer com que a qualidade melhore também?, explicou. Mas no quesito qualificação, Moura ressaltou que nível superior é parte da solução. ?É preciso fazer cursos de reciclagem periódicos entre os policiais?, afirmou.
Delegado precisa estar sabendo de tudo
?O inquérito é bem feito quando o presidente (o delegado) assume a investigação?, afirma o delegado do 7.º Distrito Policial de Curitiba, Irineu Sebastião Portes. Ele defende que, apesar da deficiência de estrutura, o delegado precisa saber tudo que está acontecendo nas investigações de sua atribuição.
Mas, por causa do grande volume, Portes admite que é preciso fazer uma seleção dos que têm que ser apurados mais rapidamente, como homicídios. ?O resto, a gente faz à medida que as pessoas procuram por resposta. Não há condições estruturais para tocar todos. E muita gente abandona o processo no meio?, explicou.
O trabalho dos investigadores e a colaboração das testemunhas são pontos apontados pelo delegado como colaboradores para o cenário atual. ?Quando o levantamento do local é bem feito, traz subsídios para o delegado. Mas muitas vezes ninguém quer falar e o Ministério Público quer testemunhas. Isso demanda tempo e muitas vezes cai no esquecimento?, explicou. Segundo Portes, o medo das testemunhas é um dos maiores empecilhos.