Os crimes cometidos contra idosos parecem estar mudando o comportamento dessa gama da população. Diante da preferência dos assaltantes por vítimas de idades mais avançadas, devido à fragilidade física, os idosos estão tomando maiores cuidados para evitar que se tornem novas vítimas dos criminosos.
Depois de ser assaltado por duas vezes, a última há dois meses, o aposentado João Cassiano vem tomando medidas preventivas para não sofrer novas investidas dos assaltantes.
O aposentado diz que o pouco dinheiro que carrega é portado em partes estratégicas para não facilitar para os criminosos. “Não coloco dinheiro no bolso da calça”, afirma.
Segundo ele, a segurança pública é falha, não apenas quanto à segurança dos idosos, mas para a segurança de toda a população. “Nós mesmos precisamos nos cuidar porque não dá pra contar apenas com a segurança oferecida pelo Estado”, diz Cassiano.
O aposentado Miguel Said conta que também foi vítima de assaltantes e, por conta disso, prefere deixar o cartão de pagamento de sua aposentadoria em casa. “Só carrego o cartão quando vou receber o dinheiro e, ainda assim, sempre acompanhado”, conta Said.
O aposentado também reclama que falta policiamento nas ruas de Curitiba. “Estou todos os dias aqui na Rua XV e não vejo o movimento de policiais por aqui”, atesta.
Atrativo
De acordo com o coronel Roberson Luiz Bondaruk, sub-chefe do Estado Maior da Polícia Militar do Paraná, o fato de a maioria das pessoas com mais de 70 anos preferir portar grande quantidade de dinheiro por não utilizar cartões de banco é um atrativo para os assaltantes. “Além de levar dinheiro vivo consigo, a pouca condição de reagir fisicamente faz com que os idosos se tornem alvos fáceis para os criminosos.”
Bondaruk conta que a pouca habilidade para lidar com serviços que exigem conhecimento básico de informática faz com que os idosos fiquem suscetíveis à ação de golpistas. “É preciso que as pessoas estejam mais atentas para evitar a ajuda de estranhos para movimentações financeiras em caixas eletrônicos e pela internet.”
Segundo Bondaruk, é importante que a pessoa colabore para a própria segurança. “O idoso precisa se conscientizar de que precisa de ajuda em determinadas ocasiões, como ir a bancos acompanhado de outra pessoas”, afirma.
O policial também orienta para que, quando for fazer serviços bancários, que a pessoa seja discreta para não se expor. “Alguns sacam o valor e saem contando o dinheiro, além de mostrar onde estão as notas.”
O coronel também cita outros cuidados, como observar o que está acontecendo ao sair e chegar em casa, escolher o tipo de bolsa ideal para dificultar a ação de bandidos e evitar hábitos fixos para prevenir que os criminosos possam prever a ação da vítima.
Número de denúncias caiu este ano
Os números de denúncias registradas pelo serviço Disque Idoso caíram no primeiro semestre deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado. Enquanto que no primeiro semestre de 2007 as denúncias por maus-tratos foram 727, este ano foram registradas 442 denúncias.
O número total de denúncias também teve uma queda significativa, de 917 para 530. Já os casos de apropriação indébita de cartões bancários e outros bens caíram de 87 no ano passado para 56 este ano.
De acordo com a responsável em serviço do Dique Idoso, Dulce Maria Darolt, as políticas públicas de orientação às prefeituras e de capacitação dos assistentes sociais teriam contribuído para a queda na quantidade das denúncias.
“Esse trabalho tem feito com que as prefeituras sejam mais incisivas na,s ações de prevenção e atendimento a idosos em situações de risco, além de conscientizar a população”, diz.
Segundo Dulce, mesmo com a queda aparente dos números, os registros dão conta de que a situação de risco para pessoas da terceira idade ainda é preocupante.
“No primeiro semestre deste ano foram mais de 400 idosos, fora os que o Estado não teve acesso, que sofreram algum tipo de dano. Esse número ainda é muito grande para um Estado onde a população tem acesso à informação”, afirma.
Dentre as denúncias, Dulce chama a atenção para os casos de maus-tratos, onde a maioria tem envolvimento de familiares da própria vítima. Segundo ela, nos casos de apropriações indébitas de cartão de benefício e de propriedade, “os filhos acham que o idoso não pode mais gerenciar a sua vida. Alguns chegam a usar os documentos para fazer empréstimos consignados enquanto o idoso come as migalhas”, diz.
A prefeitura respectiva deve enviar um assistente social e, caso comprovada a procedência da denúncia, deve fazer o resgate do idoso e orientar a família, conforme o Estatuto do Idoso.
O número do Disque Idoso, que funciona das 8h30 às 12h e das 13h30 às 17h30, é 0800-410001. Em Curitiba situações de risco contra idosos podem ser denunciadas também pelo serviço 156.
Fragilidade faz parte do envelhecer
“Estou num mundo que não é meu”. Esse é o pensamento que paira na cabeça de grande parte da população idosa, segundo a professora de psicologia da Pontifícia universidade Católica do Paraná (PUCPR), Shirley Valera Rialto Sesarino.
Ela explica que a fragilidade que expõe os idosos à criminalidade faz parte do processo de envelhecer. Segundo Shirley, ficar atemporâneo na terceira idade faz parte da vida.
A psicóloga esclarece que a dificuldade em assimilar processos de operações digitais é justificada pela evolução tecnologia, que impôs às pessoas um estilo de vida ao qual elas não estavam acostumadas.
“A evolução tecnológica do último século foi muito rápida, forçando as pessoas a absorverem uma quantidade maior de informações e de forma muito acelerada. Isso é complicado para pessoas
de mais idade”, diz Shirley.
Além dessa evolução fora do ritmo habitual da maioria das pessoas, some-se o fator de que, segundo Shirley, o “período de aprendizado” se dá durante a adolescência. “Para quem foi adolescente há mais de 60 ou 70 anos é de se aceitar a dificuldade em lidar com novas tecnologias”.
Para Shirley, a maioria das pessoas acreditam que o idoso é uma pessoa desatualizada por uma certa comodidade, porém “não tem a generosidade de perceber que a dificuldade de novos aprendizados faz parte da própria condição do envelhecer”.
A psicóloga esclarece que a falta de autonomia também contribui para a construção da situação de fragilidade a que o idoso se expõe. Segundo ela, quanto mais dependente de terceiros, mais o idoso fica à mercê dos criminosos.
“Quando a pessoa está desprovida de sua autonomia, que está diretamente ligada à condição de liberdade, mais ele ficará exposto à ação dos criminosos”, diz. Shirley orienta para que as pessoas não abram mão de sua autonomia, fator determinante para a sua própria segurança.
“É preciso desenvolver atividades de integração com o restante è da sociedade, como participar de grupos sociais. Isso pode ajudar a conservar a autonomia
e independência dos mais idosos”, conclui.
Saber usar a tecnologia ajuda na prevenção
O aposentado José Carlos Bueno, 76 anos, é o exemplo contrário ao perfil da grande maioria das pessoas de sua faixa etária. Ciente de suas limitações, Bueno conta que, além de ser independente de familiares, utiliza os cartões bancários para fazer compras e operações de banco.
Segundo ele, o cartão é um aparato seguro e que facilita o cumprimento de suas necessidades financeiras. “H,oje em dia, não é sensato andar com dinheiro pela rua”. No entanto, ele ressalta a necessidade de autoprevenção para garantir a segurança pessoal. “Tem que se cuidar porque cartão também é perigoso, se der mole, te pegam e fazem você mesmo digitar a sua senha.”
Bueno acredita que seu estilo de vida é que conserva sua disponibilidade para
aprender coisas novas, o que favorece a sua segurança. “Sou um camarada velho que não se considera velho, minha ficha não caiu ainda”, diz.