Nem em barraca nem em barraco, muito menos em uma casa. É dentro de uma manilha, onde mal cabe uma pessoa deitada, que Gabriel Luiz Álvares de Azevedo, 66 anos, vive há 10 anos, no município de São José dos Pinhais. Ele garante ter tido seu terreno tomado pelo governo estadual durante a construção do Contorno Leste, e por isso afirma que vai continuar morando às margens da BR-376, na alça do contorno que liga à BR-277, até que seja ressarcido. O departamento de promoção social do município informou que já fez várias tentativas para retirá-lo do local e lhe propiciar um novo lar, mas as propostas não foram aceitas e ele insiste em receber o que lhe seria de direito.
É dentro da manilha que Gabriel guarda os alimentos que recebe através de doações e as poucas roupas que possui. A alimentação dele é baseada em bolachas, pães, leite, refrigerante e outras guloseimas, fornecidas por motoristas que trafegam pela rodovia. Alimentos como feijão, arroz e carne há muito tempo não fazem parte das refeições de Gabriel. A precariedade da vida que ele leva não pára na alimentação. Sem banheiro, ele é obrigado a fazer suas necessidades no terreno onde mora e o banho também não faz parte de seu dia-a-dia. As roupas sujas que veste, a barba por fazer e a falta de higiene que o corpo denuncia, até agora parecem não ter afetado a saúde de Gabriel. Ele diz que não se lembra quando foi a última vez que consultou com um médico e garante não sentir dores no corpo.
Apesar das condições subuhumanas em que vive, Gabriel ainda orgulha-se de dividir o pouco que tem com outros desabrigados. “Um dia cheguei na manilha e vi que faltava um pote de doce. Como sabia que quem tinha levado eram pessoas que estavam vivendo debaixo do viaduto, fui lá e dividi toda a comida que eu tinha”, disse ele. Quando questionado se seria capaz de roubar para comer, Gabriel foi incisivo na resposta. “Não sou capaz de roubar nem uma caixa de fósforos”, afirmou.
Desabrigado
O homem, que afirma ter nascido na Argentina e vindo para o Brasil ainda criança, contou que viveu com os pais no Rio Grande do Sul e depois mudou-se para Joinville, em Santa Catarina, onde casou-se. Lá, ele teria trabalhado numa empresa em que separava mudas de flores e legumes. “Eu era muito jovem quando meus pais morreram e minha mulher foi assassinada. Como não tive filhos, fiquei sozinho”, disse ele. Desempregado e solitário, aos 45 anos Gabriel mudou-se para São José dos Pinhais e construiu uma pequena casa de madeira, próximo ao terreno em que vive hoje. “Eles destruíram minha casa para construir a rodovia”, garante. Sem possuir nem mesmo documentos pessoais, como carteira de identidade, ele perdeu os que comprovavam que o terreno era seu, e dez anos depois, passou a morar dentro da manilha.
Segundo o engenheiro Gilberto Massucheto, do Departamento Nacional de Infra-estrutura de Transporte – Denit, a obra do contorno começou a ser construída em 1978, e desde então começaram a ocorrer as invasões. Até o ano de 2001 havia várias famílias morando no local, mas no ano seguinte, quando a obra foi concluída, os moradores foram relocados para outro lugar. “O Banco Interamericano de Desenvolvimento exigiu que, para construir a obra, nenhum morador fosse lesado. Por isso, o Departamento Nacional de Estradas de Rodagem comprou uma área em São José dos Pinhais e, em parceria com a Cohab, levou as 260 famílias que habitavam as margens do contorno para lá. É difícil acreditar que alguém ficou de fora, pois todo o processo foi acompanhado inclusive por psicólogos”, afirmou o engenheiro. Ele disse ainda que os proprietários da área receberam dinheiro referente à compra do terreno, dependendo de decisão judicial apenas os que não concordaram com o valor pago pelo governo. “Certamente, se esse senhor fosse realmente proprietário de alguma área, ele teria sido ressarcido”, garantiu o engenheiro.
Movido pela esperança de ser pago, Gabriel continua decidido a viver dentro da manilha, negando a ajuda que a Prefeitura do município vem oferecendo. Alimentando o sonho de poder um dia construir uma casa ele afirma: “Só vou sair daqui quando pagarem o que me devem”.