Não é piada. Situações inusitadas como esta acontecem diariamente na Central Integrada de Emergência, onde uma equipe de policiais treinados escuta todo tipo de reclamações, perguntas, xingamentos, sandices e – até mesmo – pedidos reais de socorro e situações de emergência verdadeiras.
São cerca de 9 mil ligações por dia para o 190. Destas, apenas 10% resultam em ocorrências – ou seja, geram situações que realmente precisam da presença da polícia. As 90% restantes….
“Tem gente que liga pra saber o saldo do banco. Outros, para xingar políticos – acontece muito em época de eleição. Telefonam para pedir itinerário de ônibus, endereço de motel, o telefone da prefeitura… Domingo à noite é comum telefonarem da saída de bailão. O cara bebe demais, fica sem dinheiro e liga pedindo que uma viatura vá levá-lo para casa, porque gastou tudo no bailão e não sobrou nem para o ônibus”, conta o major Costa, responsável pelo gerenciamento do 190.
Carência
Fica claro que a população acredita que a polícia pode resolver qualquer tipo de situação – desde ensinar um aposentado a usar um caixa eletrônico até prender bandidos. Mas a quantidade de telefonemas equivocados revela também que a população está carente de informação e de orientação. “O povo usa a Polícia Militar para tudo”, comenta o major.
Para conviver com essa rotina – se é que se pode chamar de rotina – os atendentes passam por entrevistas iniciais, onde é analisada a personalidade do candidato. Afinal, são precisos nervos de aço e doses extras de paciência para lidar com as diferentes situações que se apresentam. Podem ser emergências com risco de vida ou um coração solitário querendo companhia para a noite. De acordo com o major Costa, houve casos de homens que telefonam convidando o policial para sair. “Mulher também faz isso”, emenda Costa.
Além disso, os atendentes passam por rigorosas avaliações mensais. “Nosso grau de qualidade no atendimento ultrapassa padrões internacionais”, conta o major Costa.
O novo sistema do 190, recentemente implantado, permite que todos os telefonemas sejam gravados. Isso serve tanto para os superiores acompanharem a forma com que os telefonemas estão sendo atendidos, como para checagem posteriores.
“Antes, a pessoa ligava reclamando que tinha sido mal atendida por fulano ou beltrano. Não tínhamos como confirmar a veracidade da queixa e com isso, a razão estava sempre com o reclamante. Agora podemos checar direitinho e saber se nosso atendente trabalhou bem”, explica o major Costa.
Um detalhe importante é que os policiais militares que atendem o 190 são voluntários. “Eles pedem para vir trabalhar aqui. E precisam ser aprovados. Se não passarem pela avaliação mensal de qualidade, não podem ficar”, afirma o policial.
Denúncias de todo tipo
Quinta-feira, 20h30, prédio do Cine. Quatorze atendentes e três bombeiros estão trabalhando no andar de atendimento do 190. O sargento Andretta, supervisor, mantém os olhos voltados para a tela do computador – que mostra todas as ligações em andamento, com quem e para quem está se falando – e os ouvidos colados ao fone. Assim, o supervisor pode acompanhar qualquer telefonema, para conferir o que está acontecendo.
Nesse horário, grande parte dos pedidos ao 190 informa que um vizinho está agredindo a mulher e os filhos. “É comum: os homens saíram do trabalho, passaram no bar, beberam, aí chegam em casa e fazem isso”, comenta o supervisor.
O lado triste dessas denúncias é que os policiais não conseguem, na maioria das vezes, levar o agressor e as vítimas a registrar queixa na delegacia. E fica tudo por isso mesmo. Fato comum: “Na maioria das vezes, as pessoas só querem que o policial vá ao local e dê um susto no agressor, no bagunceiro, no vizinho atrevido. Prestar queixa ninguém quer, com medo de puxar briga com parente ou vizinho”, explica o major Costa.
São 21h. Muita gente telefona para denunciar usuários de drogas. “Olha, tem uma piazada queimando fumo na praça aqui ao lado”, diz uma mulher. Outra conta que um casal está trancado em um carro, em frente à casa dela, fumando maconha. Nesse horário, há muitos estudantes de colégio noturno matando aula para beber ou usar drogas com a turma.
Os bombeiros se mobilizam para atender incêndios – o primeiro, em uma casa de madeira, sem vítimas. No segundo caso, o atendente leva algum tempo conversando com a pessoa até entender que era um bujão de gás vazando. Uma panela pega fogo em um restaurante. Um homem telefona perguntando “que horas são”. No computador, tudo vai sendo registrado. O major Costa aponta os números: no turno entre 13h e 18h daquele dia, foram atendidas 2.165 ligações. A noite está apenas começando. Logo vão começar a aumentar os registros de assaltos, roubos, brigas em bar, bebedeiras e homicídios. (BM)
Atendimentos agilizados
Quem está em situação de emergência não precisa mais memorizar diferentes números de Corpo de Bombeiros, Siate ou Polícia Militar. Todo o atendimento foi aglutinado no telefone 190. Recentemente implantado, o novo sistema, batizado de Cine (Central Integrada de Emergência), ocupa um prédio novo, no Comando Geral da PM, projetado especialmente para receber equipamentos e serviços de comunicação de grande porte.
De acordo com o major Costa, responsável pelo Cine, o sistema está pronto para atender uma demanda de até 40 mil telefonemas por dia. Hoje, a média fica entre 8 e 9 mil ligações. “Calculamos que existe um aumento de 20% a 30% anualmente no número de atendimentos. Mantendo essa média, o sistema está pronto para os próximos quinze anos”, observa.
O Cine concentra o atendimento e despacho de viaturas para Curitiba e os onze municípios da Região Metropolitana que fazem limite com a capital. Nos dois andares de atendimento e despacho de viaturas, estão policiais militares, do Corpo de Bombeiros, médico do Siate e policiais civis, todos reunidos para agilizar os trabalhos.
Para controlar todo o sistema, foi desenvolvido – dentro da própria Polícia Militar – um software que permite gravação, rastreamento, monitoração e banco de dados de todos os telefonemas recebidos.
“Nossa intenção é manter a triagem o mais afinada possível, para evitar o envio de viaturas em situações que não necessitam da presença da polícia”, explica o major.
Afinar a triagem, em outras palavras, significa detectar e priorizar o atendimento às reais situações de risco de vida. Os atendentes são orientados a extrair o máximo possível de informações confiáveis durante os telefonemas. Emergências são classificadas em três estágios – normal, urgente e urgentíssima – conforme o grau de risco de vida que se apresenta. O programa de computador que rastreia e identifica imediatamente o endereço do solicitante, colocando todos os dados na tela enquanto dura o telefonema, “aperta” ainda mais o cerco em torno de possíveis trotes ou falsas comunicações.
Tamanho cuidado se explica, também, observando a outra ponta do sistema. Se o 190 conta com aparato de última geração, prédio próprio e pessoal especializado, nas ruas ainda faltam policiais e viaturas para atender a população, especialmente nos municípios da Região Metropolitana. “Muita gente reclama que a viatura demora a chegar. Pode acontecer de o carro ter sido desviado no caminho para atender outra emergência mais grave”, diz o major Costa. Há ainda casos em que não há viatura disponível na região.