O acordo de cavalheiros firmado entre a Polícia Civil e a Prefeitura Municipal de Mandirituba terminou de forma nada cavalheiresca, com a prisão em flagrante de um guarda municipal, por porte ilegal de arma. Adilson Marçaneiro estava armado com uma pistola 380, de sua propriedade, mas a serviço da Polícia Civil, dentro da Delegacia de Mandirituba, quando recebeu voz de prisão do sargento Barbosa, da Polícia Militar, que é o gestor da delegacia, nomeado pela Secretaria de Segurança, função que normalmente seria destinada a um delegado de polícia concursado. O cargo de “gestor” foi criado para “remendar” a falta de efetivo da Polícia Civil.
De acordo com informações do próprio guarda, após receber voz de prisão, ele foi levado pelo próprio sargento até a delegacia de Fazenda Rio Grande, onde o delegado-titular Germínio Marques Bonfim, autuou-o em flagrante por porte ilegal de arma, baseado na lei 10.826 de 22 de dezembro de 2.003. O artigo 6.º da legislação permitia que somente guardas de municípios onde há mais de 500 mil habitantes possam usar armas em serviço. Porém, no dia 5 de maio passado foi sancionada a lei 10.867, que emenda a legislação do desarmamento, permitindo que guardas municipais das regiões metropolitanas também possam usar armas.
Prevaricação
O superintendente de Fazenda Rio Grande, Valdir Bicudo explicou que o delegado Germínio resolveu autuar em flagrante o guarda municipal para não “prevaricar”. “A lei é vaga, não diz quem deve autorizar as guardas. Enquanto ele estava sendo autuado, o advogado do guarda municipal procurou o juiz Douglas Marcel Perez, que relaxou a prisão do guarda”, salientou Bicudo. Mesmo assim, Maçaneiro irá responder a inquérito policial por porte ilegal de arma.
Intriga
No dia 23 de dezembro do ano passado, o guarda municipal se envolveu em uma confusão com um amigo do sargento. Mas não foi lavrado o termo circunstanciado que permitiria a apuração dos fatos. Quando foi firmado o acordo entre a Prefeitura e a Polícia Civil, o sargento Barbosa estava em férias. “Acho que ele não gostou de me ver na delegacia. Disse-me que iria me ouvir no termo circunstanciado. Não neguei, só pedi para ele mandar ofício ao meu chefe”, salientou Maçaneiro. “Quando voltei à delegacia para cumprir minhas obrigações fui preso. O fato é que um outro colega meu também estava armado, do meu lado, e não aconteceu nada”, acrescentou. “Eu não posso andar armado, mas o preso fica com uma escopeta calibre 12 dentro da delegacia”, denunciou Maçaneiro.
Bicudo disse que recebeu o termo circunstanciado somente após a prisão. “Na realidade quem prevaricou foi o sargento”, afirmou. “Agora não tem mais validade, já que a lei diz que a representação deve ser feita em 90 dias”, explicou o superintendente.
Afastado para tratamento de saúde
Após a confusão, o sargento Barbosa entrou em licença para tratamento de saúde. O major Nilson Luiz Salata, comandante do 17.º Batalhão da PM, informou que após retornar da licença médica, o sargento será designado para o outro local. “O sargento cumpriu sua função. O guarda municipal estava portando uma arma que não atendia a legalidade. Mas, a autoridade é o delegado de polícia”, argumentou o major, dando a entender que o delegado poderia não ter lavrado o flagrante.
Ele disse que não tem conhecimento se a Polícia Civil firmou um acordo com a Prefeitura de Mandirituba. “A parte administrativa é do delegado, que se comunica com o gestor. Posso garantir que nós, da Polícia Militar, não temos acordo nenhum com a Prefeitura.”
Secretário municipal não negará ajuda no futuro
O secretário da Defesa Civil de Mandirituba, Claudir Dalla Costa, disse ontem que, apesar do mal-entendido, o município continuará ajudando na segurança pública. Ele enfatizou que a Lei do Desarmamento, em seu artigo 6.º, garante o uso de armas para guardas municipais da Região Metropolitana. “A questão nem é essa. É que os guardas municipais estavam nas delegacias para ajudar. Nós reformamos a delegacia e mandamos os guardas para dar maior segurança à comunidade. Este não é um dever do município, mas do Estado”, ressaltou Claudir.
Ele lembrou que, no dia 14 de maio deste ano, ele e o prefeito se reuniram com o delegado-geral Jorge Azôr Pinto, o delegado divisional Agenor Salgado e o delegado de Fazenda Rio Grande, Germínio Marques Bonfim (que responde por Mandirituba e outros municípios da região), sendo firmado um acordo de cavalheiros. “Estava tudo bem, até o sargento retornar e resolver prender o guarda. Mesmo existindo o acordo”, lamentou.
Ele disse que, por este motivo, recolheu todos os guardas municipais que estavam lotados na delegacia para cuidar de presos, entregar intimações e atender locais de ocorrência, já que o município conta com apenas um policial civil. “Vamos aguardar. Se a situação se regularizar e quando for entendido que a lei está regulamentada poderemos ajudar. Isto pelo bem da comunidade”, enfatizou.
“À noite, é um preso que cuida da carceragem”
Há uma semana, a delegacia de Fazenda Rio Grande conta apenas com um policial civil. Para ajudá-lo, durante o dia, há uma assistente administrativa. De acordo com o guarda municipal Adilson Maçaneiro, durante a noite, Marcos Biscaia, preso há quatro anos por tentativa de homicídio, é quem vigia os outros 10 presos que estão recolhidos no xadrez. E para isso anda armado com uma escopeta calibre 12. “Ele tem até quarto separado”, informa Maçaneiro.
O superintendente Valdir Bicudo desmente a notícia. “Isto podia ocorrer antes de assumirmos a delegacia. Agora não”, garante. Bicudo disse que após o afastamento do sargento, um policial civil é quem toma conta da delegacia, distante dez quilômetros de Fazenda Rio Grande. Durante o dia fica o investigador e a assistente. À noite, segundo Bicudo, o mesmo investigador permanece na delegacia. Para conseguir folgar 12 horas em cada 48 horas de plantão, ele é substituído por um funcionário da Prefeitura de Fazenda Rio Grande, que foi enviado para Mandirituba, para render o solitário plantonista. “Se o preso de confiança está solto, vamos comunicar o fato à Corregedoria para que providências sejam tomadas”, argumentou Bicudo, sem informar se o funcionário da Prefeitura que substitui o policial trabalha portando arma ou não.
Mais tarde, o superintendente voltou a entrar em contato com a redação e confirmou que o Marcos Biscaia, conhecido como “Marcão”, fica livre na delegacia. Segundo ele, o preso cumpre pena em regime semi-aberto e por isso tem este privilégio. Porém negou que “Marcão” cuida dos presos, armado com a escopeta.