Antônio Celso Garcia, o Tony Garcia, há anos vem tentando negar seu envolvimento com o Consórcio Garibaldi, empresa que lesou centenas de consumidores quando faliu em maio de 1994. Mas em um processo que se encontra no Tribunal de Justiça, movido pelos Ministérios Públicos Estadual e Federal, estes afirmam existirem claras evidências de sua participação na empresa como sócio oculto, e indícios de que Garcia usou de expedientes irregulares durante o processo de liquidação do consórcio.

Trata-se de ação civil pública interposta em 27 de maio de 1997, que se processou na 3.” Vara da Fazenda Pública de Curitiba, que cita, entre outros fatos, nomes de “laranjas” de Tony Garcia no consórcio, registra depoimentos de pessoas que comprovam que ele era o controlador da empresa, relata irregularidades como a transferência de bens de Garcia na véspera da liquidação extrajudicial da empresa, e pede a indisponibilidade de bens do empresário e deputado estadual, atualmente candidato ao Senado.

A juíza Josély Dittrich Ribas, em decisão proferida em agosto de 2001, reconheceu Tony Garcia como sócio da empresa Consórcio Nacional Garibaldi S/C Ltda. e decretou a indisponibilidade de bens do réu.

A decisão está sendo contestada pelos advogados de Garcia, através de recurso de apelação. Por outro lado, a juíza não concedeu parte dos pedidos do Ministério Público, que pretendia na mesma ação anular as transferências de bens que o empresário fez nos dias anteriores à data da liquidação do consórcio. Por esses motivos, o Ministério Público também apelou da decisão, renovando os pedidos.

Réus

A ação tem como réus, além de Tony Garcia, o irmão dele, Antônio Carlos Garcia, e as empresas Baltimore S.A. e Ramo Corretora de Seguros, das quais Garcia é sócio. O pedido do Ministério Público é de anulação das “vendas fraudulentas realizadas por Antônio Celso Garcia, verdadeiro sócio administrador do Consórcio Nacional Garibaldi, em visível prejuízo aos credores da empresa administradora do consórcio: os consumidores consorciados”, diz a ação. O objetivo final é fazer com que os bens de Tony Garcia possam ser utilizados para ressarcir os consumidores lesados, “tomando em consideração as inúmeras reclamações de consorciados e os graves danos a eles causados em razão de cobranças abusivas e da falta de entrega de bens”.

O Ministério Público aponta ainda “omissão dos órgãos responsáveis pela fiscalização dos consórcios e denúncia de retardamento pelo Banco Central de decretação da liquidação extrajudicial da empresa Consórcio Nacional Garibaldi, por razões políticas relativas às eleições de 3 de outubro de 1994”.

No processo, tenta-se demonstrar que a liquidação feita pelo Banco Central, na época da falência do Garibaldi, foi mal conduzida. Teriam havido articulações favoráveis (e não explicadas durante a fiscalização) a Tony Garcia, por ele ser candidato a uma vaga no Senado naquele ano, o que permitiu que ele ganhasse tempo para transferir bens que estavam em seu nome, de forma a não ser alcançado pela lei.

Favorecimento

Na ação, o MP explica que a sindicância instalada em novembro de 94 pelo Banco Central em Curitiba tinha por objetivo apurar irregularidades na condução dos processos relacionados com consórcios. A principal irregularidade foi a demora da proposta de liquidação extrajudicial do Garibaldi. Nos depoimentos tomados durante a sindicância, aponta o MP, vinte pessoas “admitiram ter ouvido que a decretação da liquidação só sairia após as eleições” daquele ano, “com o fim de proteger o suposto dono da empresa, candidato ao Senado Federal, sr. Antônio Celso Garcia”.

Em outras palavras, Tony Garcia teria manipulado o processo que envolvia o Consórcio Garibaldi, usando de poder político em vistas de ser eleito, e aproveitou-se desse favorecimento para, ganhando tempo, retirar bens de seu nome, impedindo assim o ressarcimento posterior de consorciados lesados.

Depoimento

Um dos depoimentos tomados na sindicância do Banco Central é da esposa do delegado regional do Banco Central em Curitiba na época. Ela afirmou que “a proposta de liquidação extrajudicial do Consórcio Garibaldi ficou retida no gabinete da Delegacia Regional do Banco Central de Curitiba em decorrência de entendimento entre o diretor de Fiscalização e o então delegado regional, Paulo Roberto; que as razões para esta retenção são de ordem política, eis que, embora não haja comprovação formal, é voz corrente no mercado que o Consórcio Garibaldi é do sr. Tony Garcia, candidato ao Senado; que passadas as eleições de 3 de outubro de 94, o processo foi encaminhado a Brasília”.

A própria comissão encarregada da sindicância concluiu que a liquidação “ficou retida indevidamente”. O relatório diz também que “a cronologia dos acontecimentos deixa patente a motivação exclusivamente política para retenção do processo”. A declaração de insolvência do consórcio foi efetivada em 4 de outubro de 94 – exatamente o primeiro dia útil após as eleições.

Prejuízo de R$ 36 milhões

O Consórcio Nacional Garibaldi começou a funcionar em 1989 e dois anos depois já apresentava irregularidades. Ao falir, em 1994, a empresa deixou um prejuízo estimado em cerca de 36 milhões e 200 mil reais. Prejuízo sofrido por centenas de consorciados que pagavam suas mensalidades e não recebiam os bens, além de terem sofrido cobranças abusivas.

Em maio de 94, o próprio consórcio informou que havia 146 bens “pendentes em entrega” – ou seja, pagos pelos consorciados mas que não foram entregues aos contemplados – entre eletroeletrônicos, automóveis, camionetas, motocicletas, caminhões, tratores e outros.

Mas as pendências seriam, na realidade, muito maiores. Nessa mesma época já existiam, no Banco Central, mais de 800 reclamações de consorciados, entre contemplados e não-contemplados.

No processo que está no Tribunal de Justiça, o Ministério Público mostra que os prejuízos na empresa começaram a aparecer no exercício de 1991, “em razão de incompatibilidade de receitas e despesas”.

Foram feitos saques indevidos; taxas de administração foram aplicadas irregularmente; houve ainda uma série de contemplações irregulares, quitação de parcelas e lances sem o efetivo ingresso de recursos, abonos concedidos a consorciados e lançamento de quitações de parcelas e lances com datas retroativas às do efetivo pagamento.

A ação relata ainda que, a partir de 1993 – com o consórcio já em situação bastante difícil – Tony Garcia começa a se desfazer de seus bens. Mas as vendas, aponta o Ministério Público, não eram feitas a “terceiros de boa-fé, mas sim a pessoas ou empresas coligadas a Antônio Celso Garcia, com a inequívoca intenção de frustrar seus credores”.

Em outras palavras, Tony Garcia, verdadeiro controlador do consórcio, transferia bens para “laranjas”, de forma que quando a empresa sofresse liquidação extrajudicial, os credores do Garibaldi não tivessem como cobrar dele os prejuízos.

Em 14 de setembro de 94 – dias antes da decretação da liquidação do Garibaldi – Tony Garcia transferiu para o irmão dele, Antônio Carlos, suas ações na empresa Baltimore. Em 21 de setembro, vendeu suas quotas (99,21%) na Ramo Corretora de Seguros, para a própria Baltimore – da qual seu irmão já tinha se tornado sócio majoritário mediante a venda realizada poucos dias antes.

Essas duas transferências foram realizadas no período em que a proposta de liquidação do consórcio estava irregularmente retida na delegacia regional do Banco Central.

Sociedade de “laranjas”

Agostinho de Souza, Márcio Rodrigues Libretti, Roberto Ângelo de Siqueira, Dervail Gribaldo e Rui Rodrigues Libretti. Estes eram os sócios do Consórcio Nacional Garibaldi, empresa fundada em outubro de 1989, que faliu cinco anos depois, deixando centenas de consorciados lesados. Estes eram os nomes que constavam nos papéis da empresa. Na verdade, conforme ação civil pública movida pelo Ministério Público, o verdadeiro controlador era Tony Garcia.

Os indícios são muitos – é um verdadeiro “conjunto de evidências”, aponta a ação. Tony Garcia aparece, por exemplo, como procurador de Márcio Rodrigues Libretti, na 34.” alteração contratual feita no consórcio. A procuração em que Libretti outorga poderes de transferência a Garcia, no entanto, não tem data, o que caracteriza irregularidade. Seria, segundo o MP, um “contrato de gaveta”, prestes a ser utilizado a qualquer momento – como de fato foi, para transferir 90% das cotas supostamente pertencentes a Márcio Libretti para Dervail Gribaldo, tio de Tony Garcia e de Roberto Ângelo de Siqueira, assessor político de Garcia. Estranhamente, essa transferência é datada de 19 de julho de 1991 – exatamente um dia após a morte de Libretti.

O depoimento da viúva de Márcio Rodrigues Libretti é esclarecedor. Possivelmente abalada por não ter recebido as vantagens financeiras que o marido prometia, ela confirmou que Tony Garcia era o dono do consórcio e seu marido, um “laranja” dele. Libretti teria dito à mulher que era “pessoa de confiança” de Tony Garcia e que, participando dos negócios do patrão conforme a vontade dele, estaria fazendo um “pé-de-meia” que garantiria um futuro financeiro tranqüilo para a família.

A procuração “de gaveta” é alvo de larga investigação no processo. Para o Ministério Público, o documento merece especial atenção porque, tendo sido feita em caráter irretratável, é uma das mais fortes evidências de que Libretti era “laranja” de Tony Garcia.

“Corporação”

Outro indício de que Tony Garcia era sócio do consórcio são fotos em que aparece um quadro “Corporação Garibaldi”, com os nomes das seguintes empresas: Consórcio Nacional Garibaldi S/C Ltda., Modello Passagens e Turismo Ltda., Ipiranga Participações Ltda., Ramo Corretora de Seguros S/C Ltda., Distribell – Distribuidora de Eletrodomésticos Ltda. e TGR Incorporadora Imobiliária Ltda. Tony Garcia é sócio da Ramo Corretora e da Modello Turismo. Nas demais, os sócios são parentes dele em primeiro grau.

Foram encontradas ainda correspondências endereçadas a Tony Garcia, onde ele é nominado como diretor presidente do Consórcio Garibaldi. As correspondências eram enviadas para o endereço da sede do consórcio, em Curitiba.

Outro forte indício é o depoimento do contador das empresas Modello, Ipiranga, Ramo, Distribell e TGR. Ele declarou que o salário dele era pago pelo Consórcio Garibaldi. Um sócio participante do consórcio contou que nas reuniões para tratar de assuntos relevantes da empresa, a decisão se dava sempre segundo o comando de Tony Garcia.

Impedido

Tony Garcia tinha um bom motivo para não constar como sócio do Consórcio Garibaldi. Ele estava legalmente impedido de atuar administrativamente em empresas financeiras. Uma outra empresa da qual era sócio, a Valtec DTVM, tinha quebrado pouco antes da inauguração do consórcio.

Outro fato: foram encontrados na contabilidade do Garibaldi depósitos bancários, feitos por Tony Garcia, em contas de Nice Maria Braga (trezentos mil cruzeiros) e Pricilla Stange Sigel (seis milhões de cruzeiros). A primeira era ex-mulher de Tony, a segunda era e é a sua atual mulher.

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