Sistema vergonhoso

Funcionários da PEP I são obrigados a obedecer bandidos

Os agentes penitenciários fizeram manifestações ontem, no Complexo Penitenciário de Piraquara. Razão para reclamar eles têm de sobra. Por mais que tenham entrado na profissão, sabendo dos riscos, nenhum imaginou que a situação pudesse chegar a ameaças de morte, agressões e homicídio, como aconteceu no ano passado. Foram por estes motivos que muitos funcionários, com o passar dos meses, passaram a “obedecer” as ordens de presos, principalmente dos ligados a facções criminosas, os chamados faccionados, concentrados na Penitenciária Estadual de Piraquara (PEP I), que se acham os “donos” do presídio.

Alguns agentes contaram que, se não cedem às exigências dos presos ou barram a entrada de drogas, celulares e fumo, os presos ameaçam: “sei a placa do seu carro (e falam qual é); a tua esposa, a ‘fulana’, ainda trabalha naquela loja de roupas no Centro, né?; e o teu filho menor, o ‘beltrano’, ainda estuda lá naquela escola da CIC?”. Quando não são os presos, são os familiares dos detentos que fazem ameaças, como por exemplo: “eu vou ligar pro meu marido aí dentro da cadeia se não deixar entrar essa sacola”.

“Não sei como eles levantam tantas informações sobre a vida da gente. Cremos que ou são os familiares dos presos que nos esperam na saída do plantão e anotam nossas placas e nos seguem até em casa, ou conseguem ‘molhar’ a mão de alguém que tenha acesso a sistemas de informação oficiais”, lamentou um agente.

Além do medo, os agentes reclamam que sofrem retaliações da chefia, por causa de atestados médicos. “Eles pensam que é atestado falso. Teve um de nossos colegas que precisou faltar por um problema grave de saúde da esposa. A chefia começou a ameaçá-lo de mudar de unidade”, alegou um agente.

Corrupção

Cezinando Paredes, diretor do Departamento Penitenciário do Paraná (Depen), não descarta que a situação da PEP I ficou crítica por conta das ameaças dos presos. Porém acredita que os agentes têm sua parcela de culpa, já que, ao cederam a exigências, não conseguem mais negar nada aos presidiários.

Agentes penitenciários admitem que há quem exige dinheiro para permitir a entrada dos produtos proibidos. Mas a grande maioria cede por medo, porque não vêem ações efetivas e imediatas sendo tomadas pela direção do presídio. Um celular, por exemplo, custa R$ 5 mil para entrar na cadeia. O fumo da marca Caiçara, preferido entre os presos, custa de R$ 400 a R$ 500 o tablete pequeno. Cadernetas de contabilidade apreendida nas celas, durante revistas feitas pela Polícia Militar, ainda mostram que existe tráfico de drogas diversas e até remédio para ereção.

Rebelião no fim de tarde

Daniel Castellano / Gazeta do Povo
Agente refém seria liberado com 18 transferências da PCE.

No dia em que agentes penitenciários se manifestaram no Complexo Penitenciário de Piraquara, pedindo por melhores condições de trabalho, cerca de 40 presos da Penitenciária Central do Estado (PCE) se rebelaram. Dentro do grupo, havia 18 presos que pediam transferências para as cidades onde estão seus familiares: Foz do Iguaçu, Londrina e Maringá. Um agente penitenciário foi feito refém e, até o fechamento desta edição, ainda não havia sido libertado. Apesar disto, ele não foi ferido.

A rebelião começou por volta das 16h, quando seis agentes penitenciários retiravam um preso da cela. No xadrez, havia sete presos, armados com estoques (facas improvisadas) e, partiram para cima dos funcionários, tão logo a porta da cela foi aberta. Cinco agentes conseguiram se desvencilhar, mas um deles, chamado Arlindo, ficou refém.

Segundo informações da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (Seju), por volta das 17h30 o Departamento Penitenciário (Depen) entrou em acordo com os presos e aceitou as 18 transferências. Apesar da promessa, os presos disseram que só soltariam o refém quando saíssem da unidade. A demora se deu por conta da emissão dos alvarás de transferência.

Vale tudo pra captar recursos

Reprodução
Rifa é atribuída a faccionados.

A organização dos presos faccionados vai além de caderneta de contabilidade. Eles possuem esquemas de captação de dinheiro, para que possam fortalecer os criminosos e familiares que estão na rua. Além do tráfico de diversos produtos na cadeia e também fora dela, eles fazem bingos e rifas, alugam armas e cobram pedágio dos que não são faccionados. Obrigam presos “comuns” a trabalharem dentro do presídio e a entregar parte do salário à facção. Em troca, têm garantia de sossego e proteção dentro da cadeia.

Segundo os agentes penitenciários, a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC) não deixa seus familiares passarem necessidades, enquanto o chefe da família está preso. “A facção paga cesta básica, assistência médica e várias coisas que os familiares precisem. Os presos pagam essa dívida quando saem da cadeia, dando mensalidades. Nós, agentes, temos o quê? Faltam condições de trabalho, para que possamos cumprir nossa função de ressocializar o preso e garantir o cumprimento da pena. Até mesmo o colete que nos identifica é negado. O meu, depois de mais de cinco anos de trabalho, estava rasgado. Fui pedir um novo e não tinha previsão de chegada de novos, por falta de verba”, ressaltou o agente.

Condições

Segundo dados do Sindicato dos Agentes Penitenciários do Paraná (Sindarspen), a profissão de agente está na lista das mais estressantes do mundo. Além disto, e aliada à falta de condições de trabalho, a expectativa de vida deste profissional é de 45 anos, enquanto que a expectativa de vida do brasileiro é de 70 anos. Apesar destes fatores, diz o Sindarspen, o Estado não oferece nenhum programa de atendimento à saúde psicológica. “Vários dos nossos colegas faltam por estresse. Muitos tem depressão e já vimos até suicídio por causa do trabalho. Alguns só conseguem trabalhar debaixo de remédios de tarja preta. É muita pressão, ameaça e falta de condições”, diz um dos agentes, que ainda se sente motivado em tocar em frente a profissão e tentar conseguir melhorias à categoria.

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