Funcionário do Hospital Evangélico, que não quis se identificar, confirmou ao Paraná Online que a médica Virginia Helena Soares de Souza deixava de prestar atendimento aos pacientes que chegavam à UTI geral sem chances de recuperação. Ele, que já trabalhou com a acusada, não sabe quantas pessoas morreram em decorrência da atitude de Virginia, mas afirma que a prática era conhecida na instituição.
“Quando subia (para a UTI geral) um paciente que não tinha mais condições de melhora, que não tinha mais jeito, ela (a médica) nem passava para a maca da UTI e mandava parar a medicação”, relata. Segundo o funcionário, “ela não fazia isso por falta de funcionário não, mas por causa dela mesmo. Não podiam faltar funcionários pra ela e por isso as pessoas eram remanejadas para a UTI”.
Ele afirma que a médica decidia pelo procedimento com o paciente e dava as instruções à equipe sobre o que fazer, independente das vagas na UTI. E em nenhum momento Virginia teria manifestado uma razão para tal atitude. “Ela fazia isso sozinha, tomava as decisões depois que olhava os exames, mas não sei porque fazia isso. Não tinha como o paciente pedir para isso ser feito porque chegava lá muito mal”, observa. De acordo com o trabalhador, em geral, os pacientes “selecionados” pela médica apresentavam quadros de queimaduras graves, traumas no crânio ou mais de um trauma grave pelo corpo (politraumatismo). Apesar dos boatos sobre possível ligação com venda de órgãos ou negociação com funerárias, ele afirma que nunca teve conhecimento destas relações na prática da médica.
Rigor
O funcionário contou ainda que Virginia é conhecida por ser muito rígida com sua equipe, fama que se espalhou pelos corredores do hospital. “Ali não para funcionário por causa dela. Ela xinga, chegou a dar tapa nas costas e tamancada. Provavelmente algum ex-funcionário que fez a denúncia. É uma surpresa que uma pessoa que se mostrava tão grande, tão respeitada no hospital, esteja agora nesta situação”, comenta.
Sindicato não sabe de nada
A presidente do Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos de Serviços de Saúde de Curitiba e Região (Sindesc), Isabel Cristina Gonçalves, afirmou que a entidade não recebeu nenhuma denúncia de funcionário em relação à prática e à conduta da médica acusada. A sindicalista acredita ainda que, apesar do momento delicado pelo qual passa o Hospital Evangélico, as condições de atraso nos salários ou falta de pagamento dos benefícios não motivaram a atitude. “Acredito que foi uma prática individual. Desconhecíamos o fato e lamentamos que isso tenha ocorrido”, afirmou.
Familiares ficam abalados
Felipe Rosa |
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Depois que a prisão de Virginia Helena Soares de Souza veio à tona, os funcionários do Hospital Evangélico acreditam que muitos familiares de pacientes mortos de maneira suspeita irão procurar a instituição para pedir esclarecimentos. A cabeleireira Jânia Gomes dos Santos não descarta a possibilidade de sua irmã Rosaina Gomes dos Santos ter morrido por problemas na UTI do hospital. A moça morreu em janeiro do ano passado depois de ficar quatro dias na unidade. “Minha irmã chegou andando no hospital, chegou bem e não sabiam o que ela tinha”, lembra. Seu marido, Genivau Madalena foi quem recebeu a notícia da morte da cunhada pela Virginia. “Ela não me deixava entrar na UTI para ver a Rosaina e era, sempre muito esquisita, grossa. Quando foi dar a notícia, foi muito fria. Até hoje a gente não consegue entender a lógica do que aconteceu”, diz.
Diante da situação, os familiares de pacientes internados no hospital também ficam apreensivos sobre o atendimento. A assistente contábil Glaci Sinikevicz (foto) está acompanhando sua mãe, internada por problemas no pâncreas, e reclama das condições do hospital. “Com certeza a gente fica com medo, o atendimento é nojento. E isso que eu estou junto com ela, imagina com quem fica sozinho”, critica. A lavradora Leoni Restorf veio de Cerro Azul acompanhar a mãe que está internada na UTI com tumor na cabeça e se diz abalada com a situação. “Não tem como acompanhar o paciente e, enquanto, isso fica na dúvida”, lamenta.
Prática comum nas UTIs
Pesquisa publicada na revista da Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib), em 2011, revelou que mais de 90% dos profissionais que atuam em unidades de terapia intensiva (UTI) já praticaram ortotanásia, regulamentada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), em 2006, mas só autorizada pela Justiça Federal em 2010.
A eutanásia, quando a morte do paciente terminal é induzida pelo médico, não é permitida por lei no Brasil, com pena de prisão por homicídio. A ortotanásia se caracteriza pela omissão do médico, que suspende o tratamento do paciente sem chance de cura. O Conselho afirma que a prática só é aplicada nos casos específicos de pacientes em fase terminal de doença crônica e progressiva, com o consentimento do doente ou da família. A resolução determina que, para limitar ou interromper o tratamento, o médico precisa ter o consentimento do doente ou, se este for incapaz, de seus familiares. Ao contrário do que ocorre na eutanásia, não há indução da morte. O artigo 41 do capítulo V, do Código de Ética Médica (relação com pacientes e familiares) indica que é vedado ao médico abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal. Com a ressalva do parágrafo único: Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal.
Audiências públicas
O texto do novo Código Penal procura regulamentar a eutanásia e legalizar a ortotanásia, desde que a reversão da doença seja atestada por dois médicos. Ontem, o Senado informou que a comissão especial que analisa o novo código definirá amanhã a agenda de trabalhos e deve marcar audiências públicas para ouvir a sociedade sobre o projeto, principalmente sobre os pontos mais controversos como as novas regras para o aborto e a eutanásia.
Paraná na rota mundial
Reprodução |
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Dr. Morte praticou eutanásia em mais de 130 pacientes. |
Não é a primeira vez que o Paraná entra na rota mundial de casos de eutanásia. Ex-vereador e ex-secretário de Saúde de Marechal Cândido Rondon, no oeste do Estado, o médico Ítalo Fernando Fumagalli foi acusado da prática em pelo menos três doentes terminais no hospital de sua propriedade, sob alegação de alto custo do internamento. Ele ordenava que duas enfermeiras aplicassem cloreto de potássio em dose que provoca morte por parada cardíaca e respiratória em poucos minutos.
O processo criminal contra o trio foi iniciado em 1991. Fumagalli foi indiciado por homicídio qualificado, cuja pena varia de 12 a 30 anos de reclusão, mas decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) suspendeu o julgamento por prazo indeterminado. O Conselho Regional de Medicina (CRM) absolveu o médico das acusações. No ano passado, ele tentou ser prefeito, mas teve a c,andidatura cassada.
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