Uma barreira da Polícia Rodoviária Federal (PRF), na madrugada de ontem, no quilômetro 95 da BR-476 (Contorno Leste), em São José dos Pinhais, flagrou um caminhão de pequeno porte com 34 trabalhadores, amontoados no compartimento de carga, viajando em condições subhumanas de higiene e segurança. Todos saíram do município de Patos, na Paraíba, com destino a Chapecó, no oeste de Santa Catarina, para vender artigos de couro no mercado informal.
O motorista do caminhão, Silvan Florentino Coutinho, 23 anos, e o agenciador dos trabalhadores, Denys Lucena de Araújo, 24, foram detidos e levados à 1.ª Delegacia da PRF, em Colombo, acusados de maus-tratos, trabalho escravo e infração do Código de Trânsito Brasileiro.
Multas
O Ministério Público do Trabalho (MPT) não configurou o transporte como trabalho escravo. De acordo com Rui Alberto Ecke Tavares, auditor fiscal do Ministério do Trabalho, o agenciador vai responder por emprego de trabalho infantil, manutenção de trabalhadores sem registros e transporte de trabalhadores de forma irregular.
Segundo ele, serão emitidas multas, mas não é prevista prisão. Já o motorista, de acordo com o inspetor Fabiano, da PRF, será multado por transporte irregular de passageiros em veículo de carga.
O grupo, com suas mercadorias, foi encaminhado pelo MPT ao Fundo de Ação Social (FAS), para retornar à Paraíba. De acordo com o auditor, o MPT conseguiu, com o apoio de centrais sindicais da capital, arcar com o transporte dos trabalhadores à terra natal.
“Para quem não tem nada, é um luxo”
Fábio Alexandre |
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Viajantes não se importavam com as condições do transporte. |
Apesar das condições lastimáveis em que os trabalhadores viajavam, nenhum dos 34 homens reclamou do tratamento oferecido pelo agenciador. Um deles, Cleber da Silva Pereira, 26 anos, admitiu que a viagem é desgastante, mas precisa do trabalho porque está desempregado na Paraíba.
Ele afirmou que a despesa do transporte é dividida entre eles e que, ao chegar no destino final, as mercadorias são separadas. “A partir daí, cada um se vira e vende seus produtos.
Tem gente que chega a receber mais de R$ 1 mil, já descontando os gastos com alimentação, estadia e transporte. Nunca conseguiríamos isso trabalhando em Patos”, declarou.
Volta
“Quando acabam as mercadorias, cada um volta como quiser, até de avião. Daí pagamos nossas contas, aproveitamos o que sobra do dinheiro, e descansamos para o próximo trabalho”, disse Cleber, que é recrutado para duas a três viagens por ano. “Para quem tem condições, isso pode parecer humilhante, mas para quem não tem nada, é um luxo”, afirmou.
Uma viagem de cão
O caminhão, Mercedes-Benz 710 placa JJB-7238, partiu do Nordeste na madrugada de segunda-feira para uma viagem de aproximadamente 3,5 mil quilômetros até a cidade catarinense. No baú do veículo, 34 homens, entre 14 e 40 anos, se “acomodavam” em um espaço de 13 metros quadrados, metade destinado às mercadorias (bolsas, carteiras, chapéus, cintos).
Quando o caminhão se aproximou da barreira, os policiais suspeitaram da placa de outro estado e o abordaram. “Abrimos o baú e nos deparamos com uma cena deplorável. A condição dos trabalhadores era degradante”, surpreendeu-se o chefe de operação da PRF, Marcelo Cidade.
Além do espaço apertado onde os homens viajavam, o forte cheiro no interior do baú e a falta de comida revelavam o tratamento desumano. Eles viajavam aglomerados uns sobre os outros, em redes e colchões.
Vendas
De acordo com o policial Cidade, o objetivo da viagem era levar os homens até Chapecó, onde ficariam de três a quatro meses, vendendo os produtos de couro. O acerto entre os trabalhadores e o agenciador era que cada contratado receberia uma pequena porcentagem (cerca de 20% a 30%) do valor arrecadado com as vendas.