Fim do misterioso caso do apartamento 302

Foi por um triz que o segurança Peter dos Santos Bicalho, 26 anos, não se livrou da acusação de ter matado por estrangulamento a estudante Carina Munhak Peligrinello, 23, no interior do quarto 302 do Hotel Rheno, no Centro de Curitiba.

O crime aconteceu em 2 de julho de 2004 e o acusado foi levado a julgamento na quinta-feira passada. O conselho de sentença, formado por cinco mulheres e dois homens, condenou-o (por quatro votos a três) pelo homicídio e pelo furto do carro da vítima.

No entanto, os mesmos jurados não consideraram o agravante de o crime ter sido cometido por meio cruel, o que obrigou a juíza Fernanda Karan Sanches a amenizar a pena.

No final das contas, Bicalho saiu algemado do tribunal, em direção ao Centro de Triagem II, em Piraquara, com uma condenação de 9 anos e 3 meses de reclusão. Se o agravante fosse considerado, a pena deveria girar entre 12 e 30 anos.

Na cadeia por uma acusação de furto respondia pelo homicídio em liberdade -, Bicalho chegou ao Tribunal do Júri escoltado por policiais militares, vestindo camiseta branca, calça cinza e chinelo preto (uniforme da prisão).

Vinte quilos mais magro do que quando entrou na cela, seus 2 metros e 8 centímetros de altura não ficaram tão evidentes no Tribunal. Quem o via, sentado ao lado de seu defensor Matheus Gabriel Rodrigues de Almeida duvidava que o rapaz com jeito de bom moço fosse capaz de matar alguém.

E bem que ele se esforçou para convencer os jurados, durante o interrogatório, de que não tinha cometido crime algum. No entanto, confundiu-se e se contradisse algumas vezes, o que levou por água abaixo o trabalho da defesa, cuja tese era de negativa de autoria.

Manchetes

O assassinato, na época, ganhou as manchetes como o “Mistério do 302”, pois reunia ingredientes dignos de um filme policial. Carina, uma bela jovem, loira e siliconada, usando roupas de grife, casada e mãe de dois filhos, não deveria estar em um hotel de alta rotatividade, usado por prostitutas do anel central, cujo valor do quarto era de R$ 17,00 por duas horas de uso (hoje o mesmo período está custando R$ 23,00). O corpo foi encontrado por uma camareira, que estranhou o rádio em volume alto e o fato de ninguém atender o interfone.

A polícia começou a investigação já no local, mas foi no Instituto Médico-Legal, quando encontraram a multa aplicada em um Corsa (placa AKU-8812) no bolso do macacão cinza que a vítima usava, que chegaram ao marido dela, Adriano Peligrinello.

Ele identificou o corpo no IML, providenciou o sepultamento e prestou longo depoimento à polícia, contando detalhes da vida da mulher, que poderiam ruborizar atrizes de filme pornô.

Carina sofria de distúrbios emocionais e, por conta da doença, vivia de forma inconseqüente e vulgar. Foi perdoada inúmeras vezes por Adriano, que queria manter o casamento porque a amava (conforme declarou no Tribunal), e pelos filhos.

Ele, que a princípio chegou a figurar como suspeito, convenceu a polícia e a família de que nada tinha a ver com o crime. No máximo, era vítima de uma traumática situação criada pela mulher.

Aventura fatal

Fábio Alexandre
Peter Bicalho foi condenado a 9 anos e 3 meses de reclusão.

Peter dos Santos Bicalho havia conhecido Carina Munhak Peligrinello meses antes, apresentados por uma amiga em comum. Sentiram atração física, passaram a se encontrar e, segundo o acusado, ficaram amigos.

Por duas vezes ele a internou em clínicas para atendimento de drogaditos (consta que a jovem usava cocaína); levou-a para morar por alguns dias em sua casa, no Tatuquara, e sempre que ela o procurava, estava disponível para ouvir suas lamúrias ou para uma transa.

Apesar de tudo, diante dos jurados, Bicalho jurou de pé junto que nunca se apaixonou por Cari,na, porém a tinha como uma grande amiga. Em sua defesa, contou que foi ao hotel com a jovem, naquela noite, participando de uma trama montada por Adriano, que havia descoberto um novo amante da mulher, e este pretendia lhe tirar os filhos e algum dinheiro.

Revoltado, Adriano se uniu ao antigo rival, pedindo que levasse Carina ao hotel de viração e na hora da transa deixasse a porta do quarto aberto para que um fotógrafo os flagrasse.

As fotos seriam então usadas num processo de divórcio em que ela não teria chances de ficar com as crianças. Mesmo se dizendo amigo da vítima, Bicalho topou a empreitada, pela qual recebeu como pagamento o Corsa dado por Adriano a Carina.

Segundo Bicalho, tudo saiu conforme o combinado. Ele deixou o quarto nu, tão logo o fotógrafo entrou. Vestiu-se no corredor e foi embora. Depois disso alguém teria entrado no 302 e matado a mulher. É claro que Adriano desmentiu tudo.

Uma semana depois, Bicalho foi preso em casa, com o carro da vítima em sua garagem. Nunca admitiu ter praticado o crime, mas também nunca conseguiu provar que não era o autor.

Pelo sim, pelo não, foi condenado a uma pena pequena, por quatro votos a três, indicativo que até mesmo os jurados ficaram em dúvida. Ao que parece, mesmo depois do julgamento do acusado, o mistério do 302 persiste. Só mesmo Carina e o assassino é que poderiam esclarecê-lo.