Por muito pouco, familiares do pedreiro José Martins Gutz, 48 anos, morto num atropelamento no último domingo, não caíram num duplo golpe. Um estranho procurou a família, informando sobre a morte de José e se prontificando a ajudar com todos os trâmites necessários para o funeral.
Além de quase conseguir documentos do morto para dar entrada no DPVAT (Seguro Obrigatório de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre) – e provavelmente ficar com o dinheiro -, ele também estaria tentando persuadir a família para realizar o sepultamento com a funerária na qual ele trabalha.
Os familiares – que preferiam não divulgar os nomes – contaram que deram falta de José no início da tarde de segunda-feira. O pedreiro saiu de casa de bicicleta para trabalhar, no domingo à noite, e foi atropelado por volta das 19h30 na BR-277, Guatupê, em São José dos Pinhais, próximo de sua casa.
O veículo atropelador fugiu e não foi identificado. Uma tia de José chegou a ver a notícia do atropelamento na televisão, mas apesar de ter tido uma sensação estranha no momento, não reconheceu a vítima pelas imagens.
Como José costumava passar cerca de três ou quatro dias direto fora de casa, dormindo nas obras em que trabalhava, a família não se deu conta do sumiço. Na segunda-feira, após o almoço é que o patrão de José apareceu e disse que o pedreiro não tinha ido trabalhar.
Mal o patrão foi embora, um homem chegou até a casa da família, contando do acidente e prontificando-se a ajudar com todos os procedimentos necessários para o enterro.
Ajuda
O estranho levou a família ao Instituto Médico-Legal (IML) para reconhecer o corpo. Depois carregou todos em seu carro até o Boa Vista, em Curitiba, buscar documentos do morto na casa de outra parente.
Foi neste momento que ele pediu os documentos, dizendo que ia dar entrada no DPVAT. “Ele falou que daria o dinheiro do seguro para nós e depois, quando saísse a quantia, daríamos para ele de volta”, contou uma parente de José.
Com isso, a família desconfiou que o homem quisesse os enganar. Meio perdidos por conta do momento de dor, até então a família não havia perguntado quem era o estranho, pensando que fosse alguém ligado ao patrão de José. Muito menos o homem tinha se identificado até aquele momento. Se resumia a apenas responder às perguntas da família.
Agenciador
Foi aí que uma pessoa mais esclarecida entre os parentes descobriu que tratava-se de um agente funerário. Em Curitiba e região metropolitana, persuadir famílias para preferir os serviços de uma determinada funerária é crime.
Segundo determina a lei, os parentes dos mortos têm que obrigatoriamente passar por um sorteio junto ao Serviço Funerário Municipal, para ver qual funerária irá realizar o serviço. A regra só é uma exceção para quem já possui um plano funerário.
Como os parentes do pedreiro disseram que não precisariam mais dos serviços do homem -pois já tinham um plano de assistência funeral – dispensaram os serviços dele. Mesmo assim, o estranho ainda cobrou R$ 50,00 pelo trabalho que já tinha prestado até ali.
Como a família só conseguiu juntar R$ 20,00 que tinham nas carteiras no momento, o serviço ficou por esse preço mesmo. Antes de sair, o agente ainda deixou um número de celular falso, que os parentes do pedreiro ligaram depois e ouviram a gravação de “número inexistente”.
“Agora eu quero saber como é que ele conseguiu identificar o José, descobrir nosso endereço e ir lá bater na nossa porta? Ele tentou explicar que o José tinha um número de celular no bolso e que como o José era amigo de um amigo dele, descobriu o endereço. Conversa fiada! Agora que desconfiamo,s do golpe e o dispensamos, temos medo de represálias”, contou uma das parentes.
Prefeitura alerta população
Leonardo Coleto
Para evitar esse tipo de golpe que quase atingiu a família de Gutz, a Prefeitura de Curitiba está, desde o começo de março, trabalhando na divulgação de como a população deve proceder em caso de morte sem ser abordada e enganada por falsos agentes funerários.
Para o diretor do departamento de Serviços Especiais da Prefeitura de Curitiba, Augusto Canto Neto, essa ação é mais comum do que se parece. “É incrível a quantidade de pessoas que chegam ao Serviço Funerário Municipal (SMF) já acompanhadas de agentes funerários. Quando são atendidos pelos funcionários da prefeitura, eles descobrem que não precisarão pagar tudo aquilo que a funerária já havia lhe passado”, conta.
Procurar imediatamente o serviço funerário da prefeitura é a ação mais indicada pelo diretor. “A família não pode, em hipótese alguma, ser abordada por agentes antes de passar pelo SFM, nem em hospitais e muito menos no IML. No SFM é feito o sorteio randômico entre as 21 funerárias cadastradas pela administração. Quando sorteadas, elas ficam responsáveis pela prestação dos serviços à família, que, por sua vez, não fica obrigada a aceitar tudo aquilo que é oferecido pela empresa”, diz Canto Neto.
De acordo com o presidente do Sindicato dos Estabelecimentos dos Serviços Funerários do Paraná (Cessepar), Gelson Miguel, identificar os agenciadores torna-se difícil por conta da forma como eles agem.
“O próprio caso já aponta, é muito difícil combater essa atuação. Eles acham as famílias onde elas estiverem e conseguem, por conta da dor do momento, abusar e enganar os mais próximos da pessoa que morreu”, explica.
Banners e folders explicativos fazem parte da solução encontrada pela prefeitura para o problema dos agenciadores. “O Ippuc (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba) já está trabalhando num projeto de sinalização para alertar as pessoas. As funerárias não podem induzir a população”, alerta. O serviço funerário de Curitiba fica na Praça Padre Souto Maior, s/n, no São Francisco.
Se você for abordado por agentes funerários em local diferente do serviço público municipal, denuncie pelo telefone (41) 3324-9313.