A seqüência de informações contraditórias quanto à saída de Vicente de Paula Ferreira da Casa de Custódia de Curitiba (CCC), para uma audiência na Polícia Federal, tumultua ainda mais os dias que antecedem o novo julgamento de Celina e Beatriz Abagge. Vicente foi condenado pela participação na morte de Evandro Ramos Caetano, ocorrida em abril de 1992, em Guaratuba, crime pelo qual mãe e filha voltarão a júri no dia 17 de novembro.
A entrevista coletiva dada à imprensa no final da tarde de domingo, na casa de Celina e Beatriz, foi o ponto de partida para as contradições. Na presença do advogado de mãe e filha, Osman de Oliveira, e do defensor de Vicente, Haroldo César Náter, a mulher do preso, a estofadora Ana Lúcia Soares Colare, 38, denunciou que seu marido foi levado clandestinamente à Polícia Federal. Lá, o delegado da PF Rogério Pereira da Costa teria lhe proposto a delação premiada (quando o réu recebe benefícios por delatar outros acusados) caso afirmasse que as Abagge seriam as responsáveis pelo desaparecimento de Leandro Bossi, ocorrido em 1992, também em Guaratuba. Vicente também receberia novos documentos de identidade para deixar o Estado.
Defesa
Mediante a denúncia, a Secretaria da Justiça e da Cidadania forneceu documentos à reportagem da Tribuna, comprovando que Vicente deixou a Casa de Custódia de Curitiba depois de receber uma intimação do Juiz de Direito da Vara da Corregedoria dos Presídios de Curitiba, Márcio José Tokars. Além disso, o diretor da unidade prisional, José Luís Silva Ribas, afirmou que Vicente foi levado sob escolta de policiais militares até a sede da PF, situada na Rua Dr. Faivre, por determinação judicial. Na ocasião, outros três presos foram levados no mesmo veículo para outros locais de praxe, deixando a Casa de Custódia às 7h30 e retornando às 12h30. "Toda a movimentação de preso é registrada no Sistema de Informações Penitenciárias (SPR), com acesso, inclusive da Vara de Execuções Penais. Todo o procedimento ocorreu de forma legal", afirmou Ribas.
O diretor também apresentou uma declaração assinada por Vicente, e atestada por três testemunhas (advogada do Estado, psicóloga e secretaria relatora da unidade penal) em que o detido afirma ter conversado com sua esposa, pedindo apenas para que ela avisasse seu advogado sobre a audiência que teve. Vicente negou ter dito que sofreu qualquer tipo de agressão, coação ou ameaça pelo delegado da PF. "Iremos convidar a esposa de Vicente para prestar declarações sobre o fato ocorrido, e caso seja comprovado que ele divulgou esta falsa informação, será aberto um procedimento disciplinar, baseado no Estatuto Penitenciário do Estado do Paraná. Vicente poderá ser punido com sanções que variam entre o grau leve, médio ou grave", disse Ribas.
Por outro lado, a mulher de Vicente entregou para as Abagge e para os advogados a camisa que usava no dia em que visitou o marido na cadeia. Nela, o próprio Vicente escreveu com caneta azul a seguinte informações: "Delação premiada. D. Rogério. Entre 7 Set. Visc Guarap (sic)." Ele, que não tinha um pedaço de papel no momento para escrever, queria que Ana Lúcia contasse ao seu advogado o que havia ocorrido e fez a anotação para a mulher não esquecer do que se tratava. Ainda na declaração que assinou dentro da cadeia, Vicente não desmentiu que tenha sido "convidado" a delatar as Abagge em troca de redução de pena, nem confirmou.
O defensor de Vicente contentou a veracidade da declaração assinada por ele no presídio, uma vez que não esteve junto com seu cliente, na manhã de ontem, na sala de supervisão do conselho disciplinar da Casa de Custódia. "Ele assinou esta declaração porque estava com medo", disse Náter.
PF
Na ausência do delegado Rogério, da Policia Federal, o delegado Alcyon Dalle Carbonare confirmou a existência de um inquérito na PF que apura o desaparecimento de Leandro Bossi e de Evandro Ramos Caetano. "Vicente não veio com o advogado porque não o avisou. Além disso, ele poderia ter se reservado ao direto de falar apenas na presença de seu defensor", disse Alcyon.
Mais uma vez Haroldo questionou a intimação entregue pelo Juiz. "Ele deve ter recebido essa intimação pouco antes de ser levado à PF, sem ter tido tempo de me avisar. Nunca soube que Vicente tinha sequer um inquérito aberto na Policia Federal", disse Aroldo.