Aliocha Maurício
Ana Cláudia Machado,
delegada do Nucria.

As confissões de dezenas de crimes de violência sexual praticados pelo maníaco José Airton Pontes, 49, nos últimos 34 anos, certamente deixaram seqüelas irreversíveis nas vítimas. Estudos comprovam que crianças violentadas necessitam com urgência de tratamento psicológico, uma vez que correm o risco iminente de cometerem o mesmo crime quando adultos.

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Segundo José, foi na adolescência que ele cometeu os primeiros abusos sexuais. Entre os 15 e 16 anos o maníaco confessou ter violentado pelo menos oito meninos. A data dos crimes indica que as vítimas do maníaco, que sobreviveram à violência, tenham hoje mais de 40 anos.

Prestes a completar 50 anos, José confessou ter violentado 25 crianças, deixado três desacordadas e outras duas mortas. O agravante é que provavelmente muitas delas não tiveram acompanhamento psicológico, levando o trauma para o resto da vida. De acordo com a delegada Ana Cláudia Machado, titular do Nucria -Núcleo de Proteção a Criança e ao Adolescente, caso uma criança molestada não seja submetida a uma terapia, ela pode reproduzir a violência sofrida, fato conhecido popularmente como

"Teoria do Vampiro".

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"Essas crianças geralmente tornam-se adultos agressivos, podendo até mesmo se tornar abusadores. As vítimas também ficam com a auto-estima baixa e na vida adulta têm muitas dificuldades de se relacionar e se inserir no mercado de trabalho", diz a delegada, lembrando que o Nucria geralmente encaminha as crianças para tratamento psicológico após o registro das ocorrências.

Segundo o Ministério de Desenvolvimento Social (MDS), crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual podem ter uma visão muito diferente do mundo, principalmente se a violência acontece dentro de casa. Nestes casos as crianças sentem-se traídas e têm dificuldades em confiar nas pessoas ao seu redor. A informação é comprovada pela delegada, que afirma que 80% dos casos registrados no Nucria são de vítimas violentadas pelo padrasto ou companheiro da mãe. Esta, por sua vez, passa a ter raiva da criança, não acredita nela e dificilmente procura a polícia. "Ficamos sabendo destes casos através dos postos de saúde da rede pública, da creche ou da escola que percebem a violência e a denunciam", conta Ana Claudia.

Vergonha

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Quando o criminoso não está inserido no ambiente familiar, muitas crianças se calam por medo ou vergonha e não contam aos pais o abuso sofrido. De acordo com o MDS, a mudança repentina de comportamento da criança ou adolescente pode indicar uma situação de violência sexual, mas os sinais emocionais, ao contrário dos físicos, são mais difíceis de serem identificados.

O agravante é que, segundo a delegada Ana Cláudia Machado, muitas vezes o abuso sofrido não deixa marcas físicas. Por isso a delegacia conta com uma investigadora que é psicóloga. "Através de testes, desenhos e brinquedos a psicóloga consegue diagnosticar se a criança sofreu violência sexual, pois muitos abusos são atos libidinosos, como o sexo oral, que não deixam marcas no corpo", explica a delegada.

Por fim, o MDS lembra um fato importante: não são apenas as crianças, mas também a sociedade que sofre com os crimes, uma vez que como a maioria dos casos não são denunciados os agressores não são punidos. Com isso, geralmente, continuam a praticar mais crimes em liberdade.

600 crimes contra crianças

Desde outubro de 2004, quando o Nucria – Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente, começou a funcionar, a delegacia já registrou mais de 600 boletins de ocorrência referentes à violência cometida contra crianças e adolescentes, com idades entre 6 e 18 anos incompletos. Dos crimes mais freqüentes – que incluem violência sexual, lesão corporal e maus-tratos – atentado violento ao pudor é o que está no topo da lista.

De sua criação, até os primeiros dias deste mês, o Nucria registrou 150 casos de atentado violento ao pudor e abriu 86 inquéritos policiais. Os estupros somam 70 ocorrências e 16 inquéritos. A delegada Ana Cláudia Machado diz que os números são baixos se comparados aos casos. "Estudos indicam que, de cada 20 casos ocorridos, apenas um é denunciado", explica.

Os crimes que chegam até a polícia referem-se a vítimas de classe baixa, apesar de ocorrerem com a mesma freqüência em famílias mais abastadas. "As vítimas de classe média e alta preferem colocar uma pedra em cima do assunto, porque os pais não querem se expor ou expor os filhos. Isso apenas aumenta a impunidade", finalizou a delegada.