Camões diz: ?Amor é fogo que arde sem se ver?, em um de seus mais famosos poemas. Bem longe da literatura, em uma realidade dura e nada romântica, dois casais conhecem de perto esse fogo. Márcia Mello Oliveira, 33 anos, e a irmã dela Priscila Aparecida Ribeiro, 22, foram presas com seus companheiros, há três meses e duas semanas. Desde então, encontraram-se apenas uma vez, no Fórum Criminal, mas puderam trocar qualquer palavra. Marcos César Alves Vogt, 26, marido de Márcia, e Valnei Costa Freire, 24, namorado de Priscilla, estão recolhidos na carceragem do 11.º Distrito Policial (CIC). Elas estão há dez quilômetros de distância, numa cela do 9.º DP (Santa Quitéria). Este será o primeiro Dia dos Namorados que passarão separados.
A vida dos dois casais virou de pernas para o ar em 24 de fevereiro, quando foram presos, acusados de integrar uma quadrilha que distribuía drogas em presídios. O quarteto garante inocência. Dizem ter sido vítimas de uma armação e que nenhum entorpecente foi encontrado com eles. A partir daquele dia, Márcia e Marcos, que estavam juntos há seis anos, estão separados. O filho deles – de 1 ano e nove meses – ficou com a mãe de Márcia, que também cuida do filho de Priscilla e Valnei, de apenas 8 meses.
Cartas
É por cartas que eles se comunicam, contam como estão e expressam o amor que sentem. O dia mais esperado por Priscilla é a segunda feira, quando as correspondências chegam ao 9.º DP. ?Fico eufórica. Se ele não me escreve viro uma fera?, conta ela, que costuma mandar pelo menos uma carta por semana a Valnei. E foi através do papel que ela recebeu uma das melhores notícias de sua vida. ?A gente já morava junto e eu queria oficializar a relação. Ele sempre me enrolava. Depois que fomos presos ele escreveu me pedindo em casamento?, revela orgulhosa. Ciumenta, diz que por um lado é bom saber que o marido também está recluso. ?Se eu estivesse aqui e ele na rua ia ficar louca?, diz sorrindo.
Para as irmãs, à noite é o horário em que mais sofrem. ?A gente vê novela e quando passa uma cena romântica nós duas choramos. A saudade dói e o jeito é reler as cartas?, conta Márcia. Sobre o que mais sentem falta, ambas dizem que é justamente do que muitos casais reclamam: a rotina. ?A gente costumava jogar o colchão no chão da sala e passar as tardes de sábado assistindo filme com nosso filho?, lembra Márcia, com os olhos marejados. Já Priscila, mais bem humorada, revela: ?Sinto falta até das brigas?.
Eles
No 11.º DP, quando receberam uma carta de amor das mulheres, Marcos e Valnei revelaram o que sentem. ?Eu sou louco por ela.Depois que vim pra cá passei a amá-la ainda mais. Escrevo toda a semana. Fico preocupado e quero saber como ela está?, salienta Marcos. Valnei também gostou de ganhar a carta da namorada e disse que vai cumprir o prometido. ?Agora que estou longe da Priscilla dei o devido valor a ela. Arrependo-me de não tê-la feito mais feliz quando estávamos juntos. O casamento vai acontecer quando a gente sair?, afirmou.
Mesmo sabendo que a mulher está presa, Marcos confessa que sente ciúmes e queria saber se elas têm fotos de homens pelados na cela, como acontece com os homens, que colocam fotos de mulheres nuas nas paredes.
Os casais revelaram que sentem falta dos carinhos e de sexo. Elas dizem que é uma sensação horrível e eles revelaram até mesmo situações engraçadas. ?É terrível dormir e acordar ao lado de um homem. As vezes falamos dormindo, achando que é a esposa que está ali. Já aconteceu de um pegar no pé do outro achando que é o pé da mulher?, confidencia Marcos, rindo.
Márcia, Marcos, Priscilla e Valnei ainda não sabem quando deixarão as celas, mas têm certeza de que a distância e a saudade não vão alterar o amor que sentem.
?Senhor e senhora Amaral?
No 6.º Distrito Policial (Cajuru), o amor está do lado de fora da carceragem. Separados por um lance de escada, a investigadora Francys Loo Siqueira, 33 anos, e o superintendente Carlos Alberto Amaral, 42, escrevem a cada dia um capítulo diferente de sua história. Casados há dois anos e meio e apesar de estarem juntos as 24 horas do dia, a rotina está longe de desgastar a relação. Parceiros na vida pessoal e na profissão, Fran e Amaral já perderam as contas de quantas criminosos prenderam juntos.
Eles se conheceram num curso na Escola da Polícia Civil. Foram trabalhar na mesma delegacia. No combate ao crime, surgiu a admiração e a paixão. Antes que o romance fosse oficializado, ela ?engoliu alguns sapos?. ?Tinha muita mulher que dava em cima dele, como parentes de presos, advogadas e até mesmo jornalistas. Mas sempre mantive a classe. Não dava para misturar as coisas?, conta.
Hoje, uma foto do casal na sala de Amaral dá o recado de que ele não está solteiro. O policial também não descuida da esposa. De salto fino, bem vestida, maquiada e com bijuterias, a morena simpática de olhos azuis enche de charme a delegacia. ?O bom de trabalhar junto é que eu posso ficar de olho nela?, brinca Amaral.
Para ?Fran?, como ela é carinhosamente chamada, o fato de trabalhar com o marido a faz sentir mais protegida. Para Amaral, há a vantagem de atuar com a parceira de sua maior confiança.