Nesta semana, um novo capítulo do Estatuto do Desarmamento será escrito no Brasil. A Medida Provisória (MP) 379, que deverá ser votada no Congresso Nacional, traz várias mudanças no estatuto que o tornariam mais flexível ao recrudescimento das leis ?anti-armamento?. A MP, entre outros pontos, inseriria duas categorias novas para porte de arma, acrescentaria novas categorias de órgãos públicos nas quais menores de 25 anos poderiam adquirir armas de fogo, e ainda eliminaria requisitos de comprovação de teste de tiro e de teste psicológico. Diante dessa nova discussão vem à tona um assunto que pode, ainda, causar muita polêmica: existe relação entre a quantidade de armas de fogo e o número de homicídios?
Alguns estudos dizem que sim. Um deles é o chamado Vidas Poupadas – Impacto do Desarmamento no Brasil – 2004, realizado pela Unesco. O estudo mostra que depois do surgimento do Estatuto do Desarmamento a quantidade de mortes por armas de fogo no País diminuiu 8,2%, comparando os anos de 2003 e 2004. Enquanto em 2003 aconteceram 39.325 mortes deste tipo, em 2004 foram 36.119. ?O único fato significativo que permite explicar essa queda, depois de anos a fio de incrementos constantes, é o Estatuto do Desarmamento?, diz o texto da pesquisa. O estudo coloca o Paraná numa posição ruim no ranking brasileiro: juntamente com o Espírito Santo, no Paraná não houve queda da letalidade no período. A reportagem não tem como comprovar isso com dados estatísticos do Estado, uma vez que a Secretaria de Estado de Segurança Pública não os fornece. Mas, de acordo com a pesquisa da Unesco, houve um aumento de 1,7% no número de óbitos por arma de fogo nesse período (comparação feita no estudo entre o número de óbitos previstos e registrados).
Entre os especialistas, a opinião sobre a relação existente entre quantidade de armas e homicídios diverge. Para o sociólogo e coordenador do Grupo de Estudos da Violência da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Pedro Bodê, a relação é irrefutável. ?Onde existem mais armas é maior a probabilidade de haver mais homicídios e suicídios?, afirmou. Visão compartilhada pelo coordenador de Políticas de Controle de Armas do Instituto Sou da Paz, do Rio de Janeiro. ?O Estatuto diminuiu a possibilidade de ocorrerem os crimes banais, como aqueles em brigas de famílias, de trânsito, muito comuns no Brasil?, analisou. Já na avaliação do especialista em segurança pública e presidente do Movimento Viva Brasil, Benê Barbosa, o fato de existirem mais armas não interfere no número de mortes. ?Fizemos pesquisas que apontaram que no Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, por exemplo, onde há proporcionalmente mais armas legalizadas, havia menos registros de homicídios?, disse.
Diagnóstico do problema é complexo
Para muitos estudiosos, o assunto segurança pública, ainda mais quando se fala em homicídios, não parece ser algo muito fácil de se discutir. As dúvidas no que dizem respeito à facilitar ou não o acesso às armas, à relacionar o número de mortes com a quantidade de armas existentes, ou, ainda, atribuir causas ou soluções para o problema do grande número de homicídios no País não são tarefas fáceis.
O pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP) e assessor de Projetos do Instituto São Paulo contra a Violência, Marcelo Nery, disse que se deve analisar um conjunto de fatores, entre eles econômicos, sociais e educacionais, para só então arriscar fazer um diagnóstico do problema. ?Certas características num ambiente não vão causar os mesmos índices de violência em outros. Não é possível afirmar categoricamente que a criminalidade cresce por determinado motivo?, afirmou. (MA)
Recadastramento prorrogado
A reportagem de O Estado procurou a Polícia Federal no Paraná (PF) para verificar como anda o desarmamento no Estado, mas não obteve retorno do órgão. Em junho deste ano, a PF havia informado a O Estado que não há uma estatística fiel que indique a quantidade de paranaenses que possuem armas de fogo. Mas considerando o Sinarm (Sistema Nacional de Armas), de 1980 até o mês de julho deste ano haviam sido cadastradas pouco mais de 215 mil armas no Paraná, incluindo aquelas apreendidas com bandidos. Até este mesmo mês, a PF no Paraná já havia recadastrado 21.658 armas, o que significa que havia esta quantidade de armas legalizadas no Estado e que ainda faltava muito para que o recadastramento fosse finalizado (o prazo, que terminaria em julho, foi prorrogado até dezembro).
Para se ter uma idéia do impacto do uso de armas no Paraná, somente o Corpo de Bombeiros já atendeu, neste ano, 2003 casos de ferimentos por arma de fogo no Estado, a maioria em Curitiba e Foz do Iguaçu, região oeste.
Com relação ao Brasil, uma pesquisa realizada este mês pela Small Arms Survey (centro de pesquisa do Instituto de Altos Estudos Internacionais de Genebra) apontou que o País possui o 8.º maior arsenal de armas leves no mundo (pistolas, revólveres e espingardas). Segundo a pesquisa, seriam 15,3 milhões de armas. A mesma pesquisa fez uma relação com esse número e a quantidade de homicídios. Segundo a Small Armas, este tipo de crime triplicou em 20 anos: eram sete por 100 mil habitantes, em 1982 e passaram para 21 em 2002.
O chefe do Estado Maior da Polícia Militar, coronel Roberson Bondaruk, acredita que a população deve ser desarmada, uma vez que grande parte dos homicídios acabam ocorrendo por acidente dentro de casa, até mesmo envolvendo crianças. ?Uma arma aumenta o fator de risco, causa uma falsa sensação de segurança?, opinou. (MA)
