Era manhã de 2 de dezembro de 1999. As promoções para o Natal estavam sendo anunciadas nas emissoras de TV e de rádios. Orlinda de Lima Leonardo levantou-se cedo e dirigiu-se à delegacia de polícia de Almirante Tamandaré, para registrar queixa de desaparecimento do marido, o pintor de paredes João Antônio Leonardo. O filho e a enteada dele já haviam feito buscas por todos os cantos, inclusive em casa de parentes em Santa Catarina. Não havia nenhuma pista. Foi lavrado boletim de ocorrência (BO) 1708/99.
A mulher esperou pacientemente sua vez de ser atendida. Contou ao policial do plantão que João Antônio havia saído de casa na noite de 27 de novembro, por volta das 22h30, dizendo que iria comprar alguma coisa, e não mais retornou. No dia seguinte, um domingo, teria telefonado para ela, avisando que logo retornaria. Mas não apareceu. Orlinda fez questão de revelar, já no registro da queixa, que tinha um amante chamado Ademir, com quem se relacionava há 7 anos, e que ele havia recentemente brigado com o marido dela, fazendo ameaças de morte. Para dar credibilidade à sua história, chegou, inclusive, a descrever as roupas que João usava quando sumiu: calça social, camisa bege e sapatos.
Orlinda, seu maior trunfo foi acusar Ademir. |
Diante da denúncia da suposta ameaça feita por Ademir, os poucos policiais da deficiente delegacia de Tamandaré – que não tinha efetivo, viaturas nem combustível – iniciaram algumas investigações, sem sucesso. Ademir é ouvido, confirma que teve um caso com Orlinda (só por cinco meses, segundo sua versão) e nega ter ameaçado o amigo.
Depois do Natal e da virada do ano, já quase em final de janeiro de 2000, sem que nada se soubesse do paradeiro de João Antônio, Orlinda foi novamente ouvida na delegacia. Desta vez falou bem mais. Contou que tinha uma filha (de 17 anos) com outro homem e que o desaparecido era pai de seu filho (de 20 anos). Narrou que ambos tinham relacionamentos fora do casamento e que seu último amante, Ademir, havia lhe abandonado logo depois do sumiço do marido. Disse também que possuía uma arma – uma pistola automática 6.35 – para sua defesa, uma vez que já tinha sido assaltada. Dias depois, Edison Leonardo, filho de João, também é ouvido e confirma que o pai era alcoólatra e que o casamento dele com a mãe era apenas de aparência.
João Antônio morava nesta casa com Orlinda. Foi no porão, embaixo
da cozinha, que seu corpo foi enterrado.
O mistério continua
Neiva, largou o trabalho pra ajudar marido preso. |
Fevereiro irrompe no calendário e todos se preparam para o Carnaval. Nenhuma pista de João Antônio. O filho e a enteada dele dão prosseguimento aos seus afazeres, cismados com o que poderia ter acontecido. Em casa, a vida continuava normalmente.
Orlinda às vezes saía sem dizer onde ia e voltava sem dar satisfações.
Mal cumprimentava os vizinhos e, quando em casa, trancava-se na moradia, sem dar papo a ninguém. Vez por outra, ela fazia uma limpeza no terreno, juntava galhos e folhas e ateava fogo. Também se preocupava em jogar desinfetante na fossa, para disfarçar o mau cheiro.
O delegado de Almirante Tamandaré, Rogério Antônio Heisi, pede ajuda ao divisional Paulo Castro Neto, seu superior em Curitiba, chefe da Divisão de Polícia Metropolitana.
João, a vítima de um mistério não desvendado. |
No dia 9, Castro Neto encaminha um ofício para Carlos Letorles, chefe de transportes da Secretaria Municipal de Administração de Curitiba, pedindo que encaminhe Ademir à sede da Divisão, na Rua José Loureiro, às 10h do dia 14, para novo interrogatório sobre o sumiço de João.
Ademir foi. Outra vez confirmou que conhecia o desaparecido e que tinha tido um caso com a mulher dele, mas que não a via desde 8 de setembro de 1999. Negou que tivesse ameaçado João Antônio no pátio do local de trabalho e revelou que tinha um revólver calibre 38, Taurus, com porte e registro. O delegado, naquela ocasião, lhe perguntou se havia matado João. Ademir foi categórico: ?não matei?.
*Na edição de amanhã, a revelação de como o corpo de João Antônio foi encontrado e a prisão dos suspeitos.