Quatro garotos que acompanhavam o estudante Anderson Forese de Oliveira, 18 anos, foram ouvidos ontem na Delegacia de Homicídios. Anderson foi morto por policiais militares do serviço reservado do 13.º Batalhão, com um tiro na cabeça, às 2h15 da madrugada de sábado, quando pichava o muro de uma empresa de ônibus na Avenida Marechal Floriano Peixoto, Parolin, junto com um garoto de 16 anos. Os policiais Afonso Odair Konkel e Nilton Hasse alegaram que os dois garotos reagiram a prisão e houve troca de tiros. Os menores contestam a versão da PM e alegam que não existia arma e o tiro foi à queima-roupa.
Depoimentos
A.R.N.D.T., 16 anos, contou que ele e Anderson estavam pichando o muro da empresa de ônibus e os outros quatro amigos estavam vigiando, para que a polícia não os flagrassem. De repente encostou um Corsa prata (uma viatura descaracterizada) e desembarcaram dois homens. “Eles disseram: `polícia’ e mandaram encostar no muro”, relatou o menor. Ele disse que os policiais o afastaram de Anderson e cada um deles revistou um dos estudantes. “Eu estava longe dele, mas vi tudo. O policial começou a revista pelos pés. Depois ouvi um estampido. Pensei que a bala era de borracha, mas o Anderson gemeu e caiu. Vi o muro cheio de sangue e pensei mataram meu amigo”, contou A.R.N.D.T..
Ele disse que Anderson ficou agonizando no chão por mais de quinze minutos. De repente chegou uma viatura caracterizada e colocou o garoto no camburão. “Eles jogaram o Anderson como se fosse bicho. A cabeça jorrava sangue e ele já estava desacordado”, salientou. Enquanto Anderson foi levado ao Hospital do Trabalhador, pelos PMs fardados, A.R.N.D.T. ficou com os policiais do serviço reservado. “Quando eles me pegaram eram 2h. Só fui entregue na Delegacia do Adolescente às 5h”.
Tortura
O garoto contou que neste período foi torturado. Os policiais exigiam que ele confirmasse que Anderson portava um revólver e uma pistola e que atirou contra os policiais, que tiveram que revidar. “Eles falaram que meu amigo já tinha virado defunto e estava no além e se eu não colaborasse teria o mesmo fim. Os policiais disseram que era fácil me matar e meu destino poderia ser o mesmo do Anderson”, salientou o menor. “Ainda quando chegamos na Delegacia do Adolescente, havia dois bonés dentro da viatura. Um furado de bala e eles perguntaram qual era o meu”, acrescentou A.R.N.D.T.
O garoto justificou que temendo por sua vida resolveu contar uma versão na Delegacia do Adolescente parecida com a sugerida pelos policiais. Ele disse que estava caminhando quando Anderson passou de bicicleta e queria lhe entregar uma das armas. Na segunda-feira, A.R.N.D.T. resolveu mudar o seu depoimento ao promotor da Vara da Infância e da Juventude e disse que foi coagido pelos policiais, justificando a primeira versão.
Os outros adolescentes, que presenciaram a morte de Anderson, contaram a mesma versão do menor na Delegacia de Homicídios.
Necropsia aponta que tiro foi dado à curta distância
O delegado Sebastião Ramos Santos Neto, da Delegacia de Homicídios, informou que serão instaurados dois inquéritos: um para apurar as circunstâncias da morte do estudante Anderson Forese de Oliveira, e outra para apurar a tortura psicológica que A.R. N.D.T. alega ter sofrido. “Já ouvimos o menor que foi detido e três amigos que presenciaram a cena. Só falta ouvir um outro. Temos também a versão dos policiais. Agora vamos apurar qual delas é a verdadeira”, disse o delegado. Ele frisou que além dos depoimentos serão juntados os laudos de necropsia e o de luva de parafina, que indica se o estudante usou arma de fogo antes de morrer.
Sebastião salientou que já tem o resultado extra-oficial do laudo de necropsia, que indica que o tiro disparado contra a cabeça de Anderson foi encostado, popularmente chamado “à queima-roupa”. “Pelo resultado da necropsia tudo indica que os depoimentos dos garotos sejam verdadeiros”, ressaltou.
Ele disse que o inquérito será conduzido de forma transparente e que já sugeriu, através de ofício, que o coordenador do inquérito policial militar designe um promotor para acompanhar as investigações. “Também pedi para que o comandante do 13.º Batalhão informe o nome de todos os policiais que participaram desta operação, direta ou indiretamente. Até de pessoas que não estiveram no local, mas de alguma forma contribuíram para a tortura psicológica do adolescente”, falou Sebastião. Ele disse que por enquanto não irá indiciar os policiais Afonso Odair Konkel e Nilton Hasse em inquérito policial. “Primeiro vamos apurar todos os fatos”, acrescentou o delegado.
Policiais envolvidos afastados das funçõesO tenente-coronel José Paulo Betes, comandante do 13.º Batalhão, informou que os policiais militares Nilton Hasse e Afonso Odair Konkel estão afastados de suas funções desde segunda-feira. Os dois participaram da operação que resultou na morte do estudante Anderson Froese de Oliveira, e permanecem prestando serviço interno até que sejam apuradas as circunstâncias em que o jovem foi morto. Ele contou que o inquérito policial militar será instaurado pelo tenente Selmer e estará concluído no máximo em 40 dias. “Só houve um tiro e o autor foi o soldado Nilton Hasse”, acrescentou o comandante.
Bettes ressaltou que a Delegacia de Homicídios também instaurou inquérito para apurar o mesmo caso. “Com certeza os dois serão apurados com transparência e os resultados de ambos será o mesmo”, comentou o tenente-coronel. “Quando um policial nosso executa uma ação corretamente ele é parabenizado. Quando comete um erro ou deslize é punido com rigor”, salientou o tenente-coronel.
Ele disse que por enquanto só tem a versão dos policiais do serviço reservado, que alegaram ter recebido uma denúncia de que dois rapazes armados e de bicicleta, estavam rondando o Restaurante Ripas de Costela, na Rua Raul Carneiro Filho, Água Verde. Eles patrulharam a região e localizaram dois suspeitos na Rua Marechal Floriano Peixoto, Parolin, próximo ao viaduto. Os jovens teriam atirado contra os policiais, que revidaram e acertaram a cabeça de Anderson. Com os garotos foram localizadas duas armas: um revólver e uma pistola. “O que tenho é a palavra dos meus policiais, que um reagiu à abordagem e morreu. Também vamos ouvir as outras testemunhas”, prometeu o oficial. Ele disse que o soldado Nilton Hasse assumiu que foi o autor do disparo.
Amigos preparam protestoAmigos e familiares do estudante Anderson Froese de Oliveira, 18 anos, prometem fazer um grande protesto no próximo sábado, às 10h, para pedir justiça. Eles estão organizando uma passeata da Praça Osório até a Praça Santos Andrade, pelo calçadão da Rua XV. “Isso não pode ficar assim”, diz R.L.S., amigo da vítima, que não acredita na versão apresentada pelos policiais militares envolvidos na operação desastrosa que resultou na morte de Anderson.
De acordo com o jovem que organiza o protesto, Anderson e um amigo estavam pichando o muro da empresa de ônibus Nossa Senhora do Carmo, quando foram abordados por uma viatura do serviço reservado (P2) da Polícia Militar. Ambos foram colocados contra o muro pelos policiais e neste momento um deles atirou na têmpora do jovem, matando-o na hora. “O outro terminou sendo preso, ameaçado e obrigado a assinar um boletim de ocorrência que os incriminava por porte ilegal de arma, uma pistola e um revólver”, conta R.L.S.
Indignação
As manifestações de indignação com a morte de Anderson são muitas. Por telefone, fax ou e-mail inúmeras pessoas estão pedindo uma investigação aprofundada e providências imediatas para punir os responsáveis. A jovem D.O.B. relata que o rapaz jamais andou armado, como os policiais quiseram fazer crer. “Acharam que ele era um qualquer, mas estavam enganados. Ele era muito especial e nós não vamos deixar isso assim desta vez”, diz ela.
Testemunhas
Também um casal, que pede que seus nomes não sejam divulgados, testemunhou o episódio e fez um relato do que viu, na tentativa de ajudar a esclarecer os fatos. O casal passava de carro pela Marechal Floriano, na madrugada de sábado, quando percebeu dois homens saindo de um Gol ou Corsa, de cor clara, que foi deixado com as portas abertas e luzes apagadas. “O motorista saiu do veículo de arma em punho, em direção aos rapazes que caminhavam pela calçada e disparou o tiro contra um deles. Não paramos o carro por termos ficado sem ação diante de tal cena, mas ao iniciar a subida do viaduto liguei para o 190 e no momento em que eu relatava o que havia visto o telefone ficou mudo. Não sei ao certo o motivo”, relembra a testemunha.
“Meu marido ligou em seguida para informar o fato e foi atendido. O policial solicitou o endereço e falou que iria transferir a ligação para o Siate. Em seguida, a ligação caiu. Neste meio tempo fizemos a volta com o veículo e retornamos ao local do ocorrido, quando vimos duas viaturas da PM chegando e observamos o momento em que dois policiais colocaram o rapaz que estava caído dentro do camburão”, contou a mulher.