Denúncias abalam a pacata Campo Largo

Campo Largo perdeu a inocência. O pacato município localizado a trinta quilômetros de Curitiba, com pouco mais de 90 mil habitantes, colonizado por famílias italianas trabalhadoras e conhecido pelas fábricas de cerâmicas e louças, está sendo alvo de investigações policiais e judiciais que podem trazer à tona revelações chocantes. Fatos que contrariam a fama de cidade tranqüila, que com orgulho ostenta os menores índices de criminalidade e violência entre os municípios vizinhos à capital.

O caso de orgias sexuais envolvendo exploração de garotas adolescentes puxou o fio da meada para uma série de ocorrências, no mínimo, inesperadas. Como um universo paralelo, correndo junto a uma população em sua grande maioria honesta e trabalhadora, há um mundo de corrupção e ilegalidades, que envolvem desde tráfico de drogas até suspeita de venda de bebês para adoções irregulares. O caso das orgias em chácaras trouxe à baila o nome do juiz da comarca de Campo Largo – André Taques de Macedo, responsável pelas varas Criminal e da Infância e Juventude – e também de vereadores, autoridades e pessoas influentes na sociedade campo-larguense. Mas as festas parecem ser apenas a ponta de um iceberg.

A reportagem da Tribuna do Paraná foi a campo tentar descobrir a verdade sobre a participação de autoridades nas orgias sexuais. Surpreendentemente, o caso acabou levantando um véu, sob o qual serpenteiam diversos tipos de irregularidades e denúncias.

Com o processo correndo em segredo de Justiça – sob a responsabilidade do Tribunal de Justiça do Paraná desde que o nome de um magistrado foi envolvido na história – coube à reportagem mergulhar no dia-a-dia da cidade. Nesta apuração, foram consumidas quase quatro semanas de trabalho.

Em visitas freqüentes a Campo Largo, mais de quarenta pessoas – entre autoridades, moradores, empresários, suspeitos e pessoas envolvidas direta ou indiretamente no caso – foram entrevistadas, algumas mais de uma vez. Documentos foram consultados. Diferentes versões foram checadas. E o que se apurou será publicado, a partir de hoje, com a intenção de cumprir estritamente o papel da imprensa: informar o leitor de forma idônea, sem comprometimento político e da forma mais objetiva possível.

Câmara questiona entrevista

A entrevista levada ao ar pelo Brasil Urgente em 26 de outubro está sendo questionada pelos vereadores nela citados. O presidente da Câmara Municipal de Campo Largo, Airton José de Oliveira acha “estranha” a forma como uma garota e a mãe dela falam. Mostrando uma fita de videocassete com a entrevista, Oliveira aponta detalhes que considera importantes. A menina fala no “vereador Joãozinho… esqueci o nome”. Seria, para o presidente da Câmara, uma tentativa de acusar o vereador João Zanlorenzi.

Mais adiante, a mãe da garota cita “Luiz Munhoz, Bastos, Airton, o subdelegado e o dr. André”. O nome “Luiz Munhoz” tanto pode ser de um comerciante da cidade, quanto uma tentativa de referência a Luiz Vargas, chefe de gabinete do prefeito de Campo Largo. “Bastos” seria o superintendente da delegacia, Nelson Bastos; “Airton” seria o próprio presidente da Câmara Municipal; “dr. André”, o juiz da comarca; e “subdelegado”, outra tentativa, esta para acusar o delegado Osmar Dechiche.

Manipulação

Airton Oliveira vê nessa entrevista uma tentativa de manipulação. “Parece que alguém mandou elas falarem alguns nomes e as duas se confundiram, trocaram tudo”, avalia. De acordo com o vereador, a assessoria jurídica da Câmara Municipal vai interpelar judicialmente o programa Brasil Urgente para esclarecer de que forma as duas entrevistadas foram encaminhadas ao repórter da Band, e quem as acompanhava durante a gravação da matéria.

Airton Oliveira defende-se das acusações de que participava de orgias sexuais. “Nunca estive nem nesta, nem em nenhuma das outras chácaras apontadas como locais de festinhas”, garante. “Há mais de quinze anos, eu e um grupo de amigos nos reunimos, a cada 15 dias, para fazer churrasco em uma chácara no bairro Águas Claras”, conta. “É uma confraternização de amigos antigos. A cada vez, dois são encarregados de fazer a comida. Depois, fazemos a divisão de despesas e cada um paga sua parte. Para você ter uma idéia, temos até livro-ponto das nossas presenças. Não temos nada a esconder. Não tem nada de festinha nem sacanagem. Isso que estão fazendo comigo é uma barbaridade”, desabafa o vereador.

Vingança

Já o superintendente da delegacia, Nelson Bastos, também citado na entrevista da Band, tirou férias do cargo para evitar o desgaste causado pela divulgação de seu nome como suspeito de envolvimento nas orgias. Ele mora em Campo Largo, trabalha na delegacia há muitos anos, é casado e tem filhos. “Estou passando vergonha, cada vez que meu nome sai na imprensa meus filhos choram e não querem ir pra escola”, revela Bastos. O policial garante que não tem nada a ver com as orgias, diz que nunca esteve nas chácaras e afirma: “Colocaram meu nome nesse negócio por vingança. É retaliação de criminosos da cidade que não gostam da polícia e do trabalho que realizamos junto com o doutor Osmar”.

O próprio delegado Osmar Dechiche também se mostra tranqüilo. “Se querem falar alguma coisa a meu respeito, que vão à delegacia e levantem o meu trabalho em quatro anos e meio à frente da delegacia de Campo Largo”, diz.

Atualmente lotado em São José dos Pinhais, Dechiche lembra que foi o delegado que, historicamente, mais realizou prisões de traficantes de drogas em Campo Largo. “Ainda por cima, sou casado e sem vida social. Não fumo, não bebo, não freqüento barzinhos e não moro em Campo Largo”, finaliza.

O caso das orgias: como tudo começou

Dois jornalistas de Campo Largo começaram a apurar a denúncia de que estariam acontecendo festas em chácaras, envolvendo exploração sexual de meninas menores de idade, há mais de dois meses. A mãe de uma adolescente, preocupada com a ausência da filha durante a noite, teria procurado o Conselho Tutelar da cidade. Também a delegacia e a promotoria foram comunicadas. O delegado Osmar Antônio Dechiche e o promotor da comarca, Álvaro Torrenz, conversaram sobre a suspeita. Dada a gravidade da denúncia, decidiram enviar o caso para o Ministério Público do Paraná.

A notícia começou a ganhar repercussão na imprensa paranaense quando o caso foi para a Promotoria de Investigação Criminal (PIC), do Ministério Público, e a Polícia Civil, pelo Centro de Operações Policiais Especiais (Cope), no final de outubro. Equipes do Cope e da PIC estiveram em Campo Largo fazendo diligências na chácara apontada como local das festas, ouvindo testemunhas e suspeitos. Paralelamente, o Conselho Tutelar da cidade começou a recolher as menores de idade em abrigos, por considerar que estariam em situação de risco.

Escândalo

A repercussão alcançou amplitude nacional e ganhou ares de escândalo quando uma das garotas concedeu entrevista à Rede Bandeirantes de Televisão. Na entrevista, levada ao ar pelo programa Brasil Urgente, a menina e a mãe dela citavam como freqüentadores das festas o “dr. André” – que seria o juiz da comarca, André Taques de Macedo – vereadores e autoridades. A partir dessa entrevista, levada ao ar em 26 de outubro, o caso foi para a responsabilidade do Tribunal de Justiça, por envolver o nome de um magistrado, e o inquérito passou a correr em segredo de Justiça.

A pergunta que ainda está sem resposa

Para o vereador Airton José de Oliveira, presidente da Câmara Municipal de Campo Largo, a pergunta a ser respondida é: como uma garota menor de idade, suspeita de participar das orgias, e que supostamente estaria sob proteção do Conselho Tutelar naquela data, deu uma entrevista à televisão?

O Conselho Tutelar garantiu à reportagem da Tribuna que não liberou nenhuma adolescente para dar entrevista à Rede Bandeirantes. O endereço dos abrigos onde as garotas estão são mantidos em sigilo. A informação repassada pelo Conselho é de que apenas uma das garotas não aceitou ficar em abrigo, e pediu para ficar com parentes em Santa Catarina.

Denúncia

No entanto, o advogado Wilmar Aloisio Pereira dos Santos afirma que uma pessoa ligada a um partido político foi pessoalmente buscar a garota na casa de uma tia, em Garuva (SC), em 26 de outubro, e levou-a diretamente para a entrevista, antes de entregá-la para o Conselho Tutelar. “Foi uma atitude totalmente irregular e no mínimo suspeita. Essa pessoa que foi a Santa Catarina e trouxe a menor nem mesmo é funcionário do Conselho Tutelar”, aponta Wilmar.

A reportagem da Tribuna conversou com esta pessoa. É o professor Paulo Roberto Gonçalves, que recebeu a reportagem tranqüilamente, em sua casa, ao lado da esposa e filhos. Ele é um dos integrantes do movimento civil Piedade Campo Largo e se diz alarmado e preocupado com a “sujeira” do caso.

Favor

Paulo confirma que foi a Garuva buscar a garota. Diz que o Conselho Tutelar lhe pediu esse favor, porque freqüentemente ele colabora com ações sociais na cidade. Mas garante que levou a menina, de Santa Catarna, “diretamente” para o Conselho Tutelar. Paulo Roberto afirma não saber como a menina e a mãe dela deram entrevista ao Brasil Urgente.

A reportagem da Tribuna entrou em contato com a TV Bandeirantes de Curitiba para apurar a posição da emissora, uma vez que a reportagem do Brasil Urgente foi produzida pela equipe local. A chefia de redação da Band Curitiba e o repórter não foram localizados no final da tarde de ontem.

“O crime organizado domina”

A reportagem da Tribuna acompanhou uma reunião do movimento Piedade Campo Largo, há duas semanas. Na ocasião foi definida a realização de um grande manifesto popular, que acontecerá amanhã, a partir das 9h, no centro da cidade. Os integrantes prometem, nesta passeata, revelar fatos esclarecedores sobre o crime organizado na cidade e como os criminosos estão “dominando” determinados setores.

Os integrantes do movimento são comerciantes, empresários, representantes de partidos políticos e de movimentos religiosos e sociais. Todos se dizem assustados e indignados com o caso das orgias envolvendo exploração sexual de menores. Eles afirmam, porém, que “há muito mais” por trás da realização das festas, e que estão reunindo provas e documentos para comprovar as suspeitas e denúncias.

“Parte social”

De acordo com os participantes do movimento, as festinhas são apenas a “parte social” de um determinado grupo da cidade que, entre outras atividades, transita livremente entre a corrupção, o tráfico de drogas, manipulação de inquéritos e sentenças judiciais, adoções irregulares de bebês, roubo de cargas e outros crimes.

“As festas com as garotinhas são apenas a ponta, agora visível, do negócio. Ali eles se divertem, mas tem coisa muito mais pesada”, afirmam. “Queremos limpar Campo Largo. A cidade não merece isso que está acontecendo, é um absurdo”, dizem.

Investigações

As apurações, pelo Tribunal de Justiça, sobre o caso das orgias em Campo Largo continuam. Ontem, o desembargador Leonardo Lustosa, que assumiu o caso após a morte de Octávio Valeixo, tomou dois importantes depoimentos: do juiz André Taques de Macedo, que ainda não tinha sido ouvido, e de um delegado de polícia, cujo nome não foi revelado.

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