“O último que feche a porta e apague a luz, se é que ainda teremos luz.” Com o comentário fatalista, um policial civil arruma sua mochila para mais um dia de plantão.
Além da arma e da insígnia, ele também leva uma garrafa de café, copinho plástico e papel higiênico para seu uso, porque as delegacias da capital – principalmente distritos e o Centro de Atendimento ao Cidadão (Ciac Sul) – estão sem material de escritório e de higiene. Na realidade, o almoxarifado da instituição está vazio e não consegue atender as necessidades mínimas dos policiais.
Na semana passada, um aviso foi enviado pela Divisão Policial da Capital (responsável pelos 13 distritos policiais) por e-mail, para as delegacias, informando que a Polícia Civil está sem estoque de papel sulfite.
Sendo assim, os delegados, escrivães e investigadores dos distritos que fazem plantão no Ciac-Sul (anexo ao 8.º Distrito Policial, no Portão), devem levar duas resmas de papel para poder trabalhar (mil folhas).
Dias antes, o Centro de Triagem I (CT), órgão da Polícia Civil que abriga presos, encaminhou ofício ao juiz Márcio José Tokars, da Vara da Corregedoria dos Presídios de Curitiba, comunicando que estava deixando de atender audiências do Sistema Penitenciário da Região Metropolitana, por falta de viaturas para transporte de presos.
O ofício ainda ressaltava que a remoção dos detentos que precisavam ser ouvidos nos processos, estava sendo feita “dentro do possível”. Duas viaturas estavam estragadas e as demais não davam conta do serviço.
Drama
“A situação nunca esteve tão dramática”, comentou um delegado, que a exemplo dos investigadores também leva o rolo de papel higiênico para o trabalho, assim sabonete, toalha e outros produtos de higiene. Para ele, há um “desgoverno total” na polícia, que sobrevive a duras penas.
Os pedidos que são feitos à Subdivisão Administrativa Auxiliar, responsável pelo almoxarifado, não conseguem ser atendidos. Coisas simples como canetas, clipes, envelopes, lápis e até barbante, não são entregues, porque não tem. Coisas mais importantes como pastas para guardar inquéritos, arquivos, ou blocos de intimação, também estão em falta.
O “inferno astral” que a Polícia Civil do Paraná está vivendo também passa por protestos de policiais (anteontem, em frente a Assembleia Legislativa) que se dizem humilhados, frustrados e envergonhados, além de desestimulados com a profissão, e querem melhorias salariais e aprovação de plano de cargo, carreiras e salários.
O Governo Estadual, por sua vez, anunciou o ingresso de mais 41 delegados de polícia e 88 escrivães e investigadores, formados na semana passada em cerimônia no Canal da Música, para reforço nas delegacias.
“É uma gota de água para apagar um incêndio”, comentam os colegas dos novatos, já que o efetivo da Polícia Civil está defasado há anos e seria necessário pelo menos mais dez vezes este número de funcionários para dar conta do recado.
A maioria das delegacias continua fechada à noite e com apenas um policial de plantão (o que contraria qualquer norma de segurança) para cuidar do prédio ou de presos (no caso de o xadrez estar ocupado).
Achaque
Para coroar o caos, ainda foi descoberto um esquema de achaque a traficantes envolvendo metade dos policiais da delegacia do Alto Maracanã, em Colombo, liderados pela delegada e pelo superintendente, marido dela. O grupo está preso e promotores de Justiça e outros policiais fazem o levantamento dos delitos praticados pelos acusados.
Na região metropolitana e delegacias do interior do Estado, a situação não é diferente. Há falta de tudo, mas o problema é contornado pelo próprio delegado (ou policial responsável pela unidade, muitas vezes um sargento da Polícia Militar), que busca ajuda junto à população e aos comerciantes.
“Nós contamos com doações e com apoio de Conselho Comunitário de Segurança, quando ele existe. Mas o ideal é que a própria instituição banque com todas as necessidades, de forma que a polícia esteja livre e descompromissada para agir. Se recebemos doação de um empresário e mais tarde ele se envolve num crime, ficamos na maior saia-justa para prendê-lo”, comenta um delegado, que para não sofrer sanções impostas pela Secretaria de Segurança Pública, não deseja ser identificado.