A Delegacia de Homicídios funciona num casarão secular na Rua Barão do Rio Branco, entre a Marechal Deodoro e a José Loureiro, centro. “É horrível, não há a mínima condição de trabalho. São tantos problemas que é difícil eleger o mais grave”, desabafa o delegado titular Agenor Salgado Filho. O interior da edificação exala um cheiro intenso de mofo. Há infiltrações de água, que aliada à ação dos cupins deixaram a madeira podre. O segundo do andar do prédio está desativado, pois o teto, acima do plantão, cede a cada passo. “O prédio está cheio de ácaros. Cada vez que volto do trabalho, tenho que fazer inalação. Outro investigador está com rinite por causa do mofo”, diz uma policial, que prefere não se identificar. Há dez dias, os policiais começaram a conviver com um cheiro de carne decomposta que infestou toda a edificação. O motivo era um cachorro, que entrou por um vão do sótão e morreu por ali. Apesar do risco iminente de incêndios – há fiação exposta no segundo andar Ä, não se vê um único extintor no local.
Falta tudo
Como se não bastasse, a DH sofre com a falta de material humano e de trabalho. Não há clipes, falta papel de escritório e há apenas um computador no plantão Ä a maior parte dos boletins de ocorrência são redigidos em arcaicas máquinas de escrever. Os dois telefones do plantão foram comprados com o dinheiro de um policial. Na madrugada de ontem um botijão de gás foi furtado do interior do prédio.
No ano passado, o piso de uma das salas, onde hoje funciona a superintendência, quase desabou. Depois disso o prédio passou por pequenas reformas, como a substituição do telhado, mas que pouco colaboraram para a melhoria das condições gerais. “Fizemos dezenas de solicitações para que fôssemos levados a outra sede. Houve algumas promessas, mas nenhuma foi cumprida”, disse o titular. Até hoje, uma placa da Secretaria Estadual de Obras Públicas permanece afixada na fachada do prédio, apesar de as obras não terem continuado.
Documentos jogados no chão
Pilhas de inquéritos para apurar autores de crimes contra a vida estão amontoados e empoeirando no velho prédio que abriga a Delegacia de Homicídios. Ao todo são 1.300 inquéritos, instaurados ao longo de vários anos e que dificilmente serão solucionados um dia. Hoje, a situação está ainda mais difícil e as probabilidades para identificar os autores são quase nulas. Isto porque a média de homicídios em Curitiba é de 40 por mês. Somente no ano passado foram 402, sem contar as tentativas, suicídios e óbitos a apurar, que também geram inquéritos.
Hoje, a delegacia conta apenas com três delegados. Um deles é o titular, que basicamente tem a função de administrar a delegacia, e hoje ajuda os colegas a tirar plantão, para aliviar o serviço, mas depois divide os boletins a serem investigados e distribui para seus dois colegas. Os outros dois que restam, em tese, teriam que dividir os 1.300 inquéritos além de tirar plantão de 24 horas a cada 48h, já que são ajudados pelo delegado titular, que não teria esta função. Se não bastassem as pilhas de inquéritos, os delegados também têm que fazer processos administrativos, que não tem relação nenhuma com crimes contra a vida. São casos para apurar possíveis irregularidades cometidos por policiais civis.
Policiais
Para piorar ainda a situação, dos quatro escrivães, ali lotados, dois estão de licença médica, sendo que o trabalho também está sendo dividido por dois. No caso dos investigadores, a Delegacia de Homicídios possui 23, mas somente cinco realmente fazem investigação, o restante tem a função de tirar plantão, ou seja, registrar os boletins de ocorrência, atender vítimas e parentes delas e fazer levantamento do local de crime. Dessa forma, quando o autor de crime não é identificado no local, dificilmente será apurada a autoria e o homicídio será mais um para aumentar o volume dos insolúveis. “Sempre ficam inquéritos remanescentes e com o passar do tempo, as investigações se tornam mais complicadas”, admite o delegado da Divisão de Investigações Criminais (DIC), Luiz Fernando Artigas. Ele alega que hoje a Polícia Civil, em uma visão geral, está passando por um período difícil. “Nos últimos anos foram criadas outras delegacias e outros órgãos e foi preciso tirar pessoal dos já existentes, para remanejá-los para os novos órgãos”, comentou. Ele concorda que a situação está crítica e que deveriam ser colocados mais policiais para investigar os crimes contra a vida, já que esta é considerada um bem maior. “Sempre pedimos para aumentar o quadro de policiais da Delegacia de Homicídios. Estamos aguardando”, ressaltou o delegado divisional.
Artigas explica que o quadro de delegados da Polícia Civil é hoje o mesmo de 1982. Há 20 anos muita coisa mudou e a cidade cresceu, também foram criadas algumas delegacias especializadas e divisões como a Dinarc (Divisão de Narcóticos). “Para suprir esta deficiência seria necessário suprir essas vagas”, completou.
Inquéritos
Parte dos inquéritos estão empilhados nas salas dos escrivães e uma boa parte de provas e inquéritos jogados em um das salas do sótão do prédio. A situação é lamentável. Armas utilizadas por criminosos que foram apreendidas e um amontoado de papéis, contendo depoimentos de testemunhas jogados como se fossem um monte de lixo. Será que algum dia serão utilizados pelas Justiça?