Perigo pra todos

Crime cometido por policial expõe fragilidade da corporação

O assassinato da estudante Paola Cardoso, 23 anos, cometido pelo namorado dela, o policial civil Napoleão Seki Júnior, 38, escancara a fragilidade da corporação no acompanhamento psicológico de seus policiais e expõe o perigo que qualquer um está sujeito, diante do “surto” de uma pessoa armada. De acordo com a lei estadual 15.448, de janeiro de 2007, todo policial civil ou militar deve, obrigatoriamente, passar por exames psiquiátricos ao menos uma vez por ano. Ontem, no Departamento de Polícia Civil, o delegado Luiz Alberto Cartaxo, porta-voz da instituição, revelou que Napoleão passou por uma única avaliação psicológica, quando entrou na polícia, há três anos.

Mesmo afastado do trabalho de rua por conta de dois processos disciplinares referentes a situações em que ele usou a arma indevidamente, Napoleão não foi encaminhado ao setor Psicossocial da polícia. Somente após uma avaliação psicológica ele poderia ter a arma retida, o que não aconteceu, mesmo se passando dois anos do primeiro incidente em que ele demonstrou desvio de conduta com uma arma na mão. Napoleão ainda estava em estágio probatório, apesar de ter cumprido os três anos iniciais na instituição, por conta desses processos.

Justificativa

“Arma é objeto de defesa do policial, só retirada em caso de evidente falta de condição psicológica ou física. A última avaliação que ele fez foi em 2010 e estava na mais absoluta normalidade. Não havia indício de desvio. Caso algum superior tivesse julgado necessário, ele seria submetido a tratamento”, alegou Cartaxo.

Questionado sobre os dois casos em que Napoleão supostamente usou a arma indevidamente, dentro de uma boate em São Paulo, em 2012, e em uma briga de vizinhos, em 2011, Cartaxo respondeu que “o procedimento instaurado contra ele não vislumbrou a necessidade de fazer esse tipo de avaliação”. “Nenhum dos chefes imediatos entendeu que isso era necessário”, resumiu. O policial foi apenas encaminhado para serviços administrativos, dentro da Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp) e não teve a arma retida.

Estrutura

Mas o caso de Napoleão não é exceção. A lei que exige exames psicológicos anuais para todos os policiais do Estado não é cumprida. “Os policiais passam por este exame quando entram na polícia. Depois disso, pouquíssimos voltam a fazê-lo. A maioria nunca mais volta ao setor Psicossocial. Não existe estrutura suficiente”, afirmou André Gutierrez, presidente do Sindicado dos Policiais Civis dos Paraná (Sinclapol).

O delegado Cartaxo atribuiu esta falha à carência de profissionais. “Falta de pessoal não é uma realidade apenas da Polícia Civil. Temos mais de 4 mil policiais em todo o Paraná, para sete psicólogos trabalhando para a corporação”, revelou.

Policial irá em cana se sobreviver

Napoleão continua internado em estado grave na UTI do Hospital Cajuru. Ele ficou cego de um olho e corre risco de morrer. Está sob custódia policial e caso se recupere, será encaminhado para uma cela especial na Delegacia de Furtos e Roubos de Veículos (DFRV), destinada a policiais. Ele vai responder criminalmente por homicídio qualificado. No âmbito administrativo, deverá ser exonerado da polícia. Caso isso venha acontecer, ele será transferido para uma cela comum.

Na quinta-feira, pouco depois do meio-dia, Napoleão e Paola seguiam de carro pela Rua Sete de Abril, Alto da XV, e discutiam violentamente. Perto do cruzamento da Rua Reinaldino S. de Quadros, a moça desceu do carro, e tentou fugir. Foi agarrada, jogada no chão, algemada e empurrada para dentro do veículo. Mesmo com as mãos presas às costas, ela conseguiu se livrar do namorado pela segunda vez, mas ao atravessar a rua correndo, foi baleada quatro vezes pelas costas. Caiu morta no canteiro e Napoelão tentou suicídio, atirando contra o pescoço.

Os dois namoravam há um ano e segunda a conhecidos, o relacionamento deles foi bastante conturbado. A moça estudava química na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e deixou um filho de um ano.

Nervosinho

Napoleão tinha histórico de pavio-curto. Em 2011, ele ameaçou um vizinho do prédio onde morava durante uma discussão. Segundo moradores, o policial se recusava a baixar o som e se irritou quando foi procurado pelo vizinho. Em 2012, ele supostamente disparou um revólver, que levava preso à perna, dentro de uma boate em Mauá (SP). A pistola da polícia tinha sido guardada pelo dono do estabelecimento em um cofre. Ele foi denunciado pelo Ministério Público daquele estado e respondia administrativamente.

“Estávamos aguardando o depoimento de testemunhas, que seriam enviados via precatório ao nosso estado. Se constatássemos desvio de conduta, ele seria enviado para acompanhamento psicológico, mas a investigação não foi finalizada a tempo”, disse o delegado Luiz Alberto Cartaxo.

Família e vizinhos na mira

Este não é o primeiro caso de “surto” de agentes de segurança. Em agosto do ano passado, o policial civil Ericlei de Oliveira fez a família refém em São José dos Pinhais, por mais de quatro horas. O policial chegou a sair para a rua atirando para o alto e atingiu a casa de vizinhos. De acordo com a perícia, pelo menos 20 tiros foram disparados por Ericlei, que só foi controlado quando policiais militares do Comando de Operações Especiais (COE) usaram arma de choque. Ninguém se feriu.

Ainda no ano passado, em dezembro, um escrivão da Polícia Civil surtou ao avistar dois caminhões da Copel parados em uma rua de São José dos Pinhais. Ele reclamou que os veículos estavam atrapalhando o trânsito e quando os funcionários explicaram que estavam faziam manutenção o escrivão sacou a arma e começou a atirar para cima. Após a chegada da Polícia Militar ele tentou fugir e disparou dois tiros. Um dos disparos atingiu de raspão a perna de um policial e o pneu da viatura. O outro disparo atingiu o radiador da viatura.

Em janeiro, um investigador da Delegacia de Furtos e Roubos disparou contra um carro com cinco pessoas, porque nenhuma das moças que seguida no veículo quis acompanhá-lo após uma festa. De acordo com as moças, o investigador ofereceu dinheiro para levar uma delas. A bala atravessou a lataria, próximo ao tanque de combustível.

Polícia Militar

Não são apenas policiais civis que sofrem de problemas psicológicos. Em novembro do ano passado, um policial militar, de 28 anos, cometeu suicídio com a arma funcional na Unidade Paraná Seguro (UPS) Caiuá, na Cidade Industrial. De acordo com um colega, ele ficou deprimido depois de começar a responder processo administrativo e ser perseguido por um superior. Mesmo assim, ele não foi afastado do trabalho e tomava altas doses de antidepressivo.

Em dezembro, um policial militar agrediu um menino, de 12 anos, dentro de um condomínio, em Curitiba. O menino teria mostrado o dedo do meio ao policial depois que ele “mexeu” com uma amiga do garoto na rua. O PM entrou no condomínio dizendo que faria uma ronda e mostrou a arma para o garoto.

Colaboração: Kelli Kadanus