Os mesmos olhos azuis que durante mais de 30 anos levaram alento e esperança a centenas de pessoas em momentos de dor e de tragédia ainda brilham no rosto do homem que se comove ao falar dos últimos dois anos de sua vida, que o transformaram de herói em matador em série, de forma vertiginosa e quase sem defesa.

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O curitibano Jorge Luiz Thais Martins, nascido em novembro de 1954, coronel reformado do Corpo de Bombeiros, acusado de assassinar nove viciados em drogas na região do Boqueirão, para vingar o assassinato e seu próprio filho, em entrevista exclusiva ao Paraná Online revelou em detalhes o que foi a “vingança” que planejou e executou junto com a esposa Graça Martins, para honrar a memória de Jorge Guilherme, 27.

No escritório de seu advogado, vestido com a simplicidade que lhe é peculiar (camiseta vermelha, calça clara e sapato esporte), o homem franzino (60 quilos e corpo de atleta) não escondeu o sofrimento pelo qual vem passando.

Em gestos comedidos pergunta várias vezes: “Por que eu?” E desabafa: “Acusam-se me nove assassinatos e sequer me ouviram antes de decretar minha prisão. Um absurdo!”

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Martins passou 19 dias preso no quartel da Polícia Militar, por ordem da Justiça, que se baseou em inquérito instaurado pela Delegacia de Homicídios e esta, por sua vez, baseou-se em investigações que levaram ao reconhecimento feito por viciados que sobreviveram aos atentados.

“Como o meu nome surgiu nesta história horrível? , pergunta ele e responde ao mesmo tempo: “Isso está explícito no inquérito. Alguém comentou que um policial militar teve um parente assassinado por viciados e no velório do rapaz prometeu vingança. Começaram as mortes e, em dado momento, lembraram que meu filho tinha sido assassinado lá no bairro. De policial militar para bombeiro militar foi um pulo. De bombeiro para coronel, outro. E pronto, virei suspeito.”

Reconhecimento

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Uma foto de Martins foi colada em uma folha de papel em branco, junto com a de outros três homens e apresentadas às testemunhas. Alguém apontou o coronel como sendo o atirador e dali para a prisão foi uma questão de dias. Novamente foi levado para reconhecimento, agora pessoal, e outra vez apontado como assassino.

Acostumado a viver momentos de pressão, Martins se abala, mas procura permanecer forte. Sua preocupação maior é com a esposa que sofreu dois baques consecutivos e está à mercê de tratamento médico para superar os traumas. Ter o filho assassinado a deixou em “caquinhos”, como descreve o coronel.

Com muito trabalho, buscou superar a dor. Mas com a acusação e prisão do marido, desmontou-se novamente. “Ela e minhas duas filhas estão sofrendo muito”, revela o oficial.

Martins começou a carreira militar ainda moleque, quando ingressou no Colégio da Polícia Militar. Aos 18 anos entrou na Academia Policial Militar do Guatupê, saindo de lá como aspirante a oficial para o quadro do Corpo de Bombeiros do Paraná.

Passou 37 anos na corporação sem mácula em sua ficha funcional e chegou a comandante. Quando saiu (a aposentadoria é compulsória) ainda foi chamado a trabalhar por mais um ano na Casa Militar do Governo do Estado.

Quando estava nesta tarefa foi que perdeu o filho, morto a tiros por dois garotos, quando deixava a noiva em casa, no Boqueirão. Os ladrões queriam o carro, um Gol, mas não o levaram. O rapaz morreu na hora. A jovem, ferida de raspão, recuperou-se fisicamente, mas ainda não superou o trauma.

Os menores foram detidos e levados para a delegacia competente. Martins foi até lá com a jovem que seria sua futura nora, para que ele fizesse o reconhecimento do assassino e prestasse depoimento. Não quis ver o rosto do acusado por um simples motivo: “Quando andar pela cidade e por acaso cruzar com este rapaz não quero saber quem ele é”.

Arquivo pessoal
Garotinho brinca com bicicleta que ganhou de aniversário.

“Não matei ninguém”!

Redação

Quanto à possibilidade de ter matado nove pessoas em favelas e becos usados por viciados, Martins quase ri. “Nunca disparei um tiro contra outra pessoa. Fui treinado para salvar, para socorrer”.

E prossegue: “Da pistola que dizem que usei e que pertence ao Corpo de Bombeiros não foi disparado um único tiro e a caixa de munição foi entregue ao Instituto de Criminalística intacta e lacrada. O exame de balística confirmará isso”.

Magoado com a forma como foi tratado, queixando-se que em nenhum momento foi ouvido pela polícia ante do pedido de sua prisão temporária, Martins contou à reportagem que ele e sua mulher encontraram uma forma especial para reverenciar a memória do filho morto.

“Resolvermos fazer o que nosso filho desejaria que fizéssemos. E se quiserem chamar assim, esta foi a ‘vingança do coronel’. Fomos até a favela do Parolin, onde moram duas irmãs carrinheiras, que passam todos os dias em frente à nossa casa, no Rebouças, para catar papel. Elas tem seis filhos ao todo. Decidimos apadrinhas as crianças, suprindo necessidades básicas delas e também muitos de seus desejos infantis. Compramos roupas, material escolar, presentes no Natal e em outras datas festivas. Fizemos festa de aniversário na escola. Eles nos chamam de papai e mamãe Noel. Estamos buscando ajudar estas crianças para que tenham um futuro melhor, diferente daquele do menor que matou o nosso filho”.

Para finalizar, Martins garante que jamais esteve nos locais onde as testemunhas dizem tê-lo visto. Tem uma teoria para os assassinatos dos viciados, que atribui a uma disputa entre traficantes para manter os pontos de drogas, porém, como não tem provas, não se aprofunda no assunto.

Suspeita até que pode haver envolvimento de policiais nos crimes, mas não acusa ninguém. Acha que, pelo fato de seu filho ter sido morto naquela região, virou bode expiatório.

Ainda para se defender, mostra filmes domésticos feitos pelos parentes, em datas que dizem que ele estava matando gente. Em um deles, na virada do ano, estava em Guaratuba, com mais de 50 pessoas.

E guarda com carinho fotos de seus seis apadrinhados, em passeios por shoppings, visitas à lanchonetes e outros momentos de fraternidade, como freqüentar a Capa do Pobres e entidades que abrigam doentes, alcoólatras e adultos abandonados.