Um comerciante de armas de Porto Alegre conseguiu na Justiça liminar que permite a venda e o registro de armas em sua loja. É a primeira decisão judicial, em todo o País, contrária ao Estatuto do Desarmamento, desde que a nova lei entrou em vigor, em 23 de dezembro do ano passado. A decisão em favor do comerciante foi assinada em 20 de janeiro pelo juiz Marcel Citro de Azevedo, da 12.ª Vara da Justiça Federal de Porto Alegre.

O advogado Claudino Alves de Oliveira, autor da ação, encontrou a brecha no estatuto, baseando o pedido no fato de que a Lei 10.826/2003 ainda não foi regulamentada. O juiz acatou o mandado de segurança salientando que “a inércia do Poder Executivo não pode inviabilizar a atividade profissional do impetrante”.

Na prática, a falta de regulamentação congelou o comércio legal de armas em todo o País e deixou os empresários do setor em situação difícil. A Polícia Civil dos estados – que fazia o registro das armas – não está podendo emitir novos registros, enquanto a Polícia Federal, que de acordo com a nova lei será responsável por esta tarefa, também ainda não tem autorização para proceder registros de armas, até que o estatuto seja regulamentado.

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Desde que obteve a liminar, o Grupo Magaldi não pára de receber pedidos de todo o País. A empresa, sediada em Porto Alegre, publicou anúncios em jornais de diversas capitais e garante toda a documentação legal e em ordem para quem desejar adquirir armas dentro dos termos da antiga lei – o Decreto 2222 de 1997, que regulamenta o comércio e registro de armas. De acordo com o diretor do grupo, Dempsey Magaldi, o retorno tem sido excelente. “Quando o estatuto foi sancionado, nossa atividade no comércio de armas ficou totalmente paralisada”, comenta. “Agora estamos a todo vapor”, comemora o empresário.

De acordo com o advogado Claudino Oliveira, a partir do momento em que a nova lei for regulamentada, permitindo que a Polícia Federal faça o registro das armas, a liminar obtida pelo Grupo Magaldi perde a validade. Enquanto a regulamentação não sai, Oliveira também tem recebido pedidos de comerciantes de diversos estados para impetrar mandados de segurança semelhantes.

Sem data

O advogado gaúcho acredita que a regulamentação ainda deve levar de dois a três meses para ser assinada pelo Poder Executivo. Já o delegado Guaracy Hoffmann, titular da Delegacia de Armas e Munições do Paraná, afirma ter informações de que o Ministério da Justiça poderá emitir a regulamentação ainda no final deste mês ou início de março.

De acordo com ele, pela nova lei, a Polícia Federal poderá manter convênios com as secretárias de Segurança dos estados, para que a Polícia Civil volte a fazer o registro de armas. “A PF teria que criar uma estrutura para atender a essa demanda”, explica o delegado.

Hoffmann lembra que os comerciantes de armas do Paraná têm se queixado da lei. “Muitos estão com a situação financeira complicada, tendo que dispensar funcionários, pois não estão vendendo nada”, observa. Alguns lojistas de Curitiba já preparam ações judiciais semelhantes à impetrada pelo Grupo Magaldi.

Para funcionar, tem que mudar

A Lei 10.826/2003, mais conhecida como Estatuto do Desarmamento, que trata do registro, porte e comercialização de armas de fogo no Brasil, foi sancionada em 22 de dezembro do ano passado pelo presidente Lula. Desde então, ficou proibido o porte de arma de fogo pelo cidadão comum em todo o território nacional.

O estatuto prevê punição grave para quem for pego portando armas de fogo: prisão de 2 a 4 anos e indiciamento em inquérito policial. Pela lei anterior, a pena era alternativa. O crime, agora, é considerado inafiançável.

O titular da Delegacia de Armas e Munições (Deam), delegado Guaracy Hoffmann, disse à reportagem da Tribuna que a lei é muito severa. “São importantes o aumento das penas e a obrigatoriedade da renovação periódica do registro. Mas a legislação nivelou todos os donos de arma aos traficantes do Rio de Janeiro”, pondera.

Por outro lado, lembra o titular da Deam, a antiga lei dizia que o requerente do registro de arma não poderia ter nenhum tipo de “anotação de ocorrência policial”. O Estatuto do Desarmamento não prevê isso. De acordo com Guaracy Hoffmann, uma pessoa que tiver assinado um Termo Circunstanciado em delegacia, por delitos como lesão corporal, brigas ou espancamento, por exemplo, poderá requerer o registro, pois tecnicamente não está indiciado em inquérito policial.

Armamento

À frente do Grupo Magaldi, que já tem 27 anos de atuação no Rio Grande do Sul como escola de tiro, loja de armas, consultoria de segurança e representação de fabricantes, o empresário Dempsey Magaldi tem experiência de sobra no assunto. Mesmo antes da sanção presidencial ao Estatuto do Desarmamento, ele vinha criticando alguns aspectos da nova lei. Magaldi tem participado de debates e programas de entrevistas sobre o assunto, onde lembra o direito de o cidadão se defender.

Para Jorge Vicente Silva, especialista em Direito Processual Penal, “o endurecimento da nova lei não oferece possibilidade de diminuição da quantidade de crimes praticados com violência contra a pessoa”. Silva lembra que o argumento de que a proibição de porte de armas diminuirá os crimes dolosos (praticados intencionalmente) violentos contra a pessoa é “falaciosa”, porque praticamente o total desses criminosos cometem delitos com armas ilegais.

“Na prática, o dito estatuto não impedirá que os infratores andem armados”, comentou o especialista, em artigo publicado recentemente no jornal O Estado do Paraná. “Este estatuto somente terá valia para as pessoas de bem, que cumprirão as suas regras, as quais dificilmente cometem crimes, o que implica em admitirmos que este procedimento não resultará em diminuição da criminalidade”, opina Silva.

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