"O senhor tem o filme Bala na Agulha?", pergunta um adolescente ao dono de uma locadora de vídeo situada na Rua Francisco Derosso, no Xaxim. "Não me lembro de ter este título", responde Paulo Roberto Gonzales, após alguns segundos pensando. "Agora você tem", diz calmamente o adolescente, apontando um revólver em direção à cabeça de Paulo. Na porta, outro jovem observa o movimento e dá ordens, em tom de voz mais calmo ainda: "Passa tudo … se precisar manda bala … qualquer problema pode matar." Resultado: o dono da locadora ainda tem uma dívida de três aparelhos de DVD que comprou e foram roubados, recentemente, do seu estabelecimento. Apesar de parecer uma cena de filme, essa é a realidade dos comerciantes do bairro Xaxim, que além de passarem por uma onda de assaltos e arrombamentos nos últimos meses, também têm que obedecer a "toques de recolher". Eles denunciam o medo que sentem e a inoperância da polícia.
Na segunda quinzena de novembro eles foram ameaçados pela primeira vez com o "toque de recolher". No sábado anterior, um bar foi saqueado por cerca de 15 indivíduos. Como deu certo, os saques estão se repetindo com grupos de até 40 invasores."A gente chama a polícia e quem atende diz que não pode fazer nada", reclamou Osmar Bernardi Boscardin, dono do bar, que descreve os arruaceiros como adolescentes e moradores da Vila Esmeralda, situada a menos de um quilômetro do local. Ainda algumas pessoas revelam que o grupo seria liderado pelo assaltante e traficante Edson Góes, cujo endereço é sabido pela polícia, que nada faz.
"As autoridades sabem onde são os "mocós’. Só que um dos policiais foi claro ao dizer que não ganha para isso (referindo-se a ir aos locais onde se escondem os marginais para capturá-los)", diz Joel, irmão de Osmar e proprietário de uma distribuidora de bebidas.
Aviso
Joel também lamenta a violência dos saques. "Se você não entrega o que eles querem (geralmente bebidas), ameaçam quebrar tudo", relatou. Em 21 de novembro, a primeira noite em que foram amedrontados com o "toque de recolher", um garoto passou pela rua avisando os comerciante que, caso não fechassem seus estabelecimentos às 22h, seriam saqueados.
Poucos dias após, o bar de Osmar foi invadido. "Eles limparam a prateleira das bebidas. Quando é 20h30, 21h no máximo, temos que fechar, pois depois deste horário é impossível trabalhar", disse. Osmar e outros comerciantes avisaram a polícia e nada resolveu. "Você liga para o 190 e, quando atendem a ligação, dizem que não tem viatura, ou que nada podem fazer", denunciou.
Beto Filadelfo, dono de um restaurante de comida chinesa, manifestou sua indignação enquanto a reportagem da Tribuna circulava pelo bairro conversando com os comerciantes. "Por aqui quase nunca aparece polícia. Agora, só porque viram o carro da reportagem e o fotógrafo fazendo fotos ali na rua, apareceram essas duas motos pra ficar aqui, bem em frente ao comércio onde está a reportagem", disse Beto, que contou ter sido assaltado uma vez à mão armada e a polícia demorou uma hora e meia para comparecer ao local. "Se for pra demorar desse jeito não precisa vir. Uma hora e meia é tempo suficiente para o ladrão sumir", revolta-se. Questionados, os policiais que pararam próximo ao carro da reportagem, um deles morador do bairro, disseram que o local era calmo e que não sabiam de nenhum "toque de recolher".
Desavenças com a polícia
Osmar, o proprietário do bar saqueado algumas vezes, conta que em uma das ocorrências, quando um grupo de quase 40 jovens faziam algazarra em seu estabelecimento, a polícia compareceu e fez uma revista em todos. Osmar relata que, momentos depois, os soldados J. Alves e Ferrali, da 1.ª Companhia do 13.º Batalhão voltaram ao estabelecimento e pediram dinheiro para patrulhar e proteger a área. "Nada que R$ 100,00 não resolva o problema, você já sabe como é que funciona", teriam dito os PMs. Osmar se negou a pagar a quantia e acabou sofrendo represálias mais tarde.
Após algum tempo, os policiais voltaram ao bar e, segundo o proprietário, "encontraram" um revólver no estabelecimento. "Um deles chegou na porta e apontou uma arma para mim. Outro entrou, me algemou e me colocou em um canto. O J. Alves me perguntou se eu tinha arma ou droga no bar e eu disse que não. Então ele retrucou: "Então agora vai ter". "Até hoje eu nunca vi esta arma", alegou Osmar, que passou 21 dias na cadeia acusado de porte ilegal de arma. Ele também já foi policial militar, colega dos milicianos que hoje acusa, e denunciou a situação à própria PM, que abriu sindicância interna, conduzida pelo tenente Renato Luiz Rodrigues Júnior, da 4.ª Companhia do 13.º Batalhão (o mesmo onde trabalham os acusados).
O tenente Renato explicou que todos os envolvidos foram ouvidos e que a denúncia de Osmar é improcedente. "Os policiais foram até o local por uma reclamação de barulho no estabelecimento e acabaram encontrando um revólver calibre 38 no balcão, além de uma máquina caça-níqueis", explicou o oficial. "Na sindicância, quando questionado, Osmar não afirmou, com certeza, que teria sido o policial quem "plantou" a arma no local. Ele titubeou e disse que até poderia ter sido um cliente, visto que o local era freqüentado por um grande número de pessoas. Além disso, o J. Alves e o Ferrali, por problemas antigos com o dono do bar, nem entraram no estabelecimento, justamente para evitar desconfortos. Pediram que outro oficial o fizesse", conta o tenente Renato.
Com base nesses depoimentos, a sindicância foi encerrada, considerando a denúncia improcedente. O exame de impressões digitais na arma não foi realizado, fato que poderia comprovar se o revólver pertencia ou não a Osmar. "Esse passo fica para a Polícia Civil, que investiga agora o caso dele", finaliza o oficial.
