Na Colônia Penal Agroindustrial (CPAI), que mantém presos em regime semiaberto em Piraquara, a sociedade pode ter esperança de recuperação de homens que já estiveram do lado da violência. Muitos conseguem uma nova vida, nunca mais voltam para o crime e viram exemplo para os que lutam para deixar o passado criminoso para trás.

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Com ofertas de estudo e cursos profissionalizantes, o percentual de recuperação dos internos é alto. “Temos a faixa que não tem jeito, mas aqui é a grande chance para a maioria. Somos a única colônia no Brasil que tem 1.100 homens trabalhando de 1.400 detentos”, conta diretor da CPAI, Ismael Meira.

Estudo

O objetivo é aumentar o percentual de detentos que estudam. Apenas 50% frequenta as salas de aula, mas o diretor comemora a proximidade de mudança. “Vamos aumentar as vagas de estudo de 700 para 1.100 e temos presos na lista de espera”, destaca o diretor.

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As vagas, em sua maioria serão para pesos que trabalham fora ou nas empresas instaladas na CPAI. O turno da noite é o mais frequentado. Os presos que trabalham durante o dia retornam para a Colônia e dedicam algumas horas aos livros e cadernos antes de irem para suas celas.

Exemplo

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Um dos detentos virou símbolo na CPAI. Terminou o segundo grau nas salas da Colônia, prestou o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e conseguiu vaga em três universidades de renome. “Agora tentamos conseguir, por doação, um notebook para ele. O juiz autorizou a saída do interno para cursar a faculdade. São essas coisas que nos motivam”, comemora Meira, que trabalha no sistema penitenciário há 25 anos.

Chamados presos da consciência, por terem acesso às ruas, eles surpreendem pelo baixo índice de evasão, ficando em torno de 3% ao ano. O trabalho para resgatar os homens que já atormentaram a sociedade é diário. “Sozinho o governo não consegue proporcionar tudo que é preciso, ou que achamos que é necessário. As novas salas de aula foram possíveis por parcerias, temos dez empresas aqui dentro e 25 lá fora que recebem estes presos. Muitos saem empregados”, acrescenta Meira.

Novos caminhos pra “vida loca”

Marco Charneski
“João” se sente renovado.

A Colônia Penal Agroindustrial há muitos anos tem sido um espaço para recuperação de valores, autoestima e criação de novo caminho. Muitos presos aprendem a trabalhar e a ganhar salário. Alguns aprendem já na primeira, outros precisam de um verdadeiro vai e volta para criar consciência.

Porém a opinião é quase unânime, o regime fechado não recupera ninguém. Presos entre quatro paredes, cercado de agentes, cães, cercas elétricas, os delinquentes ganham mais força para voltar ao mundo do crime, numa espécie de vingança pelo regime a que foram submetidos.

“Ninguém se recupera no regime fechado. Você quer é mais fugir, sair de lá. Aqui na Colônia você muda isso. Estou aqui há um mês e estou louco para trabalhar. Até pedi para ficar na ala mais tranquila”, diz um dos detentos. Ele conseguiu uma vaga na casa recém-construída que abriga idosos, portadores de necessidades e enfermidades.

Mudança

Com apenas 21 anos, Carlos (nome fictício), precisou de pouco tempo nas celas de uma delegacia para perceber que precisa repensar sua vida. Detido por ir “no embalo dos camaradas”, ele está na CPAI há poucas semanas e não se incomoda de passar as tardes arrancado matos e limpando o jardim. “Quero cumprir logo o que tenho pra cumprir e não volto mais. Não tem o que pague o que tinha antes”, comenta o jovem.

A empolgação é visível em que escolhe o caminho da recuperaç&,atilde;o. “João” (nome fictício), está empolgado com os poucos meses que faltam para sair da CPAI e com a expectativa de bom salário. Soldador, ele está em um seleto grupo de profissionais que estão em alta no mercado. “Peguei 18 anos, demorei a sair da “vida loca’ quando estava no regime fechado, aquilo não recupera ninguém. Mas hoje estou renovado e pronto para sair. Posso dizer que fui recuperado”, comemora.

De presidiário a gerente

Marco Charneski
Produção de tijolos é chefiada por ex-detento.

Vitórias não são raras em meio aos detentos da Colônia Penal Agroindustrial, mas nenhuma tem tanto destaque quanto de Mauri de Vitti. Hoje, ele é gerente da Eco Produções (especializada em tijolos ecológicos), empresa instalada dentro da CPAI. Seu passado lhe rendeu 19 anos em regime fechado e os últimos três, Mauri passou na CPAI.

Conseguiu transformar a vergonha da família em orgulho para todos. “Abandonei a menina quando ela tinha apenas 2 anos. Consegui recuperar o amor e o orgulho dela e de minha esposa. Mas foi depois de sete anos que comecei a pensar nisso. Não queria que a minha filha tivesse vergonha de mim e hoje consigo ser orgulho para ela”, relatou, emocionado, o ex-detento.

Equipe

Mauri comanda uma equipe de homens que cumprem pena na CPAI e muitas vezes sua história volta a ser assunto nas rodas. “Nem preciso relembrar muito, eles já me conhecem de quando estava preso. Hoje tenho um salário bom, a empresa paga meu aluguel e tenho alimentação. É a melhor fase da minha vida”, comentou.

Não foi apenas a CPAI que mudou a rotina e a consciência de Mauri. Ele garante que, antes de tudo, é preciso querer mudar. “Não adianta ter o melhor programa se a pessoa não quer. É preciso esse desejo, antes de qualquer coisa. Coloquei para mim mesmo que faria de tudo para sair daqui uma nova pessoa. E saí. Agora voltei, mas como trabalhador”.

Rendimento acima do esperado

A participação da sociedade, que paga caro para se manter em segurança, continua sendo uma das pontes para tentar resgatar pessoas da vida criminosa. Na Colônia Penal Agroindustrial dez empresas apostaram e colhem resultados inesperados. “A produtividade deles aqui é 100% do potencial da máquina, coisa que não conseguimos com o civil. Eles estão sempre dispostos a aprender, são mais atentos e perdem menos tempo sem fazer nada”, explica Eberson Rodrigo Dornellas, gerente da BMV, empresa de produção de peças que instalou uma unidade na CPAI, há seis semanas.

É preciso encarar o próprio preconceito antes de aderir a um projeto social com integração de detentos. Eberson precisou passar pelas barreiras que ele mesmo havia criado. “Já nos primeiros dias vi que não havia nada de diferente. Eles querem mesmo trabalhar e você esquece que são presos”, conta o gerente.