Viver nos bairros que concentram a maior parte dos homicídios registrados na capital paranaense provoca medo nos moradores. A Cidade Industrial de Curitiba (CIC) é o local onde mais assassinatos foram registrados ano passado na capital, com 66 ocorrências, segundo levantamentos feitos pela equipe de O Estado com base nos dados do Centro de Operações da Polícia Militar (Copom). A população atesta: apesar do temor, a violência não extingue a felicidade. No entanto, conviver com ela exige cautela e submissão às regras, essencialmente a do silêncio.
Na última semana, quando a Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) divulgou o número de homicídios na capital, constatou-se que a CIC está entre os cinco bairros de Curitiba que concentram 60% do total de assassinatos. Os levantamentos da Sesp também apontam que o tráfico de drogas está por trás de 80% dos casos.
O perfil dessa verdadeira cidade dentro da capital atesta o porquê dessas constatações. Primeiro, por seu tamanho: todas as localidades que integram a CIC somam cerca de 280 mil habitantes, segundo informações do Conselho de Segurança local, o Conseg-CIC. Segundo, pelo perfil populacional e de freqüentadores. Como o nome diz, é local que concentra empresas, dinheiro, pessoas de todas as classes sociais, tudo isso em contraste com a pobreza e o grande número de invasões, sonhos frustrados de quem veio a Curitiba para tentar uma vida melhor e acabou encontrando poucas oportunidades.
O presidente do Conseg-CIC, Walter Cezar, não nega que medo e ameaças existem. ?Mas isso não muda o fato de que esse lugar é o melhor para se viver e realizar sonhos?, diz o operário, que vive na CIC desde a década de 70. Para ele, o que provoca índices alarmantes em termos de violência é a ausência de justiça social. ?Viver em áreas não regularizadas possibilita também a não-identificação das pessoas. Aqueles que têm propensão ao crime se aproveitam dessa situação e passam a arrebanhar seus cartéis, conquistando poder no local por meio das drogas, prostituição e roubo?, explica, citando os principais problemas que hoje contribuem para a violência na CIC.
Bater de frente com esse sistema próprio, nem pensar. O Conseg trabalha no sentido de alavancar ações e integração entre a comunidade, com vistas ao bem-estar social. ?Afinal, não pode haver resolução dos problemas sem o envolvimento da sociedade?, acredita Cezar. Ele confessa, entretanto, que mesmo com as ações de cunho informacional e de proteção às famílias, nem sempre é fácil conseguir a colaboração de quem vive no bairro. ?As pessoas não se envolvem porque têm medo?, diz. ?Os crimes podem até gerar um boletim de ocorrência, mas não chegam ao termo circunstanciado, que necessita testemunhas, informações. Ninguém quer contribuir por temer pela própria vida e também porque há descrédito da Justiça.?
Bandidos da nova geração
Foto: Ciciro Back |
Iranei: presença de garotos. |
O rosto do crime na CIC vem mudando com o passar dos anos. Em termos de índices de homicídios, o presidente do Conseg, Walter Cezar, garante que o bairro já viveu dias até piores. No entanto, quando o assunto é o perfil dos envolvidos no crime, a entrada de adolescentes e crianças é uma realidade que assusta. ?Há cerca de dez anos, percebíamos o envolvimento de adolescentes a partir dos 14 anos. De quatro anos para cá, passou a ser grande o número de garotos entre 12 e 13 anos envolvidos?, alerta o líder comunitário do conselho, Iranei Fernandes.
A partir do ano passado, a CIC passou a vivenciar mais um problema: a prostituição de adolescentes. ?São várias as denúncias de adolescentes de 10, 12 anos, servindo como iscas de adultos nas proximidades da BR-116?, informa o presidente do Conseg.
Os membros do conselho afirmam que falta policiamento preventivo. ?Contingente existe, mas não o suficiente para atender a todos?, diz Cezar. A Polícia Militar, pela assessoria de imprensa, informa que não é possível dizer a quantidade de policiais atuantes no bairro porque trata-se de um número flutuante. A PM diz que existe um efetivo fixo, mas que não pode ser citado por razões de segurança.
A Secretaria Especial Antidrogas, recém-criada em Curitiba, atesta que a CIC será o primeiro bairro da cidade a receber ações preventivas para coibir o tráfico. Já a Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp) tomou como medida unir os trabalhos da Delegacia de Homicídios com a Divisão de Narcóticos, a fim de ?congelar? os locais das ocorrências e prender os culpados. (LM)
População do bairro se ajuda
O dia a dia de Jucelei Terezinha de Castilhos, presidente do Clube de Mães e Amigos da Vila Verde, um dos pontos mais violentos da CIC, consiste em diversas ações. Uma delas, porém, não muito comum na vida de uma comunidade classe média. ?Aqui a gente limpa valeta, arruma asfalto, organiza velório?, cita.
Ajudar as famílias que perdem seus entes queridos para o crime e por causa dele é uma constante na vida dessa líder comunitária. Afinal, as ocorrências são quase diárias. ?Ontem, um que morava aqui foi achado morto no centro, hoje é outro que morre. É assim que funciona. Aqui, sou surda e muda. Não tenho nada a ver com o que acontece, apenas faço a minha parte, a de ajudar as mães?, relata.
Para a presidente do clube, que cuida de praticamente todos os problemas dos 14 mil moradores da Vila, essa é uma realidade com a qual se aprende a conviver. ?A gente se acostuma vendo o sofrimento?, define Jucelei, que improvisa em um barracão a capela mortuária.
A definitiva deve ser construída em breve, o que a líder comunitária considera uma conquista. ?Sou feliz por poder ajudar as pessoas, apesar de todos os problemas?, define. (LM)