Chacina de Carambeí VI

Os empregados ocupam a antiga casa de Dirk e Mirian, no Sete Quedas. O lugar é triste e sombrio.

O Sítio Sete Quedas ainda pertence à família Boer. Na primavera, Adrianus, o patriarca, costuma ir até o lugar, mas não entra na casa onde aconteceu a chacina. Ele fica observando a florada das árvores, na mata que cerca a propriedade. Assistir ao renascer das flores deve lhe trazer lembranças que só ele conhece.

A casa que abrigou Dirk, Mirian e o filho Thiago, que foi palco da chacina que abalou Carambeí, ainda existe. Deteriorada pelo tempo, ela é ocupada hoje por 13 pessoas de uma mesma família. Todos empregados dos Boer. São oito crianças e cinco adultos. Antes, eles moravam em um casebre existente nos fundos, próximo do Rio Pitangui, que corta a propriedade com suas belas cachoeiras. Mas, por não ter condições de abrigar a todos, o funcionário Getúlio dos Santos pediu autorização ao patrão para ocupar, com a família, a casa principal.

carambei03290707.jpgGetúlio e a mulher, Solange Oliveira, acomodaram-se na antiga moradia dos Boer com os irmãos dele e a mãe dela, além dos filhos pequenos. Embora o espaço seja grande, não há móveis suficientes para preenchê-lo. Na cozinha, existem alguns poucos armários e na sala da lareira, que antes acomodava um sofá confortável e móveis simples, mas de bom gosto, agora só há uma grande mesa tosca, algumas cadeiras e um televisor pequeno, única diversão das crianças. Cães ficam soltos pelo terreiro, onde as árvores parecem não querer vingar. O cenário é triste, apesar de toda a beleza natural do lugar.

Solange e a mãe, Maria Rosa, pouco se lembram da chacina.

?A gente sabe o que aconteceu, porque todo mundo comenta até hoje. Todos querem saber quem matou o Boer e por que, mas ninguém fala do assunto diretamente. A maioria das vezes o que se sabe é por ouvir dizer, por cochicho?, garantem as duas. No entanto, as inegáveis marcas de sangue que se perpetuam pelo chão do banheiro confirmam que ali houve mortes brutais.

?A gente já lavou aquilo com tudo, mas elas nunca saem.

Até clareiam um pouco, mas depois reaparecem com a mesma força?, revela Maria Rosa.

As pequenas quedas do Rio Pitangui deram nome ao sítio.

No início, quando mudaram-se para a casa grande, as mulheres tinham um certo receio. ?Diziam que a gente iria ouvir vozes, principalmente gemido de crianças. Outro sujeito que morou aqui disse que ouvia coisas. Às vezes a gente escuta alguma coisa estranha, mas não dá bola. Se for assombração, fazer o quê, né??, pergunta Solange, com um dos filhos no colo. Com ou sem medo, é ali que eles precisam morar para poder cuidar da terra e das criações.

Além da criação de carneiros e porcos, planta-se soja, milho e aveia no Sete Quedas. O sítio tem pouco mais de sete alqueires e a administração fica por conta de Leenderd Ari Boer, filho mais velho de Adrianus, que mora nas proximidades, em outra fazenda.

A espera por um ?Capote? que não apareceu

Na sala, a mesa tosca destoa da beleza da lareira de pedras.

Trinta anos antes da ?chacina de Carambeí?, em 1959, quatro membros da família Clutter, moradora numa cidadezinha agrícola do Kansas (EUA), foram dizimados a tiros de escopeta, por dois assaltantes.

A polícia local trabalhou muito e rapidamente e, meses depois, prendia os dois acusados pelo crime. Ambos foram julgados e condenados à morte por enforcamento, em 22 de junho de 1965. O caso todo resultou num clássico da literatura contemporânea:

A sangue frio, escrito por Truman Capote (1924-1984).

Em março de 1989, quando era articulista de O Estado do Paraná, o jornalista Aramis Milarch (já falecido), em uma de suas colunas, falou sobre a ?chacina de Carambeí? e fez um paralelo com o caso americano. Em seu texto, Milarch, entre comovido e irritado com o fato de um caso tão brutal não ser esclarecido, dizia da necessidade de vir um ?Capote para Carambeí?, para investigar profundamente o que ele chamou de ?um crime que ultrapassa os limites das páginas policiais?. O ?Capote? nacional não apareceu. Os policiais que tiveram contato com o caso foram afastados e seguiram seus rumos. A família chacinada buscou esquecer, ou pelo menos busca o esquecimento até hoje.

?Nós somos evangélicos. Já perdoamos os assassinos. Agora, só esperamos que a Justiça de Deus faça a sua parte, porque na dos homens não há mais nada a se fazer.? A declaração de Renilda da Silva, atual esposa de Adrianus Boer, o patriarca da família, deixa claro o desinteresse em torno de uma solução.

Mas, contrariando tudo isso, as manchas de sangue que se perpetuam no banheiro da casa principal do Sítio Sete Quedas parecem cobrar, da família e das autoridades, uma resposta para o caso, de forma que Mariana, Dirk e Thiago possam descansar em paz.

Caso alguém tenha informações sobre a chacina, que possam ajudar a polícia no
esclarecimento do mistério, ainda há tempo de comunicar a delegacia mais próxima
ou fazer contato com a Tribuna, através do e-mail policial@tribunadoparana.com.br.

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