Caso abre discussão sobre nova lei das armas

Dois irmãos são vítimas de furto. Prevenidos, apanham armas para não entrar desprotegidos na casa arrombada. A polícia os surpreende com pistolas na cintura e os dois acabam presos em flagrante, por porte ilegal de arma de fogo.

O caso aconteceu na última segunda-feira, em Curitiba, e levantou nova discussão sobre o Estatuto do Desarmamento, que vigora desde o final de dezembro e restringe a posse de armas, além de prever punições mais severas a quem carregá-las ilegalmente. A história dos irmãos Heygert é tratada pelos críticos do estatuto como exemplo claro de que a lei prejudica o direito de defesa do cidadão comum e trata vítimas como criminosos. Ao mesmo tempo, quem defende a nova legislação indaga a razão e aponta o perigo de se carregar armas aleatoriamente a qualquer lugar.

Flagrante

Ana Cristina Heygert, 22 anos, voltou do litoral segunda-feira à noite e passou na casa em reforma da família, na Rua Ubaldino do Amaral, Alto da Glória. Antes de abrir o portão, percebeu sinais de arrombamento – portas e janelas abertas – e logo telefonou para os irmãos Fabrício Paviê de Oliveira Heygert, 26 anos, e Victor Paviê de Oliveira Heygert, 27.

Os dois apanharam duas pistolas de propriedade do pai e foram à casa. Não havia ninguém, mas fiação e componentes elétricos, vaso sanitário, pia e outros acessórios foram furtados. Dez minutos mais tarde apareceram policiais militares – acionados por um vizinho que percebeu a movimentação estranha -, que mandaram os irmãos deitar no chão. Como não tinham porte das armas que carregavam na cintura, receberam voz de prisão e foram levados de camburão ao 1.º Distrito Policial.

Defesa ou perigo?

Mesmo a contragosto, o delegado Luiz Alberto Cartaxo Moura, titular do 1.º DP, foi obrigado a autuar em flagrante os irmãos. A lei não prevê circunstâncias especiais de defesa e estabelece prisão sem direito a fiança a quem for pego com uma arma sem registro, mesmo dentro de casa. No caso dos Heygert havia o registro, mas em nome de um terceiro (o pai deles), única pessoa que poderia portar as pistolas. “A lei desarma o cidadão de bem, que quer defender seu patrimônio, mas não o bandido, já que a arma ilegal segue existindo. Sem contar que não acaba com a indústria de armas”, argumentou Cartaxo.

Segundo Fabrício, ele e o irmão – que preferiram não ser fotografados – foram liberados às 19 horas de segunda-feira, através do pagamento de uma fiança de R$ 1.200,00 cada um. O delegado Cartaxo disse não estar inteirado do motivo da soltura e do valor supostamente pago, mas deduz que houve pedido à Central de Inquéritos de liberdade provisória ou de relaxamento do flagrante, já que a nova lei não prevê pagamento de fiança para casos comuns de prisão por porte ilegal de arma. O advogado dos detidos não foi localizado pela Tribuna.

De qualquer forma, a prisão e o indiciamento em inquérito trouxeram constrangimento para o empresário Fabrício e o designer Victor, que não tinham passagem pela polícia. Eles questionam a restrição imposta pelo estatuto e a rigidez da lei. “Se alguém invade sua casa e você não pode ligar para a polícia, a primeira coisa que faz é pegar um cabo de vassoura, uma faca ou um revólver. A intenção nunca é matar, mas você não sabe o que encontrará pela frente”, defende-se Fabrício.

Reflexão

Já o delegado Guaracy Hoffmann, titular da Delegacia de Explosivos, Armas e Munições (Deam), considera o estatuto muito mais benéfico do que prejudicial à sociedade. Ele condena a atitude dos irmãos, que não acionaram a polícia antes de ir à casa arrombada. “A pessoa deve refletir muito sobre o motivo de ter a arma e se é necessário carregá-la. Eles pretendiam matar algum invasor? Não é o procedimento correto”, questiona, lembrando um caso ocorrido em 2002, quando um policial civil foi morto em Colombo, por uma vítima de arrombamento que o confundiu com um ladrão.

O delegado – que é principal autoridade responsável pela emissão do porte – considera, no entanto, que a lei é muito severa. “São importantes o aumento das penas e a obrigatoriedade da renovação periódica do registro. Mas a legislação nivelou todos os donos de arma aos traficantes do Rio de Janeiro”, ponderou.

Para justificar a atitude tomada, os irmãos evocam outra questão: a eficiência da polícia. “A casa da Rua Ubaldino do Amaral foi arrombada seis vezes em um ano. Nas outras cinco chamamos a PM, mas o atendimento demora de 20 a 30 minutos. Era mais provável não encontrarmos ninguém lá dentro, mas se acontecesse e nos atacassem, haveria como nos proteger”, afirma Fabrício. “A lei deveria olhar com mais cuidado para certos casos”, completa Victor.

Entrega voluntária de armas tem aumentado

O Estatuto do Desarmamento, que entrou em vigor em todo País no último dia 23 de dezembro, está contribuindo para que cada vez mais pessoas se desfaçam voluntariamente das armas de fogo que possuem em casa. Só em Curitiba, desde o início deste ano, 53 armas já foram recolhidas pela Delegacia de Explosivos, Armas e Munições (Deam).

No Paraná, a entrega das armas também é incentivada pela Lei Estadual 14.171, do dia 5 de novembro do ano passado. A lei prevê o pagamento de R$ 100,00 por arma apreendida por policiais e de indenização de R$ 100,00 a civis que, de forma voluntária, se desfizerem de suas armas, sejam elas regularizadas ou não.

No caso dos policiais, o valor deve ser registrado em folha de pagamento. Já os civis recebem uma cópia do comprovante de entrega. Outra cópia fica com a polícia e uma terceira vai para a Secretaria da Segurança Pública (Sesp), que é a responsável pela expedição da ordem de pagamento. A verba para pagamento das indenizações é proveniente da própria secretaria.

“O Estatuto do Desarmamento coloca a pessoa que porta irregularmente uma arma como criminosa, sujeita à prisão de dois a quatro anos (antes a pena era alternativa). O crime é considerado inafiançável”, informa o delegado da Deam, Guaracy Hoffmann. “O medo que as pessoas sentem de serem apontadas como criminosas e a oportunidade de receber indenização pela lei estadual têm incentivado a entrega das armas”, explica ele.

Nas últimas semanas, a Deam tem recebido uma média de seis armas por dia. Antes de o estatuto vigorar, a média era de duas por semana.

Ibope

Pesquisa Ibope realizada entre os dias 18 e 22 de setembro do ano passado, com 2 mil eleitores em 147 municípios brasileiros, revelou que 80% dos entrevistados defendiam a proibição da venda de armas de fogo a civis. Apenas 16% se mostraram a favor da liberação da comercialização de armas e 4% não opinaram.

Especificamente sobre o Estatuto do Desarmamento, 65% das pessoas consultadas disseram que as medidas previstas vão contribuir com a redução da violência, 23% foram da opinião de que nada deve mudar e 8% de que a criminalidade deverá aumentar.

Mais uma prisão

A denúncia pelo telefone 161 – Narcodenúncia – era de tráfico de drogas, mas a polícia apreendeu um revólver calibre 32, com a numeração lixada, em uma casa da Rua Luiz França, no Cajuru, às 17h30 de ontem. Oséias da Silva Cipriano, (foto) 18 anos, assumiu a posse da arma e disse tê-la comprado há cerca de 6 anos (ele tinha 12 anos na época). “Tinha por ter, ficava guardado”, disse. O revólver foi encontrado em cima de um guarda-roupas, na casa da namorada do rapaz. Segundo o sargento que participou da ocorrência, Oséias ficava próximo ao portão entregando drogas a usuários. Com ele foram apreendidas quatro pedras de crack e R$ 291,00.

Há grupos que defendem o uso para proteção

No site www.prolegitimadefesa.org.br (da organização Pró-Legítima Defesa, criado pelo grupo de extrema-direita Tradição, Família e Propriedade -TFP) pode ser encontrada uma ferrenha defesa ao porte de armas pelo cidadão comum. O site lembra situações de risco, como um assalto na rua ou a invasão de uma residência feita por um bandido armado, e salienta que a vítima tenha o direito de ter sua arma para se defender nessas situações.

“Você está voltando para casa. Um bandido salta-lhe no pescoço, e está a ponto de estrangulá-lo. Você não consegue gritar por socorro, por sorte sua mão alcança um pedaço de pau. O que você deve fazer? Tentar convencer pela lógica o bandido que está cometendo um crime? Um outro chega em casa, cansado da faina diária. Entra na sala um bandido. Com um revólver ameaça matar os seus filhos, violentar sua esposa e filha, o que fazer contra esse homem-fera, este homem-animal? Esperar que ele reconheça o erro que está praticando, demovê-lo de sua má intenção, convencê-lo pela lógica?”, questiona o site, lembrando que não é desarmando as pessoas honestas que haverá redução na criminalidade.

Principais pontos do estatuto do desarmamento sancionado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva

Poderão possuir e portar armas as Forças Armadas (Exército, Marinha e Aeronáutica) e as polícias Federal, Militar e Civil dentro e fora de seu expediente de trabalho.

Os que quiserem possuir armas terão de obedecer aos seguintes critérios: ter mais de 25 anos; comprovar habilidade técnica para atirar e habilidade física e psicológica; não ter antecedentes criminais; e, comprovar o exercício de ocupação prevista em lei e residência fixa.

Quem comprovar necessidade especial ou risco à sua integridade poderá ter a posse autorizada limitadamente e por determinada região. Essa autorização será cassada se a pessoa for encontrada sob efeito de álcool ou entorpecentes.

Foi excluído o ponto previsto pela Câmara que permitia o porte para agentes da Receita, da Justiça do Trabalho, das Varas da Criança e do Adolescente e fiscais do Ibama.

Funcionários de empresas de segurança poderão andar armados, desde que seja repassada a lista de funcionários e com testes psicológicos semestralmente. Um funcionário mandado embora perde o direito de portar a arma.

Está previsto para outubro de 2005 um referendo popular sobre os pontos mais polêmicos do estatuto

Em defesa do desarmamento

– A cada treze minutos um brasileiro é assassinado no Brasil.

– Um cidadão armado tem 57% mais chance de ser assassinado do que os que andam desarmados.

– A cada 7 horas uma pessoa é vítima de acidentes com arma de fogo no Brasil. O Brasil é o país onde mais se mata com arma de fogo no mundo.

– Um jovem brasileiro tem 4,5 vezes mais chances de morrer do que o restante da população.

– 9 entre cada 10 homicídios são praticados com arma de fogo no País.

– Em São Paulo, quase 60% dos homicídios são cometidos por pessoas sem histórico criminal e por motivos fúteis.

– No Rio de Janeiro, um em cada dois jovens que morrem, é vítima de arma de fogo.

– As armas de fogo provocam um custo ao SUS de mais de 200 milhões de reais.

– A violência consome 10.5% do PIB na América Latina.

– Das armas apreendidas pela polícia no Rio de Janeiro, mais de 80% eram brasileiras e 90% de calibre permitido, ou seja, mesmo que o bandido não compre armas em uma loja, são armas que entram de forma legal as mais utilizadas para roubar e matar em nosso país.

– Nos EUA, para cada vez que um cidadão usa uma arma de fogo para matar em legítima defesa, houve 131 casos de assassinatos, suicídios e acidentes envolvendo armas.

– A chance de uma mulher morrer assassinada com arma pelo marido ou amante é duas vezes maior do que por um desconhecido.

-Quem tem arma em casa tem quase 3 vezes mais chances de morrer em um assalto do que os que estão desarmados.

– As grandes cidades, onde estão concentradas as armas de fogo, registram a maioria dos homicídios.?

Fonte: www.soudapaz.org (site do Instituto Sou da Paz, criado por estudantes de direito e parentes de vítimas de assassinatos)

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