Caixa preta do Detran prestes a ser arrombada

A caixa preta do Detran pode ser aberta a qualquer momento. O pé de cabra está nas mãos do diretor-geral, Marcelo Almeida, e vontade de arrombá-la não lhe falta. Tudo, no entanto, depende daqueles que, literalmente, sangraram a autarquia. “É melhor negociar e ficar livre para trabalhar, do que entrar numa guerra sem fim”, prefere Almeida que tem planos para resolver um dos maiores e mais perversos problemas que atingem a população paranaense, em especial, a curitibana: os acidentes e as mortes no trânsito.

O vereador, que sonha em ser prefeito de Curitiba daqui a 10 anos, parece ter, em mãos, a imagem da Santa Desatadora de Nós. Fé ele confessa ter bastante. Hoje, o Detran amarga contratos cabeludos – ou peludos – como diz, em valores totais que superam R$ 48 milhões por ano. São contratos que fugiram dos meios legais e que precisam ser aniquilados para o bem dos cidadãos paranaenses, sustenta. Em entrevista a O Estado, Marcelo Almeida exibiu alguns desses contratos, mas não os divulgou.

Depois de muita conversa -e insistência – nos brilhou com um deles, que envolve a empresa Sofhar, no valor de R$ 4,3 milhões, assinado com vigência de 12 meses. “Estamos conversando com as partes interessadas, fazendo estudos econômicos, e vamos solucionar mais esse problema”, afirma. O empresário Luís Mário Luchetta, diretor da Sofhar, explica que o contrato de sua empresa com o Detran está sendo avaliado para se chegar a um acordo comum. Na esteira desse contrato, existem dezenas de outros que, pouco a pouco, deixarão de existir. Por bem ou por mal, garante Almeida.

Acidentes

Não são apenas esses contratos que incomodam o diretor-geral do Detran, que esteve mergulhado durante 40 dias na busca de soluções para problemas como o grande número de acidentes e mortes no trânsito. Ele considera o trânsito de Curitiba um caos e quer, como diretor da autarquia estadual, privilegiar o cidadão, que tem direito a andar.

Na opinião de Almeida, é preciso maior orientação sobre problemas no trânsito. Segundo ele, recente pesquisa revela que 100% dos pais não sabem que seus filhos ingerem substâncias alcoólicas, ou seja, bebem e dirigem. Perto de 60% dos que batem o veículo e morrem estão alcoolizados, e 40% não passam de 24 anos de idade, lamenta.

O que acontece em Curitiba, “não podemos chamar de acidentes de trânsito, e sim de doença”, sugere Almeida, justificando que “todos nós sabemos em que dia da semana, em que semana do mês e em que mês do ano morre mais gente no trânsito”. Depois de constar esse perfil traçado sobre as causas e mortes dos acidentes em Curitiba e no Paraná, há a promessa do novo diretor-geral do Detran que pretende revolucionar e mudar esse tão borrado quadro que deixa seqüelas nas famílias paranaenses.

O Estado

– Não está na hora de abrir essa caixa preta?

Almeida

– Estamos comendo o mingau quente pelas beiradas. Na hora certa o governador terá a honra.

O Estado

– E os contratos cabeludos. Pode revelar?

Almeida

– Existem vários contratos que assustam e chegam a R$ 48 milhões por ano. Estamos negociando caso a caso.

O Estado

– Pode nos revelar apenas um?

Almeida

– Temos um contrato no valor de R$ 4,3 milhões com a empresa Sofhar com vigência de 12 meses. Estamos negociando seu fim.

O Estado

– Sangraram o Detran?

Almeida

– As pessoas deveriam voltar e falar para o povo o que fizeram. Tenho vergonha de falar o que sinto e o que vi.

O Estado

– Pretende acabar com a politicagem dentro do Detran?

Almeida

– Se eu puder, sim. É preciso gente capacitada, que entenda de trânsito para atuar no setor.

O Estado

– O Detran tem poder de polícia?

Almeida

– Sim. Possui conselho que envolve as secretarias de Segurança, Transporte, Administração e Fazenda e trabalho interligado com todo o sistema das polícias Militar e Civil.

O Estado

– O trânsito de Curitiba é considerado assassino?

Almeida

– Considero um caos. Falta plano diretor, quando o assunto é veículo. São 3.500 carros a mais por mês nas ruas de Curitiba. É, portanto, preciso melhorar a qualidade do transporte e temos que privilegiar o cidadão, que tem direito a andar.

O Estado

– O que mais causa acidentes e o que mais mata no trânsito?

Almeida

– O álcool.

O Estado

– Grande número de acidentes está vinculado ao motorista e ao pedestre. Como explica isso?

Almeida

– Milhares de pessoas que recebem carteiras de motorista não tem qualquer habilidade para dirigir. Precisamos de qualidade e responsabilidade.

O Estado

– Com a carteira definitiva ao jovem somente após um ano, pode reduzir o número de acidentes?

Almeida

– Não acredito.

O Estado

– Qual o índice de mortalidade entre os jovens no trânsito envolvendo drogas?

Almeida

– 40% dos que morrem no trânsito são jovens. Desses, 63% ingerem álcool, 7,3% usam maconha, 4,3% remédios e 2,3% cocaína.

O Estado

– Por que no psicotécnico do Detran não existe nada em relação ao uso de drogas?

Almeida

– A avaliação do psicotécnico é muito superficial. Acabo de convidar a psicóloga Adriana Picheto para assumir a presidência do Conselho do Detran.

O Estado

– A enxurrada de multas realizadas pela Prefeitura de Curitiba pode diminuir o número de acidentes de trânsito?

Almeida

– Cria um sentimento de punidade. É uma maneira de segurar a guerra não declarada no trânsito. É preciso arrecadar menos e salvar mais.

O Estado

– As lideranças políticas questionam o excesso de multa. Sustentam que é para campanha política. Pode explicar?

Almeida

– Primeiro tem que ver quem cuida de quem. 100% das multas – radares e lombadas – são da Prefeitura, portanto, quem deve cuidar disso são os vereadores e o Tribunal de Contas. O que arrecada e o que gasta e onde gasta.

Drogas envolvidas em acidentes

Recente estudo sobre trânsito e drogas realizado em quatro capitais brasileiras – Curitiba, Salvador, Recife e Brasília – revela que de substâncias psicoativas entre as vítimas, através da detecção de metabólicos em amostras de sangue e urina, apresentaram os seguintes resultados: Em 61% dos casos foi verificada a presença de álcool no sangue. Para as outras drogas pesquisadas, pode-se afirmar que se verificaram percentuais que, embora baixos, podem ser considerados significativos para maconha (7,3%), cocaína (2,3%) e diazepínicos (3,4%). Brasília foi a cidade que mais apresentou percentual de alcoolemia positiva (77,4%). O grupo de 20 a 29 anos foi o que apresentou maiores níveis de alcoolemia.

Almeida em um posto cobiçado

Madrugada de segunda-feira, dia 17 de fevereiro de 2003. Mais precisamente às 5h30. O vereador curitibano, Marcelo Almeida, 36 anos, já estava a postos, na linha de frente de um dos órgãos do governo estadual mais cobiçado, politicamente, e repleto de perigosas armadilhas: o Detran.

O sangue quente corre em suas veias e o coração bate acima do normal quando o debate envolve trânsito, acidentes, mortes e cidadão, confessa. “Nunca na minha vida eu fui tão feliz como agora. O governador Roberto Requião me deu essa oportunidade e jamais vou esquecer ou decepcioná-lo”, garante. E começa bem. Ao estilo do governador – seu segundo pai, como gosta de afirmar – ao exibir um elenco de contratos cabeludos, sem licitações, que envergonham qualquer paranaense. “Estamos na Faixa de Gaza, na trincheira, negociando caso por caso. Não queremos traumas. Nosso desejo é que essas empresas, envolvidas nesse desmando, deixem o Detran, pois suas ações não condizem com o estilo Roberto Requião de governar”, observa, adiantando que em março, quando apresentará seu plano de governo a Requião, todos esses nós já estarão desatados.

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