Cabeleireira diz que roubou criança por amor

?Por amor?, Márcia de Freitas Salvador, 32 anos, disse ter cometido o seqüestro que se misturou à dramaturgia e ganhou repercussão nacional. A cabeleireira, mãe de uma filha de 12 anos, foi presa no fim da tarde de segunda-feira e apresentada ontem de manhã à imprensa, pelo Sicride (Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas). Ela confessou o seqüestro do bebê Gabriele, retirada dos braços da mãe na madrugada do último domingo, no Hospital Evangélico de Curitiba, e já devolvida à família.

Márcia, que mora num apartamento no Sítio Cercado, onde foi presa, disse que ter decidido seqüestrar uma criança na última sexta-feira. Em agosto do ano passado ela abortou espontaneamente um feto de dois meses, gerado com o ex-namorado Edson Luís Túlio. Logo o relacionamento terminou e a cabeleireira viajou para São Paulo. Márcia escondeu ter sofrido o aborto, engordou 10 quilos e, para finalizar a história da falsa gravidez, ?arrumou? um bebê na data prevista para o nascimento. No entender dela, um filho seria um meio de se reaproximar de Edson.

O local do rapto não foi escolhido casualmente. Há cerca de dois anos, o marido de Márcia morreu após passar nove meses internado no Hospital Evangélico, por complicações neurológicas. A acusada, que conhecia a rotina do estabelecimento, tentou inicialmente entrar pela garagem, mas foi barrada por um segurança e um policial militar. Logo depois, passou sem problemas pelo Setor de Convênios. ?Ela afirma que havia funcionários nesta área, mas ninguém questionou seu ingresso ou pediu alguma credencial?, falou a delegada Márcia Tavares dos Santos, titular do Sicride, que comandou as investigações.

Já no hospital, a cabeleireira foi ao sétimo andar, onde fica a maternidade. Ela ainda tentou apanhar outra recém-nascida, mas a mãe a amamentava naquele instante. Então retirou Gabriele dos braços de Josiane de Fátima Baggio Carlos, dizendo que era enfermeira e precisava levá-la para fazer um exame. ?O bebê foi escolhido por acaso. Só tinha que ser uma menina, pois a falsa gravidez era de uma criança deste sexo?, falou a delegada.

Sem trocar a roupa branca nem cobrir o bebê, a cabeleireira deixou o hospital pelo mesmo lugar em que entrara. Ainda comprou fraldas e leite em um mercado antes de voltar para casa de ônibus. Ela contou que a menina seria registrado na próxima sexta-feira com o nome de Taísa.

Prisão

Para prendê-la, o Sicride, auxiliado pelo Centro de Operações Policiais Especiais (Cope), contou com algumas denúncias feitas pela população – uma delas levou a um endereço no bairro Santa Felicidade. Ali a polícia encontrou o ex-namorado da cabeleireira, que revelou ter sido procurado por Márcia. A mulher havia apresentado a Edson um bebê, dizendo que era filha dele. ?Ele não acreditou na história e nos levou à casa de Márcia, onde estava a criança?, relatou a delegada. A acusada ainda alegou que a menina nasceu numa maternidade em São Paulo, mas o estabelecimento não confirmou a informação e a cabeleireira recebeu voz de prisão. Logo depois, por volta das 20h de segunda-feira, Gabriele foi entregue à família.

Márcia foi encaminhada ontem a carceragem feminina do 9.º Distrito Policial (Santa Quitéria). Ela foi autuada em flagrante por seqüestro, sem direito a fiança, e está sujeita a pena de um a três anos de reclusão. O inquérito será concluído em dez dias e enviado à Justiça.

Hospital

Segundo o delegado-geral da Polícia Civil, Jorge Azor Pinto, a instituição não pode indiciar o Hospital Evangélico por falta de segurança – o processo, que deve ser movido pela família de Gabriele, se resume à esfera cível. ?Fica o exemplo e uma sugestão ao poder Legislativo para exigir maior rigor aos hospitais?, falou o delegado.

Personagem não inspirou seqüestro

Uma personalidade frágil e carente, mas sem distúrbios psíquicos aparentes. Assim o Sicride traçou o perfil da seqüestradora Márcia de Freitas Salvador, presa na segunda-feira e apresentada ontem à imprensa. A psicóloga que ouviu a acusada acredita que realmente o seqüestro foi uma mal-sucedida estratégia para reconquistar o ex-namorado.

Márcia contou detalhes do caso e de sua vida à psicóloga do Sicride, Eliane Bernardelli. A cabeleireira e Edson Tulio namoraram durante um ano e quatro meses, mas o relacionamento, segundo a acusada, era complicado. ?Ela conta que era tratada com desdém e chegou a ser agredida pelo ex-namorado, que abusava do álcool?, disse a psicóloga. Mesmo assim, Márcia fazia o que podia para agradar o companheiro.

A cabeleireira alega que não planejou com antecedência o seqüestro. Mas ela apresentou, após ao aborto sofrido em agosto, sintomas de ?gravidez psicológica?, como comer compulsivamente. Márcia disse que, pelo sofrimento recente motivado pela separação, perdeu os 10 quilos que havia engordado – fato que deu mais veracidade ao falso nascimento da criança. A mãe, que morava no Sítio Cercado, mas em outra casa, era a única pessoa que sabia do aborto. Mas ela não chegou a ver Gabriele.

A acusada disse ainda que pensou em adotar uma criança para apresentá-la a Edson. ?Mas ela sabia que os trâmites legais para adoção são demorados e desistiu da idéia?, disse Bernardelli.

Numa primeira avaliação, a psicóloga constatou que Márcia não é deseqüilibrada mentalmente. ?É uma pessoa carente, que precisa de atendimento. Foi um ato impulsivo, em que as conseqüências não foram medidas, mas ela sabe o que fez?, avaliou. Segundo a psicóloga, a detida apresenta-se bastante deprimida e chorou compulsivamente no primeiro depoimento. Agora ela passa a ser atendida pelo sistema penitenciário.

Novela

Márcia também disse à psicóloga não ter se influenciado pela personagem Nazaré, vivida por Renata Sorrah na novela Senhora do Destino, da Rede Globo. Na trama televisiva, Nazaré rouba um bebê e o apresenta à sociedade como sua filha. ?Ela disse que viu alguns capítulos da novela, mas não chegou a acompanhá-la?, disse Bernardelli.

Na Rua José Loureiro, sede do Sicride, onde foi apresentada em concorrida entrevista coletiva, a acusada pouco falou. Sempre chorando e mantendo a cabeça e o tom de voz baixos, Márcia disse estar ?muito? arrependida do gesto, feito por ?amor ao namorado?. ?Não falei para ninguém que faria isso. Pensei em tudo de um dia para o outro?, falou a mulher, que disse não ter medido as conseqüências do ato.

No reencontro, emoção

Foi de muita emoção para a família, o primeiro dia de Gabriele nos braços da mãe, Josiane de Fátima Baggio Carlos, 31 anos, depois de ter sido seqüestrada na madrugada do último domingo, na enfermaria do Hospital Evangélico Universitário de Curitiba. No entanto, a mãe ainda estava muito abatida e tinha dificuldades para amamentar a criança. Antes de retomar a vida normal, a família vai sair da cidade por alguns dias para descansar e tentar amenizar as marcas deixadas pela ausência do bebê recém-nascido. O casal também decidiu que não vão entrar na Justiça contra o hospital.

Em entrevista coletiva concedida ontem, a tia de Josiane, Maria de Lourdes Baggio, representou a família e mostrou o bebê, que dormia tranqüilamente no colo dela, alheio a toda a confusão que a cercava. Segundo ela, a mãe e o pai da criança ainda estavam muito abalados com a situação e não tinham condições de falar com a imprensa. Ela lembrou como foi o reencontro do bebê com a família. ?Foi de muitas lágrimas, uma emoção muito grande em saber que estava de volta um presente?, disse. A família pensa também em comemorar duas datas de aniversário. O dia em que Gabriele nasceu e o que voltou para os braços dos pais.

Agora o casal quer tranqüilidade, vai sair da cidade por alguns dias para se acalmar e depois levar a vida em frente. No entanto, não foi confirmado o dia em que mãe e filha receberão alta. Apesar do abatimento, Josiane está bem e a criança também. Enquanto ficou com a seqüestradora, a menina recebeu cuidados e foi alimentada.

Para Maria de Lourdes, a novela Senhora do Destino teve influencia nas atitudes da falsa enfermeira, Márcia de Freitas Salvador, 32 anos. No entanto, diz que não carrega ódio pela seqüestradora. ??É uma pessoa pobre de espírito. Não é pegando o filhos dos outros que ela vai resolver o problema?, analisa.

Maria de Lourdes agradece também a população que rezou pelo desfecho do caso e as pessoas que ajudaram na elaboração do retrato falado. ?Foi importante para se chegar a seqüestradora?, fala a tia.

Nota em resposta

A Tribuna recebeu a seguinte nota da Secretaria da Segurança Pública do Paraná, e a transcreve na íntegra:

A Secretaria da Segurança Pública do Paraná manifesta o repúdio à nota publicada neste jornal, na edição desta terça-feira (15), com o título ?A notícia não pode esperar?, assinada pelo diretor de redação, Rafael Tavares.

– O ?preciosismo executivo?, citado pelo diretor, é uma acusação leviana e infundada já que as informações que poderiam ser passadas para a imprensa até aquele momento, sem causar nenhum tipo de erro, eram aquelas que foram repassadas a todos os veículos sem distinção alguma. A irresponsabilidade da nota assinada em fazer a crítica é tamanha que os detalhes só não foram repassados à imprensa porque ainda não haviam sido divulgados pela delegada, que naquele momento, estava trabalhando na finalização do inquérito, colhendo o depoimento da acusada.

– Para que a imprensa pudesse ter acesso a todas as informações com qualidade e exatidão, a apresentação da seqüestradora foi marcada para esta terça-feira (15), às 9h. Assim os policiais teriam tempo suficiente para lavrar o auto de flagrante, ouvir a acusada e colher os detalhes e provas finais que pudessem inclusive, alimentar a imprensa com informações corretas e de qualidade. A irresponsabilidade da acusação da nota assinada é ainda mostrada no fato de que a delegada apenas finalizou a oitiva e o auto de flagrante às 3 horas da madrugada desta terça-feira (15), portanto seria impossível que este ou qualquer outro veículo tivesse acesso às informações detalhadas antes deste horário.

– O interesse da imprensa em informar não pode, de maneira alguma, se sobrepor à lei, à verdade dos fatos, ao direito de defesa do acusado e principalmente ao direito da polícia de finalizar o seu trabalho, dando prioridade ao caso e ao bem-estar da família e da criança seqüestrada.

– A presença do secretário da Segurança Pública, Luiz Fernando Delazari, apesar de divulgada, ainda não estava confirmada, já que há dez dias, o sr. Secretário tinha compromisso agendado com o secretário Nacional da Segurança Pública, Luiz Fernando Correa, em Brasília. Tanto é que nesta manhã, enquanto ocorria a coletiva, Delazari estava embarcando para a capital federal.

– A Secretaria da Segurança Pública finaliza esta nota informando que tem o interesse de bem informar à população que merece o respeito de todos os veículos da imprensa, que por fim, têm como dever maior a exatidão das informações e a correção na descrição dos fatos. Secretaria da Segurança Pública do Paraná

Nota da Redação

É justa e direita a cobrança da imprensa, na medida em que os órgãos de comunicação se empenharam na divulgação das informações e retrato falado da então suspeita, auxiliando no trabalho policial. Independente da oitiva, que avançou a madrugada, a seqüestradora já havia confessado o crime e a criança sido entregue à família. Portanto, a apresentação da mesma em nada interferiria na conclusão do inquérito. Sanado o clamor popular, poderia a polícia, aí sim, repassar no dia seguinte informações complementares, ?de qualidade?, como desfecho de uma louvada investigação. A Tribuna do Paraná prima pela qualidade de informação e não mede esforços para manter seu leitor sempre bem informado. Assim agimos neste e em todos os casos publicados em nossas páginas, compactuando com a exatidão dos fatos e zelando pelo real interesse da população. Aliás, como fizemos na edição de ontem.

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