O BC terá que ressarcir Raimunda das parcelas que ela pagou em um plano administrado pela empresa para compra de um automóvel em 50 meses. A autora da ação alegou que o grupo se recusava a entregar inúmeros bens a seus consorciados, tendo desviado os recursos coletados, e que o BC, na qualidade legal de órgão fiscalizador, permaneceu “inerte” e “omisso” diante da situação, decretando a liquidação extrajudicial do consórcio somente em 14 de outubro de 1994.
O processo teve início na 4.ª Vara Federal de Campinas (SP), cujo titular se declarou incompetente para julgar o caso, transferindo-o para a Justiça Federal de Curitiba. O BC argumentou que não houve omissão de sua parte da qual resultasse responsabilidade para o Estado e que a autorização para funcionamento não converte o poder autorizante em uma garantia nem o vincula ao autorizado. Na primeira instância, a sentença da 9.ª Vara Federal da capital paranaense negou o pedido de Raimunda. Ela recorreu dessa decisão ao TRF e conseguiu revertê-la com o julgamento da apelação pela 4.ª Turma.
O desembargador federal Amaury Chaves de Athayde ressaltou que a administração do Sistema Financeiro Nacional (SFN) é atribuição do poder público. “A partir do momento em que o ente político não garantir para as pessoas – generalizo -, em seu território, a validade do dinheiro que ele mesmo estabelece, realmente, caminhará o país para a perda da sua própria soberania”, afirmou, destacando que um dos múltiplos componentes do SFN é o sistema de captação da poupança popular, o qual inclui os consórcios. Ele observou ainda que, no momento em que essa função do Estado é desempenhada por outros, como pessoas jurídicas, isso ocorre sob autorização, acompanhamento e tutela do Executivo, que, nesse caso, assume a função de garantidor, com responsabilidade solidária.
Coroa-Brastel
Athayde, para exemplificar, mencionou as atividades comerciais em geral, cujo funcionamento não necessita de autorização do poder público, porque envolvem relações de consumo entre particulares, sem exercer funções básicas do Estado. Nessa área, disse, a interferência governamental é exigida somente para a manutenção da ordem geral. No entanto, ele salientou que, no caso de atividade submetida ao controle estatal imediato, como a captação da poupança popular – integrante do Sistema Financeiro Nacional, de estrutura prevista na Constituição -, não vê como a administração pública possa se eximir da responsabilidade por dar crédito, perante a sociedade, aos captadores, os quais ela autoriza e deve fiscalizar. Por isso, o juiz concluiu que o Banco Central tem responsabilidade objetiva e deve indenizar Raimunda, inclusive para proteger a sanidade do SFN.
O desembargador federal Edgard Lippmann Júnior acompanhou o voto de Athayde. Ele lembrou que foi relator em diversos julgamentos envolvendo o “famoso golpe Coroa-Brastel”, nos quais concluiu pela inexistência de responsabilidade do BC porque se tratava de investidores e existia o risco de eventual variação cambial e da Bolsa de Valores. No caso dos consórcios, porém, Lippmann ressaltou que os clientes são pessoas de parcos recursos que utilizam esse sistema para conseguir adquirir alguns bens, já que não possuem em seu patrimônio dinheiro para realizar a compra à vista ou em prazo menor. “A maioria de nós já possuiu consórcio e sabe da expectativa criada”, afirmou. “Paga-se durante um período grande e, na metade ou no final, na hora de satisfazer aquele sonho da vida, tem esse insucesso, que é a liquidação das administradoras. Temos, pelo Brasil afora, inúmeros casos iguais a este”, apontou.
Para Lippmann, a responsabilidade do BC só poderia ser afastada se o estabelecimento dessas empresas fosse livre. “Parece-me pertinente exigir-se do BC o dever de fiscalização efetiva”, entendeu. “O Banco Central, por ter um aparato legislativo muito extenso, pode, a qualquer tempo, colocar em indisponibilidade o patrimônio dos autores, fazer a liquidação extrajudicial e lacrar o estabelecimento que eventualmente esteja descumprindo os requisitos.”
