A apreensão de 240 comprimidos de ecstasy – conhecido como a “droga do amor” – com um promotor de festas de luxo em boates de Curitiba está tirando o sono não só dos proprietários desses estabelecimentos, que serão chamados para interrogatório na polícia, mas também dos pais dos jovens que costumam freqüentar esses locais. Mais de 200 números de telefones de gente “chique”, oriunda de famílias conhecidas na cidade, figuram na agenda do empresário preso, Marcelo Henrique Barranqueiros, 23 anos, flagrado com o ecstasy e outras drogas, como cocaína e LSD.
A prisão, ocorrida anteontem, após investigações realizadas por policiais da delegacia do Alto Maracanã, em Colombo, confirmou o que já se suspeitava há algum tempo. O ecstasy está sendo vendido abertamente nas festas realizadas nas noites curitibanas e consumido por jovens da classe alta, já que cada comprimido é vendido em média a R$ 50,00. Como se parece com um remédio comum, tipo aspirina, é difícil de ser localizado e apreendido. Normalmente é comprado e ingerido imediatamente no banheiro da boate, para que o usuário passe toda a noite “ligadão”, dançando e achando maravilhoso tudo o que está ao seu redor.
Sul do País
O ecstasy, antes usado por quem freqüentava festas raves (aquelas que duram até três dias) realizadas principalmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, agora já está chegando com força às festas menos longas, realizadas nas boates da região Sul do País. De acordo com as informa-ções prestadas pela delegacia do Alto Maracanã, um mesmo fornecedor distribui a droga para o Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina. Ele já está identificado e sendo procurado por vários policiais. Mora em Santa Catarina mas tem família em Curitiba.
Segundo o que foi apurado, o indivíduo apanha a droga nos aeroportos do Rio ou de São Paulo (trazida da Holanda por um traficante de lá) e depois leva para as capitais dos três estados do Sul, vendendo-as aos promotores de festas e donos de casas noturnas que então se encarregam do repasse aos usuários. A rede de entrega pode ser maior, envolvendo principalmente estudantes universitários de maior poder aquisitivo, que além de consumir a droga também oferecem para os amigos e conhecidos.
Na semana passada, o jornalista Diego Santos, do jornal A Notícia, de Joinville (SC), conseguiu comprar um comprimido de “e” – forma como os traficantes também se referem ao ecstasy – em um bar no centro daquela cidade, após fazer um breve contato com um estudante universitário de 25 anos. O rapaz, ao proceder a venda (por R$ 50,00) mostrou que tinha outros 15 comprimidos. O jovem garantiu que a droga tinha vindo da Europa e que as fabricadas em laboratórios brasileiros são menos aceitas porque são de baixa qualidade. O jornalista entregou o comprimido comprado ao delegado da Polícia Federal Paulo Corrêa Jung, que prometeu tomar alguma providência.
Poucos recursos
Apesar de contar com poucos recursos e poucos policiais, a DP do Alto Maracanã deverá tomar conta sozinha do caso, já que a Divisão de Narcóticos (Dinarc) da Polícia Civil e a Polícia Federal até agora não tomaram nenhuma providência para apoiar aquela unidade. Ainda ontem o delegado Alex Danielewicz, titular da Dinarc, afirmou que irá pedir ao colega Marcus Vinicius Michelotto (titular do Alto Maracanã) informações sobre a ocorrência. “Nós vamos ter que reforçar a troca de informações com todas as delegacias da capital e da Região Metropolitana, para realmente monitorarmos o tráfico de drogas”, assegurou Danielewicz, que foi nomeado há três semanas para chefiar a divisão, mas até agora não conseguiu colocar a casa em ordem, pois faltam delegados e agentes para o trabalho. A Divisão de Entorpecentes da Polícia Federal também não demonstrou interesse em auxiliar nas diligências. De acordo com o delegado Maurício Valeixo, somente se a própria delegacia pedir apoio ou comunicar oficialmente a apreensão da droga e prisão do traficante é que alguma coisa poderá ser feita. “A Polícia Civil tem autonomia para trabalhar no combate ao tráfico”, disse ele.
“Fabricante” se deu mal
Até bem pouco tempo não era fácil se ouvir falar do ecstasy, a menos para quem já estava acostumado a procurar a droga nas festas e em boates e conhecia os fornecedores. A polícia, no entanto, não tinha realizado apreensões significativas e isso servia até para “maquiar” o próprio uso por parte dos jovens. Há dois anos, em Curitiba, um químico foi preso em flagrante pela Delegacia Antitóxicos com algumas cápsulas de ecstasy produzidas por ele mesmo, em um laboratório improvisado no Conjunto Moradias Jamaica, Pinheirinho. Junto com ele dois usuários também foram detidos.
O rapaz ficou algumas semanas recolhido no xadrez da especializada e depois foi colocado em liberdade, assim como os dois usuários. A polícia não soube informar como está seu processo, nem se ele chegou a ser condenado por isso.
Já esta semana, policiais militares da Ronda Ostensiva de Natureza Especial – Rone – prenderam Iberá Vidal Passos, 37 anos, que já tem diversas passagens pela polícia desde que era menor de idade, por tráfico. Com ele foram apreendidos papelotes de cocaína, pedras de crack e 10 comprimidos de ecstasy, além de dois pássaros silvestres. Fugitivo da Colônia Penal Agrícola, Iberá estava fazendo “clínica geral”, ou seja, investindo na venda de todo o tipo de droga e até no comércio ilegal de pássaros. Ele foi conduzido para a delegacia do Alto Maracanã e provavelmente através dele os policiais chegaram ao fornecedor maior, o empresário Marcelo Henrique Barranqueiros, 23, morador no Batel e dono da GMConex Sistemas e Soluções Virtuais Ltda., que promove festas em empresas e boates. E através do próprio Marcelo a polícia deve chegar a outros envolvidos na distribuição da droga. (MC)
Alucinações e até morte
O ecstasy já aparece em vários sites de combate ao uso de drogas na Internet com o alerta sobre seus efeitos maléficos e o aviso de que pode levar à morte. Muitos usuários garantem que não são viciados e que usam só de vez em quando. Porém uma única dose pode ser fatal, afirmam os especialistas. O princípio ativo da droga é o mesmo do LSD e quem usa normalmente toma com bebida alcoólica, o que intensifica os efeitos e agrava os riscos.
Estimulando a produção de serotonina no cérebro – substância responsável pela sensação do prazer – o ecstasy produz euforia e bem estar intensos que chegam a durar até 10 horas. A pessoa fica sociável, com vontade incontrolável de conversar e até ter contato físico com outros, e provoca alucinações.
Os malefícios causados pela droga ao usuário, segundo médicos, são o ressecamento da boca, perda do apetite, náuseas, coceiras, espamos do maxilar, fadiga, depressão, dor de cabeça, visão turva, manchas na pele, movimentos descontrolados de braços e pernas, crises bulímicas e insônia. E a principal causa de morte dos consumidores é o aumento da temperatura do corpo. A droga causa um descontrole da pressão sangüinea que pode provocar febres de até 42 graus. A febre leva à desidratação que pode matar o usuário. Se associado a bebidas alcoólicas, o ecstasy pode provocar também choque cardiorrespiratório.
Calamidade
Nos Estados Unidos, de acordo com um artigo escrito no mês passado por Gerald Thomas, o ecstasy está sendo classificado pelo Departamento de Saúde como uma calamidade. O LSD, a cocaína, o crack e a heroína, segundo ele, não tiveram o mesmo tratamento. O problema maior é que a droga provoca danos irreversíveis no cérebro que são constatados após alguns anos de uso. Conforme escreveu Thomas, “ela não provoca ressacas ou rebordosas imediatas, não tem os tais dias seguintes, então o usuário acha que pode prosseguir num uso contínuo. E é justamente aí que reside o perigo, em questão de alguns anos os danos neurológicos terão sido terríveis”. (MC)
“Importados” da Colômbia
Embora a polícia afirme que grande parte do ecstasy consumido no Brasil vem da Holanda, inclusive que há um reforço do policiamento federal nos aeroportos do Rio de Janeiro e São Paulo para detectar a chegada da droga, é possível também que os comprimidos venham da Colômbia. No final de maio agentes colombianos da polícia Antinarcóticos, em uma operação conjunta com organismos americanos, desmantelaram uma organização que fabricava e exportava o ecstasy. Foram apreendidos 120 mil e 520 pastilhas do estimulante. A droga foi avaliada em 3 milhões de pesos, o equivalente a US$ 1,3 milhões. (MC).