Armas de fogo foram responsáveis por 362 mortes na capital em 2003. |
Mesmo com a estatística de 2003 ainda em aberto – os dados serão fechados amanhã -, os números registrados pela Delegacia de Homicídios até o dia 24 de dezembro confirmam que o ano de 2003 foi mais violento na capital paranaense do que o anterior. Enquanto em 2002 foram registrados 405 homicídios, em 2003 aconteceram 446 assassinatos até a véspera de Natal. O aumento é de aproximadamente 10%.
Se a média de 1,2 homicídio por dia, registrada no ano passado, for confirmada até o dia 31 de dezembro, a quantidade de assassinatos cometidos em Curitiba em 2003 pode ultrapassar os 455 casos. Nessa hipótese, o aumento em relação a 2002 chegaria a 11%. Vale lembrar: a estatística da DH não registra os casos de latrocínio (roubo seguido de morte), que são apurados pela Delegacia de Furtos e Roubos e vão engrossar ainda mais o ranking da violência na capital, pois 2003 foi tristemente pródigo em casos de latrocínio.
Identificados
O delegado Stélio Machado, titular da Homicídios, afirma que mais de 85% dos casos de assassinato tiveram a autoria identificada pela polícia. ?Tivemos 381 homicídios elucidados e 65 diligências em andamento até o dia 24 de dezembro?, enumera.
Trabalhando com mais três delegados adjuntos, Machado diz que ao se comparar a estrutura da DH com delegacias similares em países do primeiro mundo, deixa-se muito a dever. ?A vida é o bem mais importante em uma sociedade?, observa. De acordo com o delegado, há um planejamento para criar, este ano, uma Divisão de Crimes contra a Vida dentro da Polícia Civil, valorizando e equipando melhor o trabalho de investigação de homicídios.
Vítimas
As estatísticas policiais confirmam a triste realidade das ruas: 408 pessoas – o equivalente a 91,5% das vítimas – eram jovens do sexo masculino. Em geral, rapazes com idade entre 15 e 30 anos. Armas de fogo aparecem como as ?campeãs? entre o meio empregado para matar – 362 vítimas foram baleadas, contra 33 mortas por facadas (arma branca) e 51 por outros objetos (objetos contundentes).
Para Stélio Machado, um dado importante que os números frios não revelam é a motivação por trás dos assassinatos. ?Posso afirmar que as drogas são o grande vilão da sociedade. A maioria dos homicídios cometidos está ligada ao uso ou ao tráfico de substâncias entorpecentes. E também, a maioria dos crimes acontece em áreas sob influência do tráfico?, explica
Bairros
Em relação às regiões mais violentas da cidade, 2003 terminou emplacando a CIC como a área onde ocorreram mais homicídios. ?O Cajuru, que até então vinha sendo a região mais crítica, teve um decréscimo no número de assassinatos a partir de outubro, passando para o segundo lugar, atrás da CIC?, relata o titular da DH. Depois do Cajuru, as regiões mais violentas são Uberaba, Sítio Cercado e Tatuquara.
De acordo com Machado, o fato se deve à intensidade das ações da Polícia Civil na região do Cajuru nos meses de julho, agosto e setembro. ?Cumprimos 23 mandados de prisão por lá. Colocamos muita gente do tráfico atrás das grades?, comemora o delegado. Machado promete que este ano a DH vai intensificar as ações também na região da CIC.
Polêmica sobre desarmamento
Um dos assuntos mais discutidos em 2003, o Estatuto do Desarmamento foi sancionado no dia 22 de dezembro pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e já está em vigor. A lei, que trata do registro, porte e comercialização de armas de fogo no País, ainda está gerando dúvidas e polêmica entre a população.
O estatuto está sendo visto com bons olhos pela Secretaria de Estado da Segurança Pública e seus segmentos. Mas o secretário em exercício, Marco Antônio Lima Verberi, ressalta que ainda existem pontos obscuros na lei. O responsável da Delegacia de Explosivos, Armas e Munições de Curitiba, delegado Guaraci Hoffmann, concorda com este ponto e acredita que, tirando a arma de circulação, será possível combater ainda mais a violência. Os dois acreditam que os resultados propostos só vão ser alcançados em longo prazo.
O conjunto de medidas foi criado para acabar com estatísticas alarmantes. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, a cada 12 minutos uma pessoa é assassinada no Brasil. Na década de 1990, aconteceram 404.348 assassinatos. A maioria das vítimas são jovens do sexo masculino até 24 anos.
Entre outros pontos, o estatuto proíbe o porte de arma para o cidadão comum, exceto para integrantes das Forças Armadas, policiais, guardas municipais, prisionais e portuários. ?A restrição vai fazer com que o cidadão não ultrapasse o limite?, comenta Verberi. Ele cita casos de brigas em bares e de trânsito que acabaram em morte, pois os envolvidos perdem a calma e apelam para o uso das armas.
Com a publicação da lei, as pessoas que possuem armas terão 180 dias para regularizá-las. Em outubro de 2005 acontecerá um referendo popular em que será decidido se haverá proibição total desse comércio. Até lá, somente pessoas acima de 25 anos poderão efetuar a compra e obter porte, atendendo uma série de requisitos, como exames psicológicos e comprovação de boa índole. A fiscalização das novas medidas em todo o País estará à cargo da Polícia Federal.
Divergências
Um dos pontos divergentes do estatuto é a punição para quem for pego com a arma em situação ilegal. A pena pode chegar até 12 anos de reclusão. Algumas infrações não têm fiança.
O delegado Hoffmann concorda com a punição nestes casos. ?Muitas vezes, a gente tinha que liberar o infrator mesmo sabendo que ele havia cometido outros crimes?, lembra.
Já Verberi acredita que esse não seja o melhor caminho a seguir. ?O problema é o apenamento muito severo. O que resolve é a atitude preventiva?, afirma. ?E ainda pode agravar o nosso problema de superlotação carcerária.? O secretário em exercício lembra que a maior parte dos crimes acontece pela certeza da impunidade.
Os dois ainda lembram daqueles que se sentem seguros quando portam uma arma. ?É preciso mudar a mentalidade da população com uma campanha educacional e presencial. As pessoas vão se sentir mais seguras quando o aparato policial estiver mais perto. Assim, elas não vão pensar que a proteção vem das armas?, conta Verberi. ?Quando vem alguém querendo o porte de arma, sempre questiono a necessidade. Oriento que é melhor gastar esse dinheiro, que não é pouco, em sistemas de segurança, por exemplo?, revela Hoffmann.
Uma das medidas que o delegado não aprova no estatuto é deixar de lado os processos do juizado especial, como as varas de família, na hora de expedir um porte de arma. ?Um exemplo é clássico: o homem bate na mulher e faz a reconciliação. E isso acontece por diversas vezes. Não existe punição no juizado. Mas essa pessoa tem condições de possuir uma arma??, questiona. Com o estatuto, a documentação exigida será a certificação de antecedentes criminais e processuais, além dos exames psicológicos. ?Não quer dizer que vai ser mais fácil adquirir o porte, mas é um detalhe que poderia impedir?, afirma Hoffmann.