O número de casos de pedofilia que chegou ao conhecimento público, esse ano, apenas comprova as estatísticas que amargam a realidade de muitas crianças que moram em Curitiba. De acordo com os dados fornecidos pela Secretaria da Segurança Pública, apenas nos dois primeiros meses de 2004, três crianças foram vítimas de atentado violento ao pudor -que inclui casos de abuso e sexo não vaginal – e outras duas foram estupradas. Isto significa que, em média, a cada 12 dias, uma criança foi vítima de violência sexual na capital. Nesse mesmo período foram registrados 41 casos de atentado violento ao pudor e 14 estupros em todo o Estado. Os números referem-se às vítimas com idade entre zero e 12 anos.
Conforme os dados do Programa Sentinela – criado pelo Governo Federal e que atua em todo o País – houve um aumento considerável de casos de abuso sexual contra crianças de 2002 para o ano passado: 11% das situações envolvendo meninas e 1% em relação aos meninos, em todo o Paraná. Curitiba foi apontada como a cidade que registrou o maior índice de casos de abuso sexual feminino, envolvendo crianças de 7 a 14 anos. Em seguida estão as cidades de Londrina, Diamante do Oeste, Guarapuava, Fazenda Rio grande, Laranjeiras do Sul e Francisco Beltrão. De acordo com a coordenadora do programa municipal de enfrentamento à violência infantil, Célia Faisano, a capital vem registrando, esse ano, uma média de 550 denúncias de abuso sexual por mês. Em 2003, esses números eram de 330. “Não podemos afirmar que as ocorrências aumentaram, mas sim o número de denúncias. As pessoas não estão mais guardando em segredo a violência que presenciam, e a gama de serviços de programas contra a violência infantil também aumentou” afirmou.
Para a assistente social da Secretaria do Trabalho, Emprego e Promoção Social, Gladys Maria Teixeira Tortato, a violência sexual é um problema social: “Através dos dados fornecidos pelo programa Sentinela podemos constatar que a maioria das crianças – cerca de 47% – que sofre esse tipo de agressão, está inserida em família com renda de até um salário mínimo. O restante possui renda familiar de até três salários”, finalizou.
Presos têm lei própria para punir estuprador
Quando o abusador sexual é preso por estupro ou atentado violento ao pudor, seja contra crianças ou vítimas de qualquer idade, ele acaba por sofrer punições vindas de dois tipos de Lei. Uma formal, presente no Código Penal, e outra informal, que rege o convívio dentro das prisões. O estupro acontece apenas contra mulheres -de qualquer idade – e é caracterizado pela penetração vaginal. Já o atentado fere qualquer pessoa, pois compreende todo o tipo de violência sexual, como o sexo anal ou oral.
De acordo com o advogado e integrante da Comissão Nacional de Direitos Humanos, Dálio Zippin Filho, os crimes de estupro e atentado violento ao pudor são considerados hediondos desde 1990, o que significa que são inafiançáveis e que o réu deve cumprir a pena em regime fechado. Ele poderá pedir pela liberdade condicional depois de cumprir dois terços da pena. Para ambos, a reclusão pode variar de 6 a 10 anos e no caso da vítima ser criança, a pena ganha agravante, podendo ser aumentada em até a metade dos anos de condenação.
Lei dos presos
Quando um abusador sexual é preso a lei determina que o acusado deve ficar encarcerado separadamente dos demais detentos, para preservar sua integridade física. “Na lei dos presídios e das cadeias, os detentos não perdoam homens que cometem esses crimes, porque interpretam que ele poderia ter violentado um filho ou a esposa deles,”, explica Zippin.
Quando um abusador sexual fica na mesma cela que os demais detentos, ele acaba sofrendo a mesma violência que praticou, podendo até ser morto. O advogado acrescenta que nesses casos cabe a administração manter a integridade do acusado e preservar a não violação dos direitos humanos. “Todos sabem qual é a lei dos presos quando um estuprador é detido. Além de ter várias partes do corpo depiladas, são submetidos a situações humilhantes. Infelizmente muitas autoridades concordam com está punição”, finaliza o advogado.
Às vezes, o pedófilo pode estar em casa
O dicionário Aurélio traz como definição da palavra pedofilia o “ato de gostar de crianças”. Já o Michaelis a define como “o amor” por elas. Apesar do significado da palavra insinuar que a pedofilia refere-se a um sentimento benigno e nobre, o ato em si está bem longe de ser algo bom e agradável.
De acordo com a psicóloga Tereza Cristina Karam (foto), a pedofilia é consumada quando uma criança de até 13 anos é vítima de estupro ou atentado violento ao pudor. A violência sexual pode ser praticada com os próprios filhos, filhos adotivos, parentes ou crianças de fora do âmbito familiar do pedófilo. O agressor também pode procurar atividades ocupacionais ou profissionais que sejam desenvolvidas com crianças para escolher suas vítimas.
Para ser considerado pedofilia, o ato sexual deve acontecer sem o consentimento do outro, por isso, em uma relação entre namorados, onde uma garota tem 13 anos e um rapaz de 18, não é considerado distúrbio. Além disso o distúrbio não implica apenas em penetração, mas também em atos como despir e observar a criança, exibir-se e masturbar-se na presença dela, tocá-la e afagá-la.
Entretanto, segundo a psicóloga Jane de Oliveira, há uma diferença entre abusador sexual e pedófilo. No abusador, o desejo não é constante e sim decorrente de uma determinada situação; já o pedófilo tem demonstrado desejo sexual exclusivo por crianças. “Nos casos de abuso sexual envolvendo um homem e uma menina, por exemplo, ele pode ter sentido atração pela criança, a molestado e, ao mesmo tempo, continuado a manter relações sexuais com a esposa.
Perfil
A psicóloga Teresa Karam afirma que, para o agressor ser considerado um pedófilo, ele deve apresentar transtorno sexual e três características distintas. A primeira consiste em demonstrar, em um período mínimo de seis meses, fantasias sexualmente excitantes, recorrentes e intensas, impulsos sexuais ou comportamento envolvendo atividade sexual com uma ou mais crianças, geralmente de até 13 anos. Neste caso o desejo sexual é voltado exclusivamente à crianças, sendo que o pedófilo dispensa relações sexuais com pessoas da mesma idade.
A segunda característica é que as fantasias, impulsos ou comportamentos sexuais devem causar sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo na vida do indivíduo, de maneira social ou ocupacional. Desta forma, o pedófilo pode até sentir-se mal antes de atacar uma criança, mas não consegue segurar seu impulso. Por fim, para ser considerado um pedófilo é necessário que o agressor tenha idade mínima de 16 anos e tenha pelo menos cinco anos a mais que a vítima, ou seja, jogos sexuais entre crianças não são considerados distúrbios.
Oito prisões, só este ano
Pelo menos oito pessoas envolvidas em casos distintos de pedofilia foram presas este ano, em Curitiba e cidades vizinhas. Três são advogados, além de uma babá, um cabeleireiro, o gerente de um conhecido provedor de internet, um professor de futebol e o próprio pai de uma menina de 8 anos.
Entre os casos de maior repercussão estão o do pedreiro de 32 anos, morador em Almirante Tamandaré, que foi preso em janeiro acusado de molestar a filha e outros cinco sobrinhos. Todos com idades entre 4 e 10 anos. As crianças contaram á polícia que os abusos aconteciam durante as reuniões de família, quando ele escolhia uma delas, a levava para um canto da casa e oferecia bala. Sem os pais perceberem, o pedreiro a molestava e esfregava o corpo dele contra o da criança escolhida. Depois oferecia dinheiro para que a vítima não contasse o que havia feito. Devido a estrutura física das vítimas, nenhuma foi estuprada, apesar de ter havido intenção do pedófilo.
Professor
Em fevereiro, os investigadores da delegacia de Fazenda Rio Grande prenderam em flagrante Eurico de Paula Esteves, 53 anos, o “professor Paulo”, acusado de abusar sexualmente de dois meninos. Através de um emprego na escolinha de futebol do Conjunto Gralha Azul, o pedófilo escolhia e atacava suas pequenas vítimas. A denúncia partiu da mãe de dois alunos, de oito e quatro anos. Segundo o relato do garoto mais velho, ele o irmão era obrigados a praticar sexo oral com o “professor”. “Ele levava as crianças na conversa e as convidava para pescarias. Depois de conquistar-lhes a confiança, abusava delas, em troca de dinheiro”, disse o superintendente da delegacia local, Valdir Bicudo.
O caso mais recente de pedofilia refere-se ao cabeleireiro Willie Gibson Filho, 42 anos, morador do Bairro Novo, em Curitiba, que convidava crianças da vizinhança, com idade entre 10 e 12 anos, para “brincar” com ele. Willie foi preso no dia 5 desse mês, por atentado violento ao pudor, ao ser flagrado com uma das garotas dentro da sua casa. Junto com ele os policiais apreenderam pacotes de doces, usados para aliciar as crianças, e diversas peças de roupas infantis, inclusive calcinhas. Segundo o relato das vítimas, o cabeleireiro passava pirulito nos órgãos genitais dele e depois dava o doce para elas. Nos fins de semana, uma piscina de plástico montada no quintal também servia de atrativo. Depois que as meninas divertiam-se na piscina eram obrigadas a tomar banho de chuveiro. Enquanto estavam nuas, ele as observava e se masturbava.