Com a bíblia na mão, Jairton |
Cumprindo a promessa de que era "questão de honra" elucidar o brutal assassinato do garotinho Vinícius Nascimento Félix, 5 anos – morto com um tiro na nuca -, e de sua babá, Josiane Taborda de Oliveira, 14, assassinada a golpes de faca, na última quarta-feira, em Colombo, ontem a polícia prendeu o principal suspeito do duplo crime. Jairton Cardoso, 33, conhecido por "Gauchinho", confessou a violenta ação na Promotoria de Investigação Criminal, na presença de promotores e policiais da delegacia do Alto Maracanã e do Centro de Operações Policiais Especiais (Cope).
O primeiro passo para a prisão de Jairton foi dado pelo pai de Josiane, Silvano Oliveira, 46, que logo começou a montar as peças do quebra-cabeça. Ao questionar seus familiares sobre quem esteve em sua casa na tarde do crime, ele descobriu que Jairton foi até lá para ajudar seu pai, Pedro de Oliveira, a carregar uma geladeira. Depois do trabalho, ele ainda teria sido recompensado com um almoço. Foi depois disso, por volta das 15h, que o suspeito teria deixado a casa de Josiane e a encontrado cuidando do garotinho.
Quando soube, Silvano ficou possesso, uma vez que havia proibido a entrada do acusado em sua casa. Segundo ele, os dois trabalharam juntos, no ano passado, com o carregamento de madeira, e certo dia Jairton contou que já havia matado um tio e estuprado uma garota. Temendo por suas quatro filhas, de 14, 15, 16 e 20 anos, Silvano cortou relações com o colega de trabalho. "Ele sempre dizia que minhas filhas eram lindas, principalmente Josiane, mas depois que soube do seu passado, vetei sua entrada em minha casa", contou o pai da menina.
Prisão
Na quinta-feira, dia seguinte aos assassinatos, e no sábado, Jairton retornou à casa da família de Josiane, de onde foi novamente expulso. Nestas duas ocasiões, ele perguntou se o autor das mortes já estava preso, e afirmava que estava "orando" por todos eles. Além de sua excessiva preocupação com o caso, outro fator levou o pai da menina à certeza da autoria. Na tarde em que Josiane foi morta, Jairton perguntou à outra filha de Silvano onde estava todo mundo e, assim que ela entrou na casa, percebendo que estava sozinha, ele a seguiu. Com medo, a jovem bateu a porta, deixando-o para fora. Silvano acredita que algumas crianças que brincavam na rua contaram onde Josiane estava, ou que ao caminhar pela região, avistou-a no quintal da casa, brincando com Vinícius.
O pai da menina revelou a história aos policiais do Cope, que ao meio-dia de ontem prenderam o suspeito no momento em que ele chegava em casa, no Jardim Curitiba, Almirante Tamandaré. Ele foi levado imediatamente à PIC, onde confessou o duplo homicídio. A polícia tomou o cuidado de fazer o interrogatório na presença de um promotor, para que não pairem dúvidas quanto à versão apresentada pelo suspeito. Na casa dele, os policiais recolheram um rádio, similar ao que sumiu da residência do garotinho morto.
Prova
Na busca da materialidade do crime, no começo da noite de ontem, Jairton foi levado por policias do Cope novamente à sua residência, para indicar onde escondeu a arma usada por ele, uma vez que exames complementares feitos no Instituto Médico Legal constataram que Vinicius foi morto com um tiro na nuca. Segundo a esposa de Jairton, Sônia Aparecida de Assis Cardoso, 34, nenhuma arma foi encontrada. "A única arma que meu marido tem é a bíblia. Tenho certeza que ele é inocente", disse a mulher.
Uma história de pobreza
Jairton Cardoso, 33 anos, apontado como o principal suspeito do duplo homicídio, é casado e pai de três filhos, de 5, 10 e 13 anos. A filha do meio possui um problema de atrofia nas duas pernas; já as outras crianças são a prova viva da pobreza em que a família vive, num pequeno barraco pintado de azul, no Jardim Curitiba, em Colombo, a poucas quadras de onde ocorreu o crime. De forma simples e até ingênua, Sônia Aparecida de Assis Cardoso, 34 anos, mulher do acusado, franqueou a entrada dos policiais na casa, para a busca de provas materiais do crime.
Quando procurada pela reportagem da Tribuna, Sônia mostrou com humildade acreditar na inocência do marido, exibindo uma fotografia em que ele aparece segurando uma bíblia e esboçando um sorriso inofensivo. Porém, a imagem possivelmente esconda o passado doloroso que o acusado viveu. Segundo a polícia, durante o interrogatório ele contou que foi criado por um tio que o violentava sexualmente, lembranças que possivelmente tenham despertado seu desejo pelo mesmo crime. Conhecidos do acusado também contaram que ele tomava o medicamento Gardenal, recomendado para pessoas que sofrem de convulsões e outros distúrbios.
O movimento da polícia e da reportagem na frente da casa da família também evidenciou a infância alienada dos filhos do casal. "Que legal, mãe, o pai vai aparecer na televisão", disse, com uma ponta de orgulho, a garotinha de 10 anos, no momento que avistou o carro da reportagem. Ela e a mãe sequer tinham noção do peso da acusação existente contra Jairton.
Famílias amargam a perda
A dor de perder o único filho de forma violenta fez com que o motorista de caminhão José Lenir Felix e a diarista Roseli Aparecida do Nascimento, pais de Vinícuis Nascimento Felix, mudassem o rumo de suas vidas. No dia seguinte ao encontro dos corpos, eles mudaram-se para o município de Ubiratã (PR), onde sepultaram o garoto. Roseli disse que não retornaria mais para Curitiba e passaria a viver com seus parentes, no interior. A remoção dos móveis e demais pertences da família foi feita nos dias subseqüentes. Ontem, a casa onde ocorreu a tragédia já estava vazia.
O corpo de Josiane Taborda de Oliveira, babá do garotinho, foi sepultado no Cemitério São Gabriel, em Colombo, diante do sofrimento de seus pais – a dona-de-casa Ereni Taborda de Castro e o motorista Silvano Oliveira – e das três irmãs dela, de 15, 16 e 20 anos. Há oito anos a família já havia passado por sofrimento semelhante, quando o único filho homem do casal morreu atropelado, aos 16 anos de idade.
Polícia tenta driblar a imprensa
Nem mesmo com todas as evidências de que o duplo homicídio havia sido elucidado, a Polícia Civil e a Secretaria de Segurança Pública confirmaram a prisão de Jairton Cardoso, até o início da noite de ontem. Porém, populares ligaram para as redações dos veículos de comunicação informando do fato, o que fez equipes se deslocarem até a Promotoria de Investigação Criminal (PIC), onde o acusado estava sendo ouvido. O movimento de policiais do Centro de Operações Policiais Especiais (Cope) e do Alto Maracanã (responsáveis diretos pelas diligências) evidenciou o sucesso do trabalho investigativo. Enquanto ocorria o interrogatório, policiais disfarçavam e desconversavam sobre a prisão. Posteriormente, disseram que Jairton estava detido no Cope, onde o caso seria divulgado. Lá, o delegado Messias Antônio Rosa mais uma vez desconversou, alegando que as investigações continuavam e que o suspeito estava prestes a ser preso. Segundo ele, a prisão ocorreria somente hoje pela manhã e a apresentação seria feita nesta tarde, quando o secretário do Estado de Segurança Pública, Luiz Fernando Delazzari, tivesse um espaço em sua agenda de compromissos para participar do sucesso da operação policial. A assessoria de imprensa da Sesp também despistou, informando que existia "expectativa de prisão", mas que ela ainda não havia acontecido.
Porém, as versões foram desmentidas quando à equipe de reportagem da Tribuna flagrou viaturas do Cope em frente a casa de Jairton, com policiais fortemente armados fazendo a segurança do suspeito. Ele estava dentro de um dos carros da polícia, enquanto investigadores reviraram a residência à procura das armas usadas no dia do crime, uma faca e um revólver, que podem materializar a autoria.